Ainda não foram reassentadas as famílias que viviam perto da lixeira de Hulene, em Maputo, onde a 19 de fevereiro de 2018 morreram soterradas 17 pessoas. Antigo edil justifica atrasos com procedimentos administrativos.
Posulane, no distrito de Marracuene, foi o local escolhido para reassentar as famílias, mas ainda não há sinais de obras em construção. Os moradores queixam-se de morosidade neste processo.
"Viver numa casa de aluguer não é o mesmo que viver na nossa casa", lamenta Elias Matias, um dos afetados, que pede que o problema seja resolvido o mais rapidamente possível. "Na minha casa semeava verduras, fazia criação de animais, podia fazer muitas compras, mas não cabem nesta casa", conta.
Outros antigos moradores de Hulene, como Simão Matusse, queixam-se por não terem nenhuma informação sobre o seu futuro. "Até agora ainda não disseram nada. Não temos nenhuma esperança, uma vez que disseram que estão a cancelar o dinheiro do arrendamento porque é pago de dois em dois meses e não sabemos como há-de ser", diz. A última tranche do arrendamento foi paga em dezembro de 2018.
Novo autarca resolverá o problema?
Ernesto Pelembe, outro morador, não sabe se o novo elenco liderado pelo autarca Eneas Comiche vai solucionar este problema. "Será que este que vai entrar vai continuar a zelar por nós? Todos nós estamos na expectativa porque não sabemos para onde vamos. Só sabemos de onde saímos", sublinha.
Famílias de Hulene esperam reassentamento há um ano
O antigo edil de Maputo, David Simango, numa entrevista no final de janeiro, tranquilizou as famílias afetadas, explicando que apesar de já não ser o presidente do município, não iria "deixar este assunto mal parado".
Na altura, assegurou que "aqueles compromissos assumidos, nomeadamente pagar subsídios de aluguer de casas, construir casas condignas e entregar as chaves na mão de cada afetado devidamente identificado, isso vai acontecer."
David Simango justificou a demora na construção das novas casas em Marracuene com procedimentos administrativos: "Lançámos o concurso para a construção de casas. O concurso conheceu alguma demora porque houve reclamações dos concorrentes, mas depois foi ultrapassado e neste momento estamos à espera que os vistos do tribunal estejam prontos para as obras começarem."
Até ao momento, o novo elenco do Conselho Autárquico de Maputo ainda não se pronunciou sobre este assunto.
Um mundo à parte: a lixeira de Hulene
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Isto causa diversos problemas ambientais e sociais.
Foto: DW/Marta Barroso
Resíduos sólidos sem tratamento adequado
Em Moçambique, os resíduos sólidos urbanos são depositados em lixeiras a céu aberto, tal como acontece em Hulene, nas proximidades do Aeroporto de Maputo. Este modelo de gestão do lixo traz consigo graves problemas de diversa ordem. Entre outros a possível poluição do ar, da terra e da água. A queima descontrolada dos resíduos também causa maus cheiros e problemas respiratórios na vizinhança.
Foto: DW/Marta Barroso
Cidades cheias
Desde a independência, a urbanização em Moçambique tem sido rápida e desordenada. Em meados dos anos 1970, nem 10% da população residia em zonas urbanas. A guerra civil empurrou comunidades inteiras para os centros urbanos. Hoje, o número de citadinos é quatro vezes mais alto e em 2025, calcula-se, mais de metade dos moçambicanos viverá em zonas urbanas. Aumentam os problemas com o lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Crescimento desordenado
Em Maputo, o custo de vida aumentou de tal forma que muitos se viram empurrados para a periferia e a cidade foi-se espalhando de forma desordenada. Tal como noutras zonas urbanas, o crescimento da capital não foi acompanhado por serviços públicos. Uma das áreas com graves deficiências é o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Foto: DW/Marta Barroso
Invisíveis perante a lei
Mais de metade da população ativa de Moçambique trabalha no sector informal. Também em Hulene, a lixeira é, para muitos residentes do bairro, a única fonte de rendimento. Lá dentro, os catadores são tolerados, mas para lá dos muros, permanecem à margem da sociedade que os vê como gente falhada. Excluídos das políticas e estratégias nacionais, os catadores permanecem invisíveis aos olhos da lei.
Foto: DW/Marta Barroso
Poucos avanços na separação do lixo
A Política Nacional do Ambiente, de 1995, define a gestão do ambiente urbano e a gestão de resíduos domésticos e hospitalares como prioridade de intervenção, visando melhorar o sistema de coleta, tratamento e deposição de lixo. Mas apesar de esta legislação ter sido adotada há quase vinte anos, poucos avanços se fizeram na separação do lixo.
Foto: DW/Marta Barroso
Lugar de tudo
De tudo um pouco se procura, se reforma e se vende em Hulene: restos de comida, alimentos enlatados fora do prazo, retirados dos supermercados da cidade, objetos de ferro, alumínio, latão e estanho, fio de cobre de eletrodomésticos avariados, garrafas de vidro e plástico, madeira, cartão, papel, pedras, filtros de cigarro, mobília danificada, algodão, borracha, lixo hospitalar e informático.
Foto: DW/Marta Barroso
Sem espaço para reciclagem
Em Moçambique, a reciclagem é feita de forma muito limitada, normalmente no âmbito de projetos ou iniciativas individuais. Um entrave à promoção da reciclagem no país prende-se com a escassez de indústrias que usem material reciclado e, consequentemente, a escassez de mercados para a sua compra. Muitos materiais têm de ser exportados, daí que este ainda não seja um negócio sustentável.
Foto: DW/Marta Barroso
Recicla, Fertiliza e Amor
Apesar disso, há alguns projetos de reciclagem no país. Recicla, Fertiliza e Amor são alguns exemplos. O primeiro produz paletes de plástico para venda em fábricas locais de utensílios domésticos, o segundo faz adubo a partir de lixo orgânico e o último compra lixo reciclável em ecopontos na capital, Maputo.
Foto: DW/Marta Barroso
Encerramento adiado
A última previsão de encerramento da lixeira marcava o ano de 2014 como prazo para transformar Hulene em espaço verde. Agora diz-se que a lixeira só será encerrada depois de construído um aterro sanitário que deverá ser partilhado tanto pela cidade de Maputo como pela vizinha Matola e custará aos dois municípios, ao Governo e a doadores mais de 20 milhões de dólares.
Foto: DW/Marta Barroso
E o lixo aqui continuará
Até a lixeira de Hulene ser encerrada, o lixo continuará a acumular-se aos montes. Montes que, segundo o Conselho Municipal de Maputo, chegaram já a atingir os 15 metros de altura. Mesmo depois de fechada, a decomposição dos resíduos aqui depositados ao longo de tantas décadas irá levar muitos anos.