As famílias ignoram os riscos e perigos da emigração clandestina. Alguns pais vão ao ponto de obrigar as suas crianças a abandonarem o continente africano em direção à Europa.
Publicidade
Pais e chefes de família em alguns países africanos tentam forçar os seus filhos a emigrarem para a Europa. Mas,na verdade, muitas famílias ignoram os riscos e perigos da emigração clandestina, por falta de informações ou de escolaridade. Alguns pais vão ao ponto de obrigar as suas crianças a abandonarem o continente africano para, como dizem, "procurar o bem estar na Europa". O fenómeno não é novo, mas não pára de aumentar, nomeadamente na África subsaariana.
Moustapha Diop ocupa-se dos repatriados da Europa no Senegal. Em entrevista à DW África, admite que ele mesmo tentou por duas vezes a aventura, mas sem sucesso. Segundo Diop, os pais pressionam os filhos a partirem para, mais tarde, ajudarem a família que ficou no país. "É preciso que as capitais ocidentais desenvolvam uma política de créditos para financiar atividades geradoras de benefícios, nomeadamente para as mulheres. São muitas vezes essas mães que, na realidade, são chefes de família, que obrigam os seus filhos a entrarem nesta aventura muito perigosa".
Uma posição que é relativizada por Sébastien Prothmann. Durante muito tempo, investigou as aspirações migratórias dos jovens em Pikine, uma localidade considerada um dos bairros mais perigosos de Dacar, a capital senegalesa.
"É precisamente o papel da mãe que é importante nesta questão, porque, muitas vezes, é ela que diz ao seu filho 'estás a ver, o filho do nosso vizinho está em Itália e está a construir uma casa'. Como é evidente, a mãe quer que o seu filho também construa uma casa. Os jovens dizem que querem ir para a Europa para encontrar dinheiro que vai permitir às suas mães deslocarem-se um dia à Meca", explica Prothmann. E acrescenta: "A relação entre os jovens e os seus pais é muito importante. É como se se tratasse de uma dívida de gerações. Os jovens devem sacrificar-se pela família".
Os jovens querem juntar-se aos pais
Há também o papel dos pais, chefes de família, que emigram para a Europa. Na maioria dos casos, explica Sébastien Prothmann, os jovens tentam juntar-se aos seus pais em Itália ou nas ilhas Canárias, em Espanha.
Um arquipélago que só evoca más recordações para Moustapha Diouf: enfrentou o mar Mediterrâneo a bordo de uma embarcação muito frágil para tentar chegar às Canárias, antes de ter sido reenviado para o seu país, o Senegal.
"Todos sabem que o caminho da emigração é muito perigoso. Por isso, criámos uma associação para sensibilizar os jovens a ficar no país", conta Diouf. "Infelizmente, desde 2006, não recebemos nenhuma ajuda financeira por parte das autoridades. Falam de milhões de francos cfa para lutar contra a emigração, mas os pais, até hoje, não receberam nada".
Ajuda internacional e as perspetivas
"Nessas condições, como vamos conseguir convencer as famílias pobres a dizerem aos seus filhos para ficarem no país?", questiona Moustapha Diouf. É um verdadeiro dilema, considera Sébastien Prothmann.
"De um lado, os jovens não têm os meios para deixarem o seu estatuto de jovens porque estão no desemprego e isto faz com que permaneçam muito tempo no seio da família com todas as pressões sociais que isso comporta. Por outro lado, os jovens aspiram a uma maturidade social, ou seja, ter uma mulher, uma esposa e deixar a casa dos familiares. Portanto, ser responsável, no verdadeiro sentido da palavra".
Recorde-se que o Senegal faz parte dos países africanos com os quais, este ano, a Comissão Europeia propôs concluir pactos migratórios. Trata-se de conseguir, através de incentivos financeiros, que Dacar lute ainda mais contra os traficantes de seres humanos e aceite mais os imigrantes ilegais expulsos da Europa.
Para tal, infraestruturas no país já foram colocadas à disposição da Organização Internacional para as Migrações (OIM), para instalar centros de formação e de ajuda, nomeadamente nos bairros periféricos da capital senegalesa, a fim de promover o emprego e combater a pobreza no seio dos jovens.
Memórias dos refugiados africanos de Lampedusa
Lampedusa é como uma porta de entrada de imigrantes para a Europa. Mamadou Ba veio do Senegal, mas entrou como estudante bolseiro para Portugal. Estas fotos de Lampedusa refletem a sua visão da "ilha das tragédias".
Foto: Mamadou Ba
Porta de Lampedusa
Lampedusa é como uma porta de entrada para a Europa de milhares de imigrantes africanos. Mamadou Ba também veio de África, Senegal, mas não entrou por esta porta. Foi como estudante bolseiro para Portugal em 1997. É ativista da organização não governamental SOS Racismo. Mamadou Ba tirou estas fotografias em Lampedusa. Refletem a sua visão desta ilha, que viu tantas tragédias de refugiados.
Foto: Mamadou Ba
Cemitério de barcos
Estes cascos encontram-se no cemitério dos barcos. É aí que ficam os barcos que transportaram os refugiados para a ilha italiana. Foram muitas as vidas que se perderam nas travessias do Mediterrâneo. A maior tragédia aconteceu no dia 3 de outubro de 2013 quando 366 refugiados perderam a vida. No dia 11 de janeiro de 2014, cerca de 200 refugiados foram salvos pela marinha italiana.
Foto: Mamadou Ba
Morrer por querer viver
A ilha de Lampedusa tem vindo a ser considerada um cemitério para milhares de imigrantes que “morrem por procurar uma vida melhor”, nas palavras de Mamadou Ba. Só em outubro de 2013 mais de 400 pessoas perderam a vida em dois naufrágios a caminho do norte de África para a ilha de Lampedusa. A maioria dos mortos era oriunda da Eritreia e da Somália.
Foto: Mamadou Ba
Memória dos imigrantes
Pouco sabemos dos milhares que morreram durante as tentativas de chegar à Europa. A maior parte dos imigrantes mortos são conhecidos pelos números anónimos das notícias sobre os naufrágios. Deixam poucos rastros como estas roupas de náufragos, que mal se distinguem. Mas os mortos são também memória na ilha de Lampedusa.
Foto: Mamadou Ba
Objetos que humanizam
Na ilha existe um museu com objetos de vítimas dos náufragos como passaportes, fotografias pessoais e anotações. “O que os objetos nos mostram é um que a morte não consegue levar a memória. Alguns objetos podem mostrar quão humanos eram e quão simples eram os seus sonhos”, conta Mamadou Ba.
Foto: Mamadou Ba
Normalidade em alto mar
Os imigrantes levavam consigo os seus hábitos quotidianos e a sua cultura. Tentavam continuar esta normalidade nas arriscadas travessias, que lhes prometiam uma vida melhor na Europa. No entanto, não se sabe ao certo se os objetos expostos no museu, como estes tachos, pertenceram a pessoas que morreram ou a sobreviventes que "apenas" perderam os seus pertences na travessia.
Foto: Mamadou Ba
Memórias de vidas perdidas
Em muitos pontos da ilha italiana de Lampedusa podemos encontrar a memória dos imigrantes. "A memória serve para manter a vida do que já não vive“, diz Mamadou Ba. A ilha tem uma extensão de apenas nove quilómetros. Ela dista cerca de 205 quilómetros da Sicília, no sul de Itália, e de cerca de 130 quilómetros da Tunísia, o que torna Lampedusa num ponto de entrada ideal para a União Europeia (UE).
Foto: Mamadou Ba
Inimigo à vista
Este bunker da Segunda Guerra Mundial à entrada de Lampedusa servia para defender a ilha da invasão de forças navais inimigas. Mamadou Ba, da organização não governamental portuguesa SOS Racismo, acredita que este bunker é simbólico: “Lampedusa é a construção do imigrante como inimigo da Europa. Que é preciso conter, que é preciso combater.”
Foto: Mamadou Ba
Contra a "Fortaleza Europa"
Em fevereiro de 2014, mais de 400 representantes da sociedade civil, reunidos em Lampedusa, aprovaram a "Carta de Lampedusa". Ela defende uma mudança de paradigma sobre as realidades migratórias. Dado que são já "incontáveis as tragédias fatais que se têm sucedido nas costas marítimas europeias", os signatários querem ver a imigração e os direitos humanos dos imigrantes na agenda da UE.
Foto: ALBERTO PIZZOLI/AFP/Getty Images
O mar de Lampedusa
A pequena ilha italiana que fica no meio do Mediterrâneo entre a Sicília e o norte de África espera por dias melhores. Poucos pensam que os fluxos migratórios e as tragédias associadas vão acabar se não houver uma transformação radical das políticas de imigração da Europa.