É o maior festival de cinema africano. Este ano, são esperados mais de 100 mil visitantes para a 25ª edição do FESPACO, em Ouagadougou. Um dos filmes favoritos chama-se "Frontières" e foi realizado por uma mulher.
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Este ano, os cartazes do festival de cinema FESPACO (Festival Panafricain du Cinéma et de la Télévision de Ouagadougou) estão repletos de imagens de mulheres. Umas vezes a sorrir, outras vezes a reagir com horror a situações de violações ou abusos.
O filme "Frontières" ("Fronteiras"), da realizadora burkinabé Apolline Traoré, conta a história de quatro mulheres que se conhecem num autocarro, que parte do Senegal com destino à Nigéria. O caminho é perigoso e, à medida que a viagem progride, as mulheres, oriundas de quatro países diferentes da África Ocidental, ficam a conhecer-se cada vez melhor.
Uma delas é Emma, da Costa do Marfim, que faz contrabando de tecidos para pagar os estudos aos filhos. Ela interpretada pela atriz Naky Sy Savané. "Sinto-me honrada por um filme sobre mulheres abrir pela primeira vez o FESPACO", diz. "É um reconhecimento para todas as mulheres africanas, que normalmente são condenadas a ficar à margem da sociedade."
Convite à reflexão
"Frontières", tido como um dos favoritos ao prémio Étalon de Yennenga, não é o único filme em competição no festival do Burkina Faso em que as protagonistas são mulheres determinadas.
Este ano, há mais mulheres do que nunca nos filmes do maior festival de cinema africano. "Aisha", de Chande Omar, e "Felicite", de Alain Gomis, são algumas das obras em exibição nos nove cinemas que acolhem o FESPACO – filmes que convidam os espetadores a refletir sobre temas como as violações em massa ou as vidas difíceis de mães solteiras que vivem na pobreza.
A jovem realizadora senegalesa Fatou Touré Ndiaye resolveu abordar outro tema: a poligamia. "Acontece frequentemente na nossa sociedade, não é invulgar", explica. As pessoas não debatem o assunto e Ndiaye também não acredita que a sua curta-metragem "La Promesse" ("A Promessa") mude isso. Mas, pelo menos, é importante mostrar como as mulheres contemporâneas lidam com a poligamia, afirma a realizadora: "A minha experiência pessoal possibilitou-me gravar este filme."
Este ano, a segurança no festival foi reforçada. Na segunda-feira, houve dois ataques a esquadras da polícia perto da cidade de Djibou, no norte do Burkina Faso. Não se sabia ainda com clareza se houve mortos ou feridos. Os ataques têm-se tornado frequentes nos últimos meses, sobretudo nas regiões fronteiriças do norte. Mas os cineastas não abordam a questão do terrorismo nos filmes em exibição.
Outro tema praticamente ausente é a migração de África para a Europa, um assunto que preocupa muita gente no continente europeu. Mais relevantes para os realizadores parecem ser os fluxos migratórios na região da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Esse é, por exemplo, o foco do filme "Frontières", de Apolline Traoré.
Cobranças ilegais
A atriz Naky Sy Savané viveu na pele as dificuldades de viajar na região, durante a rodagem do filme. Em todas as fronteiras, pediam dinheiro à equipa – algo que é ilegal, de acordo com as normas da CEDEAO. "Há legislação, mas não é implementada", refere Savané.
A atriz sublinha, também por isso, a importância da perspetiva feminina. São as mulheres que fazem a maior parte das viagens, como vendedoras. "São pilares da integração [na África Ocidental] e derrubam fronteiras com a sua coragem."
Luta pela sobrevivência
A coragem e a luta pela sobrevivência são também temas cruciais na curta-metragem "Gerreta", de Mantegaftot Sileshi.
O filme, que recebeu em 2015 o prémio de melhor curta-metragem internacional no River Film Festival em Pádua, Itália, centra-se na história de um homem que corre pela vida, perseguido por uma multidão – tudo, para alimentar a filha.
"Se olharmos mais atentamente, vemos que o filme não é só sobre roubar para tentar alimentar a filha", explica Sileshi. A história é uma metáfora. Em amárico, "gerreta" significa "multidão", mas também "confusão" – a curta-metragem espelha o quotidiano de muitas pessoas que vivem nas zonas pobres de Addis Abeba, na Etiópia, afirma o realizador, que também é jornalista da DW África.
O festival de cinema FESPACO termina no sábado (04.03).
Cinemas únicos em Angola
São obras únicas vistas pela lente do fotógrafo angolano Walter Fernandes - cinemas e cine-esplanadas desconhecidos de muitos. As fotos foram reunidas em livro e estão em exposição em Lisboa, a partir desta semana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
"Uma ficção da liberdade"
O Cine Estúdio do Namibe inspira-se nas obras do arquiteto Oscar Niemeyer. É um dos edifícios únicos de Angola destacados no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" e fotografados por Walter Fernandes. Esta é uma das imagens em exposição no Goethe-Institut de Lisboa que revelam uma arquitetura desconhecida por muitos de cinemas construídos antes do fim do domínio colonial português.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Património mal preservado
O Cine Tômbwa, também no Namibe, obedece a uma lógica de salas fechadas, mas já apresentava algumas linhas mais modernas. Segundo o fotógrafo Walter Fernandes, o edifício foi construído com materiais "sui generis". Mas o património herdado está muito mal preservado, lamenta o angolano.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Moçâmedes: A pérola do Namibe
No Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes) nota-se bastante a influência da arquitetura do regime ditatorial português, o Estado Novo. Este é considerado um dos cinemas angolanos mais antigos e também aparece no livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", apadrinhado pelo Goethe-Institut em Luanda e pela editora alemã Steidl.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Conceito futurista
O arquiteto Botelho Pereira não só desenhou o Cine Estúdio do Namibe, como também o Cine Impala. Botelho Pereira inspirou-se no movimento deste antílope e planeou espaços abertos e arejados, de forma futurista. O livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade" também destaca estas cine-esplanadas, que ganharam popularidade a partir de 1960 por se adaptarem mais ao clima tropical do país.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Cinema-esplanada para as elites
Este é um dos cinemas preferidos de Miguel Hurst, um dos editores do livro "Angola Cinemas". Foi aqui, no Cine Kalunga, em Benguela, que se pensou em fazer a obra. Cine-esplanadas como esta adequavam-se mais ao clima, mas serviam também um propósito do regime português - criar locais de convívio entre as populações locais e os colonos. A elite branca e a pequena burguesia negra vinham aqui.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
A "grande sala"
A "grande sala" de Benguela era o Monumental - pelo menos, ganhou essa reputação. Os colonizadores portugueses construíram o Cine-Teatro nesta cidade costeira pois evitavam o interior do país - normalmente, as companhias portuguesas só atuavam nas grandes cidades da costa angolana.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Imperium: "Art decó" em Benguela
Aqui, são imediatamente visíveis traços da passagem da "art decó" (um estilo artístico de caráter decorativo que se popularizou na Europa nos anos 20) para o modernismo. O interior do Cine Imperium, fotografado por Walter Fernandes, representa bem essa mistura estética, com os cubos, retas, círculos e janelas. Benguela tinha várias salas, porque era das províncias mais populosas de Angola.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
O arquiteto que pensava as cidades
Este é o interior do Cine Flamingo: mais uma pérola da província de Benguela. A parte de trás é uma esplanada. Sentado, o espetador está em contacto com a natureza, mas não está exposto. Até hoje, a estrutura mantém-se, mas o espaço está um pouco vandalizado. Miguel Hurst sublinha a importância de manter obras como esta do arquiteto Francisco Castro Rodrigues, um homem que pensava cidades.
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Primeiro cine-teatro de Angola
"O Nacional" Cine-Teatro foi a primeira sala construída em Luanda, no início do Estado Novo, nos anos 40. Esta é uma das imagens patentes na exposição no Goethe-Institut em Lisboa. A mostra pretende ser "um testemunho do modo como estes edifícios constituíam um enquadramento elegante que sublinhava uma simples ida ao cinema, promovendo assim a reflexão sobre esta herança sociocultural e afetiva."
Foto: Walter Fernandes/Goethe-Institut Angola
Memória para gerações futuras
Os irmãos Castilho são os principais responsáveis pela introdução das cine-esplanadas em Angola. A primeira da sua autoria foi o Miramar, encostado a uma ribanceira virada para o mar em Luanda. Depois surgiu o Atlântico, na foto. Para os autores do livro "Angola Cinemas - Uma Ficção da Liberdade", este é um documento de memória que pode ser útil para as futuras gerações.