As críticas ao Presidente de Moçambique são de Baltazar Fael, jurista do Centro de Integridade Pública. Em entrevista à DW África, o investigador sugere ainda que a PGR seja ocupada por alguém que não se deixe manietar.
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O presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder), Filipe Nyusi, comprometeu-se a colocar o combate à corrupção no topo das prioridades governativas caso seja eleito para um novo mandato à frente da Presidência da República. O chefe de Estado fez a promessa na abertura da sessão extraordinária do Comité Central do partido, no sábado (20.07.), na cidade da Matola, província de Maputo.
Filipe Nyusi recandidata-se a um novo mandato de cinco anos, mas no palmarés da sua governação está uma das piores crises económicas da história recente moçambicana, marcada pelo escândalo das dívidas ocultas que mergulhou o país num período de descrédito internacional.
A DW África falou com Baltazar Fael, jurista e investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), sobre as promessas eleitorais do Presidente moçambicano e o futuro da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Filipe Nyusi está em "pré-campanha" com um discurso para "entreter massas"
DW África: Que mensagem pretende Filipe Nyusi transmitir com esta promessa de combate à corrupção?
Baltazar Fael (BF): Filipe Nyusi já está em pré-campanha, não só através destas mensagens que pretende passar, mas também por outros atos que tem praticado, como inaugurações de várias infraestruturas. Esta questão do combate à corrupção não é nova naquilo que é o manifesto do partido FRELIMO, que depois leva às eleições como programa de governação. É uma coisa antiga. O que eu penso é que Filipe Nyusi deve dizer em concreto o que é que vai fazer.
DW África: Está a dizer que é preciso passar das palavras aos atos?
BF: Exatamente. Há muito discurso, mas é um discurso que é só mesmo para entreter as massas. Combater a corrupção não é só prender pessoas. Isso é aquilo que se diz na gíria 'a ponta do icebergue'. São precisas medidas concretas de educação da população, de educação dos servidores públicos. Ele já deveria vir com uma agenda em que dissesse claramente que vai 'fazer isto, isto e isto', em termos de medidas.
DW África: Mas acha que Filipe Nyusi será capaz de afastar grandes nomes da FRELIMO nessa luta contra a corrupção?
BF: Eu penso que é tudo uma questão de vontade política. Quem é o Presidente da República? Ele sempre enfatizou que é ele o chefe de Estado. No fundo é ele quem está no poder e quem tem as rédeas do país.
DW África: A imagem de Filipe Nyusi permanece afetada pelo escândalo das dívidas ocultas?
BF: Disso não há duvidas nenhumas. Ainda paira um clima de suspeição sobre se o Presidente da República está ou não envolvido em atos de corrupção. Vou chamar à correlação o próprio poder judicial, que quando for tomar decisões tem de dizer claramente não só quem são os culpados, mas também aqueles que de alguma forma possam ter participado [nesses atos corruptos]. E não estou a dizer que o Presidente Nyusi participou, porque não tenho elementos concretos. Estou a dizer que, de alguma forma, existe essa nuvem na cabeça de algumas pessoas de que ele, quando foi ministro da Defesa, pode ter-se envolvido nesta questão das dívidas ocultas.
DW África: Considera que a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, teria um papel essencial nesse campo?
BF: Não sei se Beatriz Buchili vai continuar como Procuradora-Geral da República. O mandato dela cessou ontem [21.07] e ela tanto pode ser reconduzida, como o Presidente da República pode optar por outra figura.
DW África: Como avalia a atuação da PGR?
BF: Teve momentos bons e altos e teve outros momentos de descrédito. Quando iniciou o mandato de Beatriz Buchili, a Procuradoria estava num total descrédito e conseguiu recuperar um pouco [a sua imagem] quando acusou algumas figuras neste processo das dívidas ocultas.
Antes de reconduzir Beatriz Buchili ou uma outra figura, Nyusi vai fazer as consultas necessárias na sociedade pública. Agora isso vai passar um pouco por colocar alguém na PGR que não olhe para quem o colocou no cargo, mas simplesmente olhe para a Lei e procure agir seja contra quem for - seja o chefe de Estado ou um ministro. E nós sabemos que, de alguma forma, o poder político tenta sempre controlar esses órgãos e colocar lá pessoas que de alguma forma pode manietar.
DW África: Isso pode ter acontecido?
BF: Estamos a jogar muito no campo das possibilidades. Depende muito da integridade do próprio Presidente Filipe Nyusi nesse processo.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)