FMI diz que dívida oculta enganou o povo de Moçambique
Lusa
10 de outubro de 2016
Diretor do departamento africano do FMI diz que o Governo enganou o próprio povo, e não a instituição. Auditoria nas contas públicas pode reativar cooperação financeira, que foi suspensa devido à descoberta da dívida.
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O diretor do departamento africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), Abebe Aemro Selassie, declarou que as dívidas ocultas do Governo moçambicano não enganaram a instituição, mas "o povo de Moçambique”, e sublinhou que a instituição apenas trabalha com "os dados que lhe são fornecidos”.
"O que estamos a fazer para evitar ser enganados? Esta questão da dívida, na verdade, não enganou o FMI. Enganou o povo de Moçambique, por isso não é sobre nós”, declarou o diretor, através de briefing transcrito na página do FMI, cerca de 10 dias depois de missão em Maputo.
Em abril deste ano, a relação do Governo de Moçambique e o FMI foi enfraquecida após a revelação da existência de créditos ocultos num total de 1,4 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) a favor de empresas estatais moçambicanas (EMATUM, Proindicus e MAM), entre os anos de 2013 e 2014. Estes créditos teriam garantia do Governo à revelia do Parlamento e dos parceiros externos.
Por causa das dívidas ocultas, o FMI congelou empréstimo de 150 milhões de dólares que faria ao país. Também os 14 doadores do orçamento do Estado suspenderam os seus financiamentos, entre eles doadores internacionais. O fundo diz que apenas retomará a assistência financeira se Moçambique iniciar rapidamente uma auditoria às suas contas.
Reaproximação
"Apenas podemos trabalhar com os dados que nos são fornecidos, e damos conselhos com base nisso. Por isso, transparência fiscal e transparência no processo político são importantes, em primeiro lugar, para as pessoas dos países às quais os governos representam", sublinhou Selassie.
Por outro lado, uma recente missão do FMI a Maputo pretendeu reestabelecer as realções com o país. O diretor do departamento africano do FMI também deu conta que existe "um entendimento muito bom" com o Governo quanto à forma como se vai processar a auditoria que o fundo exige.
"Tivemos uma missão recentemente em Maputo. A boa notícia é que há um bom acordo entre o Governo e o FMI sobre alguns dos pré-requisitos da auditoria: haverá uma auditoria independente aos empréstimos contraídos por empresas detidas pelo Estado e esta auditoria será tornada pública. Será publicada", disse o responsável do FMI.
"Penso que este é um entendimento muito bom. Vamos ver como é que isto evolui nos próximos meses", concluiu.
Auditoria
De acordo com a agência de notícias Lusa, a equipa do FMI que esteve na semana passada em Maputo notou que "Moçambique enfrenta um ambiente económico difícil", com um crescimento de 3,7% previsto para este ano (contra os 6,6% do ano passado) e com "uma inflação a subir acentuadamente", chegando aos 21% em agosto (comparação anual), alimentada por uma depreciação do metical em cerca de 40% desde o início do ano.
Em relação à auditoria internacional e independente às empresas EMATUM, Proindicus e MAM - que estiveram na origem da dívida oculta -, a equipa do FMI diz que "fez progressos consideráveis" junto do gabinete do Procurador-Geral da República na elaboração de um documento que permita a sua realização.
Moçambique: centenas de pessoas marcham contra a situação política e económica
Centenas de moçambicanos marcharam no dia 18 de junho de 2016 em Maputo contra a situação política e económica do país. A manifestação foi convocada pela sociedade civil para exigir esclarecimentos ao Governo.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
Pela Avenida Eduardo Mondlane rumo à Praça da Independência
"Pelo direito à esperança" foi o mote da manifestação que reuniu centenas de pessoas no centro de Maputo, no sábado dia 18 de junho de 2016. Os manifestantes exigem o fim do conflito político-militar entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o esclarecimento da dívida pública e mais liberdade de expressão.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
"A intolerância política mata a democracia"
Em entrevista à DW África, Nzira de Deus, do Fórum Mulher, uma das organizações envolvidas, afirma que a liberdade dos moçambicanos tem sido muito limitada nos últimos meses. "É preciso deixar de intimidar as pessoas, deixarem as pessoas se expressarem de maneira diferente, porque eu acho que é isso que constrói o país. Não pode haver ameaças, não pode haver atentados", diz Nzira.
Foto: DW/L. Matias
De preto ou branco, manifestantes pedem paz
Com camisolas pretas e brancas e cartazes com mensagens de protesto, centenas de moçambicanos mostram o seu repúdio à guerra entre o Governo e a RENAMO, às dívidas ocultas e às valas comuns descobertas no centro do país. Num percurso de mais de dois quilómetros, entoaram cânticos pela liberdade e pela transparência.
Foto: DW/L. Matias
"Valas comuns são vergonha nacional"
Recentemente, foram descobertas valas comuns na zona central de Moçambique. Uma comissão parlamentar enviada ao local para averiguações nega a sua existência. Alguns dos corpos encontrados foram sepultados sem ter sido feita uma autópsia, o que dificulta o conhecimento das causas das suas mortes.
Foto: DW/L. Matias
"É necessário haver um diálogo político honesto e sincero"
Nzira de Deus considera que a crise política que Moçambique enfrenta prejudica a situação do país e defende que “haja um diálogo político honesto e sincero e que se digam quais são as questões que estão em causa". Para além da questão da dívida e da crise política, os manifestantes estão preocupados com as liberdades de expressão e imprensa.
Foto: DW/L. Matias
Ameaças não vão amedrontar o povo
No manifesto distribuído ao público e lido na estátua de Samora Machel, na Praça da Independência, as organizações da sociedade civil exigiram à Procuradoria-Geral da República uma auditoria forense à dívida pública. "Nós queremos que o ex-Presidente [Armando Guebuza] e o seu Governo respondam por estas dívidas", declarou Alice Mabota, acrescentando que as ameaças não vão "amedrontar o povo".
Foto: DW/L. Matias
Sociedade Civil presente
A manifestação foi convocada por onze organizações da sociedade civil moçambicana. Entre as ONGs que organizaram a marcha encontram-se a Liga dos Direitos Humanos (LDH), o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Observatório do Meio Rural, o Fórum Mulher e a Rede HOPEM.