FDLR é o próximo alvo, diz comandante das tropas de paz da ONU no Congo democrático
3 de junho de 2014Combater as ADF(Forças Democráticas Aliadas) é a prioridade atual da MONUSCO, afirmou o comandante da maior missão de paz da ONU, o general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, em entrevista exclusiva à DW África. A decisão foi do Governo da RDC, segundo o comandante, que aponta as FDLR (Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda) como o próximo alvo.
“Nesse momento a ADF pode se considerar em fase final, se é que existe final nessa história. A FDLR estaria em uma fase inicial”, disse. Após a derrota, no final do ano passado, de um dos principais grupos armados a atuar no país, o M23, a MONUSCO havia anunciado que iria centrar o combate nas FDLR.
O comandante destacou a boa relação com o exército da RDC, mas condenou o processo de integração, em 2009, de grupos armados na força nacional, conhecida por um histórico de atrocidades contra a população. “Não tem um exército nacional, há uma força deformada com um monte de criminosos dentro. Estamos pagando o preço dessa integração que não deu certo”.
DW África: Após a derrota do M23, qual grupo armado é a principal preocupação?
Santos Cruz: Depois do M23, o governo Congolês decidiu enfrentar a ADF, que no início tinha uma agenda política contra Uganda. Hoje tem 60% de ugandeses e 40% congoleses. Essa é uma luta muito dura, mas o exercito está conseguindo a vitória contra esse grupo radical, fundamentalista, com indicações de envolvimento com grupos terroristas fora do país.
DW África: E a FDLR?
S.C.: Hoje a FDLR, se não é militarmente muito forte, tem uma expressão política grande e complexa. É uma mistura de comportamento, como grupo armado e também um problema político regional, que implica diretamente o país vizinho.
DW África: Por que foi escolhido focar no enfrentamento da ADF e não das FDLR?
S.C.: A sequência das ações tem que ser ditada pelo governo do Congo, que decidiu pela ADF após o M23. Isso pode ter várias razões. Uma delas é o fundamentalismo religioso e a violência da ADF, que seqüestrou entre 600 e 800 pessoas nos últimos dois anos, sem que se tenha nenhuma notícia dos seqüestrados. Talvez por representar uma ameaça mais direta à população nesse momento. Por tudo isso e por razões políticas também. Essa foi a decisão do governo do Congo, que tem que ser respeitada e apoiada.
DW África: Qual é o andamento do combate à ADF?
S.C.: Nesse momento a ADF pode se considerar em fase final, se é que existe final nessa história. A FDLR estaria em uma fase inicial. Mas é muito difícil, nessas condições, ter duas frentes ao mesmo tempo, ainda mais contra a FDLR, que é um problema político de grande envergadura na região.
DW África: Depois de um ano na MONUSCO, como o senhor avalia as conquistas da missão nesse período?
S.C.: A principal conquista, desde junho do ano passado, foi exatamente a derrota do M23. Porque era um movimento rebelde, com uma história de crime muito grande, que estava colado na cidade. Todo o tempo havia aquele peso da invasão e de ataque aos campos de refugiados. Então a derrota do M23 significou o alívio da população de Goma, de mais de um milhão de habitantes. Na volta da cidade, na região de Kiwanja, Rutshuru e Bunagana, quase cem mil pessoas puderam voltar às suas residências e atividades agrícolas. E foi um orgulho para o exército do Congo, porque eles são os principais atores, a ONU é um suporte.
DW África: E quais seriam os desafios políticos da MONUSCO?
S.C.: Existe uma lista, mas eu diria que o grande desafio é mover todos os atores com a mesma intenção. Inclusive os internacionais. Precisaria haver um interesse político comum de realmente abafar o conflito e eliminar os grupos armados. Também teria que haver um trabalho muito sério de combate ao tráfico de armas no Congo. Porque tem muita gente importante envolvida, do contrário não haveria aquele volume de armamento e munição lá. Tem que fazer um controle muito forte da exploração mineral e do comércio ilegal. Além de aumentar a presença do Estado e o combate à corrupção.
DW África: O senhor disse que é difícil mover os atores internacionais com a mesma intenção. A quais atores se referia?
S.C.: Aos países que estão envolvidos em doações de recursos e contribuição de tropas, além das nações vizinhas, dos organismos internacionais e regionais, que participam, se colocam no caminho e têm seus interesses. Há objetivos econômicos e estratégicos, disputas étnicas, e a consequência disso é mais sofrimento para a população.
DW África: Como as ONGs participam nesse processo?
S.C.: O problema das ONGs é que elas levam a um algum benefício, a um preço que ninguém sabe qual é. Algumas são excelentes e outras são pouco transparentes e não se conhece o resultado. Muitas estão completamente desconectadas do planejamento governamental, fazendo coisas por conta própria. Isso é um problema internacional.
DW África: As forças armadas do Congo têm um histórico de violações de direitos humanos. Como é a relação com esse exército?
S.C.: O relacionamento operacional é muito bom. Eles são corajosos. A logística e o material não são muito bons, ainda há muito para evoluir. E tem esse problema de violação dos direitos humanos, que acontece mais em algumas unidades e menos em outras. Porque em 2009, pegaram todos os grupos armados e colocaram dentro do exército, em nome de uma conciliação nacional. Só que isso é conciliação nacional só em livro acadêmico. Na prática, você joga um monte de criminosos dentro das forças armadas. Não tem um exército nacional, há uma força deformada com um monte de criminosos dentro. Estamos pagando o preço dessa integração que não deu certo. Por isso, quando nós operamos juntos, há uma política de só trabalhar com tropas que não têm histórico de violações de direitos humanos.
DW África: No início do ano houve um massacre em Masisi, perto de Goma, com 70 mortos. Um dos papeis da MONUSCO é proteger a população, o senhor acha que a missão conseguiu diminuir essas violações?
S.C.: O Congo é um dos maiores países do mundo. Há problemas espalhados em uma distância de quase dois mil quilômetros. É impossível proteger todos os civis, o tempo todo, em todos os locais. Não são só esses massacres, há muitos outros, que nem são noticiados. Eles acontecem em lugares muito remotos.
DW África: O senhor acha que faltam capacetes azuis? O que poderia ser feito para melhorar a proteção de civis?
S.C.: É fundamental desenvolver um sistema de coleta de informações. Não adianta você ter uma quantidade imensa de tropas se você não tem informações para interferir. Isso ainda temos muito para avançar.
DW África: Em 2013, a ONU enviou uma brigada de intervenção ao país, a primeira do Organismo com autorização para realizar operações ofensivas. Um ano depois, o senhor acha que a brigada de intervenção contribuiu para aumentar a segurança da população?
S.C.: Na área que ela consegue atuar, sem dúvida. Mas são apenas três mil, os outros 17 mil não fazem parte dela. Não dá para colocar toda a responsabilidade na brigada.
DW África: A província de Katanga, que tem um histórico de lutas de independência e grupos armados, é uma preocupação para a missão?
S.C.: Nós temos 450 homens em Katanga, uma região do tamanho da Espanha. Mas as Forcas Armadas do Congo tem 11 mil homens presentes lá. Então a responsabilidade é muito mais governamental do que da MONUSCO. É uma preocupação sim, mas há tantos problemas, em uma área tão extensa, que é preciso ter prioridades.
DW África: Quando o senhor assumiu a missão, em 2013, a MONUSCO vivia um momento difícil, após a tomada da cidade de Goma pelo M23, em 2012. O senhor acredita que a missão conseguiu recuperar a credibilidade com a derrota do grupo armado?
S.C.: Quando a população reclama e considera uma missão ineficiente, está correta. O povo faz um julgamento muito justo. Eu não estava lá, não vou julgar para trás. Mas você tem que fornecer resultados positivos da sua missão e eu não tenho dúvida de que o nosso trabalho conjunto com as Forças Armadas do Congo trouxe uma avaliação melhor.
DW África: Por que o senhor acha que foi escolhido como comandante da MONUSCO?
S.C.: Em primeiro lugar a experiência no Haiti. Porque o uso da força em ambiente internacional é muito complicado, então é bom ter um pouco de experiência. Além disso, eu faço parte de um país e um exército que têm prestígio, com uma diplomacia que sabe projetar o país. Na verdade você é o resultado de tudo isso.