Dívidas ocultas: Filho de Guebuza terá recebido 50 milhões
Lusa
25 de outubro de 2019
Ex-banqueiro Andrew Pearse disse quinta-feira, num tribunal de Nova Iorque, que o filho do ex-Presidente moçambicano Armando Guebuza recebeu 50 milhões de dólares no esquema de fraude conhecido como dívidas ocultas.
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Andrew Pearse, que é arguido na investigação dos Estados Unidos sobre as dívidas ocultas de Moçambique, afirmou, na sua última intervenção como testemunha, que Ndambi Guebuza, filho de Armando Guebuza, recebeu um total de 50 milhões de dólares (cerca de 45 milhões de euros).
Ndambi Guebuza foi detido em Moçambique em 16 de fevereiro. Não enfrenta acusação em tribunal nos Estados Unidos da América, mas é considerado conspirador do esquema pela Justiça norte-americana.
O caso refere-se a um esquema de corrupção em que três empresas detidas pelo Estado de Moçambique - Ematum, Proindicus e MAM - assumiram créditos e empréstimos no valor de mais de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) sem revelar ao Governo, investidores internacionais ou entidades financeiras como o Fundo Monetário Internacional.
O principal arguido do processo nos EUA é Jean Boustani, vendedor de embarcações da empresa Privinvest. O diretor financeiro da Privinvest, Najib Allam, também é arguido.
Ndambi Guebuza na Privinvest
Andrew Pearse recordou em vários momentos que o filho do Presidente foi enviado para a Alemanha para trabalhar na empresa Privinvest, que estaria a fornecer navios e materiais às empresas Ematum, MAM e Proindicus.
Ndambi Guebuza esteve na Privinvest, na Alemanha, para ganhar experiência sobre embarcações, depois de o Presidente moçambicano demonstrar vontade de construir um estaleiro em Moçambique, mas a opinião de Jean Boustani era de que Ndambi tinha pouca produtividade e mostrava "preguiça".
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
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Na semana passada ficou a saber-se, também através de Pearse, que Ndambi Guebuza pediu 11 milhões de dólares para uma casa em França.
O antigo banqueiro do Credit Suisse Andrew Pearse foi responsável pela aprovação de empréstimos da banca à empresa Ematum e o aumento ("upsize") do valor do empréstimo, que foram alegadamente negociadas com Jean Boustani e que renderam ao ex-banqueiro pagamentos de 45 milhões dólares da Privinvest.
Andrew Pearse, cidadão neozelandês, declarou-se culpado do crime de fraude monetária eletrónica e colabora com a Justiça, tendo reunido 30 vezes com os procuradores antes do início do julgamento.
Acusações podem dar 60 anos de cadeia
Se o júri decidir que Pearse não respondeu com toda a verdade, será considerado culpado de quatro acusações que lhe podem dar 60 anos de cadeia.
O esquema de corrupção terá sido criado com autoridades moçambicanas, como o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, que se encontra detido na África do Sul e enfrenta pedidos de extradição para Moçambique e para os Estados Unidos.
Manuel Chang terá autorizado os empréstimos ilegais às empresas sem anunciar ao Governo ou ao Presidente da República, à data Armando Guebuza (de 2005 a 2015).
Os EUA acusam ainda Teófilo Nhangumele, que atuava em nome do Gabinete do Presidente da República, e António do Rosário, que dirigia as empresas de pescas (Ematum), segurança e manutenção marítima (Proindicus e MAM) e trabalhava para o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) de Moçambique.
Andrew Pearse foi detido no Reino Unido em janeiro deste ano e negociou a colaboração com a Justiça norte-americana, que lhe deu liberdade sob caução. O neozelandês foi o segundo arguido a dar-se como culpado, depois de Detelina Subeva e antes de Surjan Singh, da mesma instituição bancária e financeira.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)