Chega esta quinta-feira (08.08) às salas de cinema portuguesas a longa-metragem "Resgate", de Mickey Fonseca e António Forjaz. Produção independente gravada entre 2017 e 2018 aborda raptos de empresários em Moçambique.
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Nos últimos dez anos, os raptos em Moçambique tornaram-se frequentes e têm sido uma dor de cabeça para as autoridades judiciais. O tema aparece agora retratado em cinema, por empenho de Mickey Fonseca, realizador, roteirista e produtor do "Resgate".
Filme "Resgate" retrata raptos de empresários em Moçambique
"Eu e o Pipas Forjaz, o co-produtor do filme "Resgate", estávamos a conversar sobre os raptos. A mãe de um amigo nosso tinha sido raptada, como já tinham sido raptados vários cidadãos moçambicanos de ascendência asiática e já tinha sido raptado um número elevado de cidadãos portugueses. E a maior parte desses cidadãos todos que foram raptados era homens de negócios", conta o realizador à DW.
Os valores de resgate que os raptores pediam eram super elevados, ultrapassando por vezes os três milhões de dólares. Este facto criou pânico e um clima de insegurança no país. Por isso, uma boa parte dos empresários deixou Moçambique e voltou aos países de origem, acabando por afetar a já crítica economia moçambicana.
"Os raptos foram acontecendo. Algumas pessoas insignificantes foram presas. Mas, no fundo, não se sabia a história por detrás dos raptos. Nunca se soube quem eram os mandantes; havia várias versões nas ruas, nos jornais e nos telejornais e com estas versões todas nós decidimos criar a nossa versão. Uma versão que incluía um pouco mais outros problemas da nossa sociedade tais como o desemprego, as dívidas bancárias, a falta de comunicação nas relações", afirma Mickey Fonseca.
Longa-metragem estreia nos cinemas
Daí nasceu a história de Bruno, um jovem que depois de quatro anos na prisão deixa o mundo do crime e opta por seguir uma vida honesta com a sua família. Até que um dia é surpreendido com uma dívida bancária de 30 mil dólares deixada pela mãe. Para não perder a casa teve de tomar uma decisão, acabando assim por voltar ao crime como forma de honrar a dívida deixada pela mãe. Nuno decide, então, entrar na onda dos raptos para não perder a casa.
Salomé Sebastião, esposa do empresário português raptado há mais de três anos na Beira, província moçambicana de Sofala, tem feito tudo ao seu alcance para encontrar o marido. As autoridades moçambicanas decidiram reabrir o processo de investigação, depois de ter sido arquivado em outubro de 2018 sem nenhum avanço.
"Eu fui a Moçambique e pedi à senhora procuradora-geral da República de Moçambique, Beatriz Buchili, que tivesse em consideração que o processo foi arquivado mas não foram utilizados todos os recursos possíveis na investigação para chegar ao paradeiro do meu marido, nomeadamente a oferta portuguesa", explica Salomé Sebastião.
A oferta de cooperação por parte da justiça portuguesa na investigação deste caso – que, segundo a esposa, "poderia trazer um avanço significativo" – tinha sido recusada pelas autoridades moçambicanas. Salomé Sebastião aplaude a "excelente ideia” de colocar a questão dos raptos no cinema.
Resgate pretende consciencializar a sociedade
"Porque, na realidade, às vezes parece-me que ando sozinha numa caminhada em busca pelo meu marido raptado e desaparecido até ao momento. Sei que há outros casos [de raptos de portugueses], mas o que eu entendo é que as pessoas não falam por variadas razões que não me cabe a mim julgar", diz.
A esposa de Américo Sebastião, que acolhe a ideia do filme com agrado, entende que é preciso "trazer luz a esta situação que está a acontecer" em Moçambique. Trata-se de um problema que, na sua opinião, "tem que ser sanado" para que a presente e as futuras gerações não continuem a ser vítimas de tais crimes.
Mickey Fonseca explica, por sua vez, que a pretensão do filme é sensibilizar os moçambicanos, os portugueses e cidadãos de outras nacionalidades que, por vezes, as desigualdades sociais, a falta de emprego e de inclusão, as dívidas bancárias podem fazer com que as pessoas sejam forçadas ou empurradas a entrar no mundo do crime. "Para nós, Resgate, é uma chamada de atenção, [para alertar] que o crime não compensa", destaca.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.