FLEC lamenta falta de "sinais de mudança" com João Lourenço
Lusa | mjp
28 de janeiro de 2018
Frente de Libertação do Estado de Cabinda lamenta que o novo Presidente de Angola, João Lourenço, empossado em setembro de 2017, não tenha mostrado "qualquer sinal de mudança" da estratégia de Luanda sobre o enclave.
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Em declarações por e-mail à agência Lusa, o porta-voz do movimento secessionista, Jean-Claude Nzita, manifestou a disponibilidade da FLEC para "analisar qualquer ato sério de boa vontade" vindo de João Lourenço, que considera "chefe de Estado do país ocupante".
"João Lourenço é o Chefe de Estado do país ocupante, foi ministro da Defesa de Angola num período em que Luanda lançou várias operações militares em Cabinda. Até este momento, não tivemos qualquer sinal de mudança da estratégia de Luanda em relação a Cabinda. Estamos disponíveis para analisar qualquer boa vontade angolana séria", referiu.
Jean-Claude Nzita, lembrando que a FLEC "sempre teve contactos com os presidentes angolanos", indicou que, se João Lourenço "pretender" contactar o movimento, "conhece todos os canais" para o fazer.
"Alguns desses canais foram criados pelo próprio Presidente e são financiados por Luanda. A comunicação existe", reivindicou o porta-voz da FLEC, que disse também manter contactos com Portugal, "ator indissociável do futuro processo de paz em Cabinda".
"Escrevemos ao primeiro-ministro (português) António Costa, e estamos ainda a aguardar pela sua resposta. Portugal não pode continuar a ver Cabinda como um problema interno de Angola, tal como Timor-Leste nunca foi um problema interno da Indonésia", argumentou.
Conflito eterno?
Sobre se há a possibilidade de o conflito se arrastar eternamente, Jean-Claude Nzita indicou que só Angola poderá responder à questão, garantindo que o conflito só terminará "com o fim da colonização e ocupação militar angolana em Cabinda".
"A independência de Cabinda é um direito do nosso povo. A FLEC segue fielmente a vontade do povo de Cabinda. Qualquer plano de autonomia prometido por Angola em negociações fantoche nunca teve qualquer resultado prático. O plano proposto por Angola de maior autonomia para Cabinda é uma eterna falsa promessa que serve para tapar os olhos da comunidade internacional", sustentou.
Para Jean-Claude Nzita, a luta pela independência de Cabinda "não está baseada numa validade, mas num Direito".
"A FLEC sempre esteve disponível para dialogar com o ocupante angolano, mas Luanda é indiferente a diálogos sérios, preferindo jogar na sombra, subornando e dividindo. Cabinda é o exemplo da descolonização inacabada, mas também exemplo de neocolonialismo africano. Resolver o assunto será através de um diálogo sério e sem tabus. Para Angola, a independência de Cabinda não pode ser um tabu político", disse.
Desde 1963 a lutar pela independência
A FLEC luta pela independência de Cabinda, alegando que o enclave era um protetorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano. Criada em 1963, a organização independentista dividiu-se e multiplicou-se em diferentes fações, efémeras, com a FLEC/FAC a manter-se como o único movimento que mantém a resistência armada contra a administração de Luanda.
A FLEC foi criada oficialmente num congresso que se realizou de 02 a 04 de agosto de 1963, ainda antes da independência de Angola. A cidade de Ponta Negra, no Congo Brazzaville, foi o berço da sigla que se viria a tornar famosa. A FLEC resultou da fusão de três organizações: o Movimento para a Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC), de Luís Ranque Franque, Comité de Ação da União Nacional de Cabinda (CAUNC), de Nzita Tiago e Aliança Nacional Mayombe (ALLIAMA), de António Sozinho.
Franque assume a presidência da FLEC. Sozinho é eleito secretário-geral e Nzita é vice-presidente e é ele próprio quem abre o escritório do movimento em Cabinda, antes da independência de Angola (11 de novembro de 1975). No final da década de 1970, a FLEC dividiu-se em várias fações. Além da FLEC-Nzita, surgem a FLEC-Ranque Franque e a FLEC-Lubota, líderes históricos entretanto falecidos.
A multiplicação continua nos anos seguintes com a FLEC-FAC, FLEC- Posição Militar, FLEC-Renovada, FLEC-Nova Visão, tendo o líder Nzita Tiago, falecido em junho de 2017, desdramatizado sempre as divisões, alegando que muitas delas eram constituídas por um ou dois membros.
Nzita Tiago, que vivia em Paris, nunca aceitou o passaporte angolano ou o estatuto de exilado político de Angola. Era cidadão gabonês. A liderança da FLEC/FAC ficou nas mãos do seu filho, Emmanuel Nzita, nascido no exílio na RDCongo a 24 de abril de 1955 (62 anos) e, antes de chegar a secretário-geral, foi encarregado da diplomacia do movimento em Kinshasa.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.