Em entrevista à DW África, Afonso Zau, general da FLEC-FAC, frisa que "há guerra" em Cabinda por causa do MPLA, partido no poder em Angola, e pede ajuda à comunidade internacional.
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As forças armadas da Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) voltaram esta segunda-feira (13.07) a emitir uma nota de imprensa, apelando ao Governo de Angola para que aceite um diálogo sobre a independência daquele enclave que, na sua opinião, legalmente, não faz parte do território angolano.
Já na semana passada, as FAC (forças armadas de Cabinda), o "braço armado" da FLEC, anunciaram a morte de cinco pessoas, entre as quais dois soldados das Forças Armadas Angolanas (FAA) e três civis, bem como três feridos do seu lado.
Recorde-se que a FLEC, através das FAC, luta pela independência do território, alegando que o enclave era um protetorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano. Criada em 1963, a organização independentista dividiu-se e multiplicou-se em diferentes fações, efémeras, com a FLEC-FAC a manter-se como o único movimento que alega manter uma "resistência armada" contra a administração de Luanda.
Mais de metade do petróleo angolano provém desta província angolana.
A DW África entrevistou o general Afonso Zau, que se apresenta como chefe de Estado Maior General Adjunto da FLEC-FAC, que incita a comunidade internacional a impulsionar o diálogo entre a FLEC-FAC e o partido que governa Luanda.
DW África: Existe, de facto, um conflito armado em território de Cabinda?
Afonso Zau (AZ): O conflito em Cabinda é uma realidade. Há guerra. O MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola] anda à procura dos independentistas. Nós não estamos para isso. Nós estamos respeitando escrupulosamente a ordem do senhor secretário-geral das Nações Unidas de mantermos a paz. Mas o MPLA está sempre a avançar nas nossas posições. O MPLA vem ao nosso encontro nas zonas controladas, nas nossas zonas de jurisdição. Não podemos estar parados. Estamos sempre a responder. Eles vêm atacar-nos, nós também atacamos.
DW África: Está em condições de nos informar se tem havido mortes neste conflito?
Cabinda: "Medo, isso é coisa do passado!"
01:57
AZ: Tem havido muita mortalidade da parte deles e da nossa parte. Eles aproveitam e matam o povo indefeso, o povo civil está a morrer, sobretudo mulheres. Não sabemos como explicar ao mundo a situação.
DW África: Há partes de Cabinda controladas militarmente pela FLEC-FAC?
AZ: Exatamente. Existem zonas libertadas unicamente controladas por FLEC-FAC. Mas o MPLA circula isso. Entra nas matas de Cabinda à nossa procura. E nós não podemos parar.
DW África: A FLEC-FAC tem feito esforços no sentido de resolver o conflito na via do diálogo?
AZ: Exatamente. É o que nós já tentámos muitas vezes. Já nos encontrámos uma vez em Ponta-Negra, já fomos ao Gabão, já tentámos ali mesmo, no terreno, em certos pontos. O MPLA, depois das reuniões com a FLEC, quando volta para Luanda, responde sempre com incursões de grande envergadura na nossa área. Mas a FLEC não está para a guerra. Desde o tempo dos portugueses que o povo de Cabinda decidiu a paz, razão pela qual os cabindas assinaram o tratado com os portugueses. Tratados de amizade, tratados de paz. O povo de Cabinda negou categoricamente o problema da guerra, porque a guerra não constrói. A guerra destrói.
DW África: Fala dos angolanos. Refere-se apenas ao MPLA ou também a outros partidos legalizados em Angola?
AZ: Não. O movimento que está a fazer desordem em Cabinda é o MPLA. Porque nós temos ligações com outros partidos na oposição de Angola. Por causa do petróleo de Cabinda, o MPLA, como partido totalitário – hoje digo mesmo que o MPLA é totalitário – não quer ver quais são as ideias dos outros partidos. Eles negam categoricamente as opções dos outros partidos. Por isso, é o MPLA.
DW África: Acha que os cabindas estão do lado da FLEC-FAC?
AZ: O povo apoia a FLEC e está ao [nosso] lado. Realmente, se a FLEC está resistindo há muito tempo é porque o povo segurou muito bem esta revolução e esta luta de Cabinda.
DW África: Quais são as vossas propostas mais urgentes no sentido de resolver este conflito?
AZ: Os nossos intentos e o que nós precisamos urgentemente é que a opinião nacional, as Nações Unidas, a União Africana, o Parlamento Europeu, sabendo que é uma luta africana, deveriam impulsionar o MPLA a sentar-se connosco numa mesa redonda, porque vamos dialogar. E eles vão falar quais são as reais razões que os levam a ficar em Cabinda. Porque Cabinda não é Angola.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.