FMI disponível para eventual ajuda financeira a Moçambique
Lusa
19 de outubro de 2019
O diretor do departamento de África do Fundo Monetário Internacional (FMI) admitiu que há disponibilidade para considerar um novo acordo de ajuda financeira de médio prazo para Moçambique, se existir um pedido prévio.
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"Se houver um pedido para um programa de médio prazo, estaremos felizes em olhar para esse assunto e levar à consideração", disse Abebe Aemro Selassie sobre a ajuda financeira a Moçambique, numa resposta à Lusa, em Washington, nos Estados Unidos da América, durante os Encontros Anuais.
O FMI admite assim, pela primeira vez desde o escândalo das dívidas ocultas, que a instituição está disponível para voltar a dar assistência financeira a Moçambique. Desde a descoberta das dívidas ocultas, o FMI traçou a "necessidade de uma explicação para tentar entender para que efeitos foram contraídas as dívidas e que recursos foram usados", disse o diretor do departamento africano. "É bom ver, mais recentemente, os procedimentos que resultaram das investigações que as autoridades (...) e outras jurisdições têm empreendido", referiu Abebe Aemro Selassie, mostrando-se satisfeito em ver a Justiça atuar sobre as dívidas ocultas de Moçambique.
Progressos na luta contra a corrupção
O diretor do departamento de África do FMI considerou que "tem havido progressos nas duas áreas, mas ainda não houve um pedido marcante para um programa do FMI até ao momento, já que o país passou por eleições", e recordou que o FMI impôs, desde o início, que houvesse acordo sobre "um programa com políticas" que o Fundo pode apoiar.
Explica-me as dívidas ocultas de Moçambique
O FMI suspendeu a assistência financeira a Moçambique, que previa a ajuda de 282,9 milhões de dólares com o pagamento de várias tranches, em 2016, na sequência da descoberta das dívidas ocultas de mais de 2 mil milhões de dólares. "Como resultado das dívidas ocultas, a dívida [soberana] estava numa situação insustentável e tinha de haver uma forma de assegurar que a dívida era levada a níveis sustentáveis", comentou Abebe Aemro Selassie.
O diretor lembrou o ciclone Idai que afetou Moçambique em março e trouxe "efeitos devastadores" e que o FMI "seguiu em frente rapidamente para fornecer alguma ajuda ao país". "Nós dispersámos alguns recursos para ajudar a aliviar o impacto disso, portanto o nosso compromisso, de forma a fornecer este tipo de ajuda de emergência e conselho de políticas, tem continuado", assegurou o responsável do FMI.
O Idai atingiu a região centro de Moçambique em 14 de março, causando 603 mortos e o FMI deu resposta com um empréstimo de emergência de 118,2 milhões de dólares (105 milhões de euros).
A ex-diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, afirmou, numa entrevista à BBC em maio de 2016, que a suspensão do financiamento a Moçambique foi justificada por sinais claros de corrupção escondida. "Quando vemos um país sob um programa do FMI, em que há dinheiro da comunidade internacional envolvido, que não cumpre o seu compromisso de divulgação financeira, que está a esconder claramente a corrupção, nós suspendemos o programa. Fizemos isso muito recentemente com Moçambique", disse Lagarde à BBC.
Caso provocou várias detenções
As investigações alegam que a operação de financiamento de 2,2 mil milhões de dólares (dois mil milhões de euros) para criar as empresas públicas moçambicanas Ematum, Proindicus e MAM durante o mandato do Presidente Armando Guebuza é um vasto caso de corrupção e branqueamento de capitais.
Várias pessoas foram detidas em Moçambique, na sequência desta investigação, entre as quais o antigo ministro das Finanças do país Manuel Chang, que está detido na África do Sul e enfrenta pedidos de extradição para Moçambique e para os Estados Unidos da América, que também está a investigar o caso.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)