Quem contava com pedido de demissão de Beatriz Buchili, frustrou-se. Não faz parte da cultura das lideranças moçambicanas. Meados de 2019 é a chance de se credibilizar a PGR e a responsabilidade é do Presidente Nyusi.
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Há anos que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique perdeu a confiança de muitos moçambicanos devido à sua inoperância diante de crimes envolvendo principalmente as elites políticas. A sua credibilidade já bateu no chão e daí não passa.
E o caso Manuel Chang foi a gota de água. Este órgão, liderado por Beatriz Buchili, para além de ter reagido tardiamente, pelo menos publicamente, à detenção do ex-ministro das Finanças mandatada pela justiça dos EUA deu igualmente tarde o ponto de situação sobre o caso das dívidas ocultas, processo relacionado e envolvendo a mesma pessoa.
Depois disso o jurista Vicente Manjate aguardava por uma atitude mais firme de Beatriz Buchili: "Eu esperava que amanhã ou na segunda-feira ela pedisse demissão, que renunciasse ao cargo. Não esperava até junho."
Muito provavelmente frustrou-se Vicente Manjate e muitos outros moçambicanos, pois Buchili nem deu sinais disso. E é preciso lembrar que em Moçambique não há a cultura de assumir erros e muito menos de pedir demissão em casos de erros, incompetência, incapacidade, crimes ou algo que se assemelhe.
Moçambique aguarda por uma nova PGR imparcial e atuante
Beatriz Buchili: Mandato desastroso?
Mas o caso Manuel Chang pode ser o pontapé de saída para a reviravolta, entende Manjate: "Acho que devíamos construir essa cultura começando deste caso [Manuel Chang]. Espero que daqui para frente a PGR se aperceba que a sociedade está a mais atenta a este processo e aos outros."
A lista dos casos sem desfecho ou que seguem a passo de tartaruga é infindável, defraudando as expetativas dos moçambicanos sendentos de justiça. Exemplos disso são os raptos de empresários, os casos Odebrecht e Embrarer, em que apesar dos dados disponibilizados pela justiça de outros países não desencadearam ações a altura, a ausência de ação criminal contra gestores que levaram bancos da praça a falência.
Convidado a avaliar a PGR durante o mandato de Beatriz Buchili o jurista Rodrigo Rocha comentou "primeiro o facto de nunca ter concluído ações que visassem efetivamente atacar pessoas junto do poder político. Houve efetivamente ministros que foram levados à barra da justiça, inclusivamente foram condenados. E houve casos de corrupção bastante fortes que de algum a foram tiveram um desfecho mais ou menos esperado pela sociedade civil."
E o jurista recorda que "também houve processos que não tiveram um desfecho tão satisfatório."
Futuro procurador deve ser livre de amarras política
Beatriz Buchili foi nomeada pelo ex-Presidente de Moçambique, Armando Guebuza, e por isso considerada como "obediente" aos seus interesses. E o caso Manuel Chang, por exemplo, envolve figuras do mandato de Guebuza.
Mas o mandato de Buchili termina em meados de 2019 e a esperança é de que o Presidente Filipe Nyusi nomeie alguém sem amarras políticas e a altura da posição. Julho será a oportunidade para a revitalizar a PGR.
E o facto de ser um ano de eleições gerais várias correntes acreditam que Nyusi ver-se-á obrigado a satisfazer tais expetativas, sob risco de ser penalizado nas urnas.
"Deverá se encontrar alguém que não tenha qualquer conotação política e que não tenha tido uma má qualificação ou avaliação na própria PGR, mas também não via com maus olhos se fosse indicado para este cargo pessoas que já tenham sido procuradores, juízes e que estejam neste momento numa situação de jubilares", considera Rodrigo Rocha.
E concluindo afirma que "o que é preciso é que haja uma credibilização fundamental deste órgão da justiça moçambicana, uma pessoa com experiência e credibilidade dentro do panorama jurídico moçambicano."
Filipe Nyusi chamado à responsabilidade
Em Moçambique, a Constituição confere demasiados poderes ao Presidente da República, o que é igualmente contestado por alguns setores. É que entende-se que nalguns casos isso não garante independência e imparcialidade de atuação de alguns órgãos.
Enquanto isso permanece apenas no nível do debate, Vicente Manjate sublinha: "Quem tem a competência de nomear a procuradora também se aperceba que se não for a partir de um processo interno virá alguém fazer isso por nós. E não me parece que seja essa a vontade do Presidente da República."
E o jurista Vicente Manjate chama o Presidente da República à responsabilidade pelo menos no que se refere ao futuro da PGR: "E é necessário que se olhe para este momento como ponto de viragem da credibilidade do sistema de justiça e percepção que os cidadãos têm sobre o papel do Chefe de Estado na credibilização da justiça."
Maxixe: Obras sem qualidade são adjudicadas por milhões
Em Maxixe, Moçambique, somam-se os casos de obras públicas sobrefaturadas. A DW África juntou exemplos de obras cujo processo de adjudicação não foi transparente e nas quais os orçamentos foram inflacionados.
Foto: DW/L. da Conceição
Favorecimento na seleção das empresas
Em Maxixe, parte das obras de construção civil têm sido adjudicadas à empresa SGI Construções Lda. que não se encontra registada no Boletim da República e que apenas tem escritórios em Maputo. A empresa, com laços fortes com o Presidente do município, Simão Rafael, faturou, nos últimos dois anos, mais de 30 milhões de meticais (cerca de 427 mil euros) em obras que até hoje ainda não terminaram.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de transparência
Como se vê na imagem, para além de não se saber a data do início desta obra, não se conhece o fiscal nem a distância exata para a colocação de pavés. Sabe-se apenas que tem um prazo de execução de 90 dias.
Foto: DW/L. da Conceição
Figuras ligadas à FRELIMO criam empresa
Esta obra, orçada em mais de sete milhões de meticais, foi adjudicada à MACROLHO Lda, uma empresa com sede em Inhambane e que tem, segundo a imprensa local, participações de sócios ligados ao partido FRELIMO, como o ex-governador de Inhambane, Agostinho Trinta. Faturou, nos últimos dois anos, mais de 40 milhões de meticais em obras que, até agora, ainda não foram entregues. O prazo já expirou.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras faturadas e abandonadas
Esta via é a entrada do bairro Eduardo Mondlane. Desde 2016, o munícipio já gastou na reparação desta estrada - com cerca de 200 metros -, mais de quatro milhões de meticais. Até à data, apenas foram executados 150 metros. Ao que a DW África apurou, o empreiteiro apenas trabalha nos dias de fiscalização dos membros da assembleia municipal. O dinheiro faturado dava para pavimentar mais de 1 km.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sobrefaturadas
Este é o estado atual de várias obras na cidade de Maxixe. Na imagem, a via do prolongamento da padaria Chambone, foi faturada em mais de cinco milhões de meticais (cerca de 71 mil euros) no ano de 2016. No entanto, esta mesma obra voltou a ser faturada este ano, não tendo o valor sido tornado público.
Foto: DW/L. da Conceição
Obras sem qualidade
Desde o ano de 2015, o conselho municipal da cidade de Maxixe já gastou mais de 10 milhões de meticais (cerca de 142 mil euros) com as obras de reparação de buracos nas avenidas e ruas do centro da cidade. No entanto, o trabalho não tem qualidade e os buracos continuam a danificar carros ligeiros. O empreiteiro desta obra é também a SGI Construções Lda.
Foto: DW/L. da Conceição
MDM denuncia corrupção
A bancada do MDM na assembleia municipal de Maxixe denunciou que as viaturas adquiridas pela edilidade não estão a ser compradas em agências, mas no mercado negro em África do Sul. Diz a oposição que as últimas duas viaturas adquiridas custaram mais de sete milhões de meticais. Um preço quatro vezes superior, quando comparado ao valor das duas viaturas no mercado em Moçambique.
Foto: DW/L. da Conceição
“Não interessa qualidade, queremos faturar”
Jacinto Chaúque, ex-vereador do município de Maxixe, está a ser investigado pelo Gabinete de Combate à Corrupção de Moçambique. Da investigação consta, entre outros, uma gravação telefónica entre Chaúque e o empreiteiro desta obra, na avenida Ngungunhane, e em que o ex-vereador afirma que “não interessa a qualidade. Queremos faturar nestas obras”. Chaúque está a aguardar julgamento.
Foto: DW/L. da Conceição
Preços altos nas construções de edifícios
Em 2015, o conselho municipal de Maxixe construiu um posto policial no bairro de Mabil. Esta infraestrutura - com apenas dois quartos, uma sala comum e uma cela com capacidade para cinco pessoas – custou mais de 1,3 milhões de meticais, não contando com a aquisição de material como mesas ou cadeiras. Ao que a DW África apurou junto do mercado, esta obra não custaria mais de 300 mil meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Um milhão de meticais por cada sede do bairro
As sedes dos bairros são outro exemplo. Todas as sedes dos bairros construídas pelo conselho municipal contam com a mesma planta. Cada uma custou cerca de um milhão de meticais (cerca de 14 mil euros). O preço real de mercado para uma casa tipo dois, sem mobília de escritório, é de cerca de 300 meticais.
Foto: DW/L. da Conceição
Empreiteiro exige dinheiro de volta
O empreiteiro Ricardo António José reclamou, em 2015, a devolução do dinheiro que foi exigido pelo ex-chefe da Unidade Gestora Executora e Aquisições, Rodolfo Tambanjane. O montante pago por Ricardo José era referente ao valor da comissão de Tambanjane por ter selecionado esta empresa e não outra. Rodolfo Tambanjane foi preso, tendo saído depois de pagar caução. O caso continua em tribunal.