FMI: Dívida de Moçambique "vai continuar em dificuldades"
Lusa
30 de abril de 2020
Apesar das dificuldades, o Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta que a dívida de Moçambique "é sustentável em termos de futuro", mesmo após o impacto da pandemia da Covid-19.
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"A maior fatia dos empréstimos futuros e garantias estatais reflete a participação do Estado nos projetos de grande dimensão de gás natural liquefeito (GNL). Apesar de algum atraso, os projetos vão avançar", considera a instituição, prevendo o arranque em 2023, ao justificar a sua apreciação.
"Apesar de se antever que a pandemia tenha forte impacto em Moçambique e que as premissas subjacentes ao cenário macroeconómico, particularmente nos próximos dois anos, tenham piorado em relação à última análise, as perspetivas de médio prazo permanecem positivas devido aos megaprojetos de GNL", detalha o FMI no relatório divulgado esta quinta-feira (30.04).
Depois de ter representado 108,4% no final de 2019, a dívida pública deverá atingir 113,7% do PIB este ano e 113,1% em 2021 e começar a baixar em 2022 para 106,2%, seguindo depois esta tendência, segundo os novos cálculos do FMI, que reduzem o peso da dívida relativamente aos números apresentados a meio de abril nas Perspetivas Económicas Regionais da África subsaariana.
Comprimisso das autoridades
O FMI renova um voto de confiança no Governo, dizendo que parte da análise de sustentabilidade da dívida assenta "no forte compromisso das autoridades em implementar consolidação fiscal e estratégias de endividamento prudentes".
Um compromisso que contrasta com o passado recente, ensombrado pelas dívidas ocultas de cerca de dois mil milhões de euros, que levaram o FMI e doadores a cortar o apoio direto ao Orçamento do Estado, em 2016.
Uma redução adicional da dívida está à vista, diz o FMI, uma vez que o Governo "não pretende suportar a MAM" - uma das empresas do escândalo das dívidas ocultas - "que deve seguir para falência, enquanto a validade das garantias estatais ao empréstimo do banco VTB à MAM está a ser contestada" judicialmente.
"O 'stock' de pagamentos em atraso no serviço de dívida externa com garantia pública atingiu 1.375 milhões de dólares (1.266 milhões de euros, cerca de 9% do PIB) no final de 2019", dos quais cerca de 1.080 milhões de dólares em "dívida comercial" (MAM e ProIndicus) e o restante em dívida bilateral, refere-se no documento.
FMI recomenda:"Não escondam as dívidas como Moçambique"
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A análise de sustentabilidade da dívida do FMI espera ainda que Moçambique beneficie da iniciativa de alívio da dívida por parte do G-20, no âmbito da pandemia causada pelo novo coronavírus. Tudo junto deverá "achatar a acentuada deterioração projetada nos indicadores de liquidez da dívida".
Crescimento económico
O FMI prevê que o crescimento económico seja este ano de 2,2%, idêntico ao de 2019, em que o país sofreu com dois fortes ciclones, e que o Produto Interno Bruto (PIB) progrida 4,7% em 2021.
O fundo anunciou em 24 de abril a entrega de 309 milhões de dólares (284 milhões de euros) ao Governo de Moçambique para combater a pandemia da covid-19 e aliviar a balança de pagamentos e o orçamento no âmbito da Linha de Crédito Rápido (RCF) da instituição.
A avaliação divulgada na quarta-feira detalha, numa nota de rodapé, que os recursos desembolsados por esta linha do FMI "serão devidos somente após o início da produção, exportação e obtenção da receita fiscal dos projetos de gás natural liquefeito", previstos para arrancar em 2022.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)