Filme rodado em Angola concorre a prémios na Berlinale
Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
9 de fevereiro de 2019
Realizador nascido em Angola estreia no Festival Internacional de Cinema de Berlim com obra de ficção que engloba momentos da história angolana, e tem tom autobiográfico.
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"Um rapaz atravessa uma paisagem pós-catástrofe à procura do fantasma da mãe", resume Carlos Conceição a sinopse de seu filme "Serpentário", de 83 minutos de duração.
O realizador nascido em Angola explica que "o fantasma da mãe é o dele próprio, a história de suas raízes. Na verdade, está à procura da ave de estimação da mãe - um papagaio - que eventualmente tem a voz dela". Carlos inspirou-se num pedido feito por sua mãe para criar a narrativa de sua primeira obra de longa-metragem.
"Ela disse-me que queria adotar um papagaio", no filme, representado por uma arara, "e adotou a ave realmente, mas antes disso disse-me que por causa da esperança de vida das aves ser muito alta, queria salvaguardar que eu me responsabilizasse pela ave no dia em que ela morresse", explica o diretor.
História e ficção
Carlos Conceição estreia filme "Serpentário" na Berlinale
12:48
A estória é narrada por uma voz feminina, que representa a mãe da personagem principal, vivida pelo ator português João Arrais. Ele inicia uma viagem solitária, por paisagens às vezes de natureza abundante, mas, em sua maioria, desérticas.
Eventos importantes da história de Angola, que têm correspondentes em diversos países africanos, são citados no filme contextualizando acontecimentos como a colonização ou a Guerra de Libertação.
"Eu queria identificar os fatos históricos desde o século XV - desde a colonização à urbanização das cidades africanas que foram fundadas por portugueses - e depois alguns elementos factuais, mas que, quando o filme chega ao século XX, se transformam", explica.
A partir daí, o realizador deixa a história e faz alusão a uma hipotética catástrofe natural, seguindo pelo caminho da ficção universalizando a sua obra.
"A metáfora do pós-catástrofe seria uma maneira de todas as pessoas se relacionarem com a temática do filme. Porque se eu dissesse que a guerra destruiu um determinado país, tendo algo de verdade, no fundo, não é uma coisa tão absoluta assim," argumenta.
"Serpentário" foi parcialmente filmado em Angola – nomeadamente nas províncias da Huíla, Namibe, Benguela, Cunene e Luanda. Mas foram feitas filmagens também na Namíbia. "É a continuação do deserto do Namibe, portanto as características paisagísticas que eu procurava. O deserto tem sempre aquela sensação de pós-natureza", descreve.
Prémios em vista
"Serpentário" é a primeira obra de longa-metragem de Carlos Conceição. Na Berlinale, concorre ao "Urso de Ouro", na mostra Fórum, e também ao Prémio GWFF, que apoia as novas gerações de realizadores cinematográficos com 50 mil euros. Nesse caso, doados por uma sociedade de defesa dos direitos autorais formada por produtores e realizadores com sede em Munique, na Alemanha.
Carlos diz que a indicação ao Prémio GWFF, ao qual concorrem este ano 16 filmes selecionados das diversas mostras da Berlinale, é inesperada.
Para o realizador, no entanto, "a questão dos prémios nunca é relevante". "A grande virtude desta estreia é ser aqui [na Berlinale], justamente. É o fato de ser uma janela muito grande e muita gente poder ver", conclui.
Relação com Angola
Filho de pais angolanos, o realizador cresceu na cidade do Lubango e viveu em Angola até os 21 anos. Diz que a opção de viver em Portugal "é laboral" uma vez que, em Angola, "não existe uma indústria que permita a uma pessoa viver do seu trabalho quando estamos a falar de produção artística para cinema".
Mas Carlos nunca perdeu contato com Angola - todos os anos vai ao país para visitar a família.
O filme “Serpentário” será apresentado em quatro sessões abertas ao público, mediante a compra de ingressos. O Festival Internacional de Cinema de Berlim decorre até 17 de fevereiro, na capital alemã.
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.