FMI preocupado com aumento do endividamento em África
Lusa | rl
5 de janeiro de 2020
Segundo a consultora Eaglestone, Angola, Moçambique e Cabo Verde são três dos casos mais "extremos". Em 2019, os países africanos angariaram 26 mil milhões de dólares nos mercados internacionais.
Publicidade
A consultora Eaglestone considerou, este domingo (05.01), que o Fundo Monetário Internacional (FMI) está preocupado com o aumento do endividamento em África, que se assemelha à rápida subida dos anos 1990, tendo o nível de dívida duplicado na década passada.
"Os preços recorde das matérias-primas e as taxas de juro globalmente baixas encorajaram os países africanos a endividarem-se como fizeram nos anos 1990, mas alguns estão agora a debater-se para pagar os empréstimos, fruto do abrandamento das receitas e do crescimento económico", escrevem os analistas da Eaglestone.
26 mil milhões
Numa análise ao endividamento dos países africanos nos últimos anos, esta consultora lembra que o nível de endividamento face ao Produto Interno Bruto na última década duplicou, "aproximando-se do nível registado no virar do século", o que está a preocupar o FMI, já que dos 54 países do continente, 20 estão perto ou com dívida problemática, causando apreensão face à capacidade para honrarem os compromissos financeiros assumidos.
Explica-me as dívidas ocultas de Moçambique
"Os governos africanos angariaram cerca de 26 mil milhões de dólares nos mercados internacionais, este ano, descendo ligeiramente face aos 30 mil milhões de 2018, aproveitando a vantagem de os investidores estarem sedentos de juros num mundo marcado por taxas de juro negativas", escreve a Eaglestone.
A consultora alertou ainda que "a volatilidade das moedas nacionais em todo o continente aumenta o risco de empréstimos em dólares e o custo elevado de servir a dívida pode impedir a realização de despesas numa região que alberga metade de toda a população pobre do mundo".
Alerta para países lusófonos
A mesma consultora dá conta de que a dívida pública da África subsaariana deve manter-se estável este ano, ligeiramente acima dos 50% do PIB, mas este valor 'esconde' alguns casos mais extremos, como os lusófonos Angola, Moçambique ou Cabo Verde, com um rácio da dívida a rondar a totalidade da riqueza produzida no país.
"As condições são propícias para um nível de dívida problemática muito mais elevado", disse a diretora do departamento de finanças sustentáveis no Instituto Internacional de Finanças, citada no comentário da Eaglestone.
"Independentemente do que desencadear a próxima crise, quando ela acontecer, é muito provável que vejamos um nível de contágio muito maior porque os investidores têm apostado em ativos com taxas de juro mais elevadas", acrescentou Sonja Gibbs.
África "está na média"
Por seu lado, o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, tem repetidamente tentado afastar a ideia de uma 'crise da dívida' em África, argumentando que apesar de alguns países terem um rácio mais elevado, a média do continente está ainda bem dentro do padrão de segurança. "Há países, individualmente, que têm aumentado o rácio de dívida face ao PIB, é essa a preocupação, mas a média está bem confortável dentro dos limites aceitáveis", defende o líder da maior instituição financeira multilateral de África.
O problema, aponta a Eaglestone, é que o custo de servir a dívida está a desviar fundos de outros investimentos, nomeadamente em infraestruturas, que são a base do crescimento económico sustentável.
No relatório, os consultores apontam que os pagamentos de dívida externa representam 13% das receitas dos governos africanos, em média, quando em 2010 estavam nos 4,7%.
África 2019: Entre dívidas ocultas, ataques e revoluções
2019 em África foi marcado por novos começos e catástrofes. Em Moçambique houve ciclones, dívidas ocultas, eleições e ataques armados, apesar do novo acordo de paz. A Guiné-Bissau foi às urnas eleger um novo Presidente.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Mukwazhi
Ciclones Idai e Kenneth
Dois ciclones atingiram a África Oriental este ano. Em março e abril, ciclones devastaram áreas inteiras de Moçambique, Madagáscar, Zimbabué, Malawi, Tanzânia e Comores. Mais de 1.400 pessoas morreram, muitas ainda estão desaparecidas e milhares perderam os seus meios de subsistência. Após o desastre, um surto de cólera atingiu as zonas por onde os ciclones passaram.
Foto: Reuters/M. Hutchings
Félix Tshisekedi é o novo Presidente congolês
O novo Presidente da República Democrática do Congo, Félix Tshisekedi, tomou posse no início do ano. O resultado desta eleição caótica foi considerado controverso. Tshisekedi prometeu grandes reformas, como o combate aos rebeldes no leste do país. Mas após um ano a esperança esmoreceu: Tshisekedi é apelidado de "fantoche" do ex-Presidente Joseph Kabila, que governou o país durante 18 anos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay
Um segundo mandato para Buhari
Na Nigéria, o atual Presidente Muhammadu Buhari venceu novamente as eleições com mais de três milhões de votos. Buhari tem-se dedicado particularmente à pobreza e à segurança. Temas mais do que necessários, já que o grupo terrorista Boko Haram continua a atacar no norte do país. Além disso, conflitos entre pastores e agricultores originaram centenas de mortes, também em países como Mali e Níger.
Foto: Bayo Omoboriwo
A revolução sudanesa
O sudanês Alaa Salah tornou-se uma figura simbólica da revolução. O aumento dos preços dos alimentos e a difícil situação económica levaram a protestos em todo o país. Em abril, o Presidente Omar al-Bashir foi deposto depois de governar por quase 30 anos. Um Governo de transição de militares e civis está a preparar o caminho para as eleições. Durante as manifestações, dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP
Uma surpreendente Taça das Nações Africanas
A maior surpresa do CAN deste ano foi provavelmente a equipa de Madagáscar. Ao vencer a Nigéria e a República Democrática do Congo, chegaram aos quartos de final. Entretanto, a Argélia venceu o Senegal na final. O Senegal nunca ganhou um CAN até agora. O torneio foi originalmente planeado para decorrer nos Camarões, mas foi transferido para o Egito devido a distúrbios políticos naquele país.
Foto: Getty Images/AFP/M. El-Shahed
Epidemia de ébola na RDC
Desde agosto de 2018, a República Democrática do Congo enfrenta uma das maiores epidemias de ébola: mais de 3.300 casos já foram registados, dois terços dos quais fatais. Em novembro, o Uganda confirmou o fim da epidemia no distrito de Kasese, na fronteira com a RDC. Uma vacina ainda não aprovada contra o vírus tem-se mostrado bem-sucedida e os medicamentos para aqueles já infetados também.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Medecins Sans Frontieres/J. Wessels
Repatriamento de congoleses em Angola
Milhares de congoleses regressaram a casa depois de se refugiarem em Angola desde 2017 devido aos conflitos na província congolesa do Cassai. O repatriamento começou de forma espontânea, mas em setembro o processo foi organizado e acompanhado pelas autoridades angolanas e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Foto: Getty Images/AFP/S. Kambidi
Primeiro-ministro etíope vence Nobel da Paz
O primeiro-ministro da Etiópia fez as pazes com a vizinha Eritreia após décadas de conflitos. Por isso, Abiy Ahmed recebeu o Prémio Nobel da Paz. Além disso, conseguiu estabilizar a situação no país dividido em 80 grupos étnicos diferentes, libertou milhares de presos políticos, introduziu reformas económicas e nomeu mulheres para metade do seu gabinete.
Foto: Ethiopian Prime Minister Office
Conflito em Moçambique
O Presidente Filipe Nyusi foi reeleito com uma grande maioria, mas a RENAMO rejeitou os resultados e acusou Nyusi e a FRELIMO de "grande fraude eleitoral". Até 1992, os dois partidos travaram uma brutal guerra civil que matou quase um milhão de vidas. As partes assinaram um acordo de paz em agosto, mas as tensões no país permanecem, com ataques nas estradas do centro do país.
Foto: Reuters/S. Sibeko
Ataques no norte de Moçambique
A província de Cabo Delgado continua a ser alvo de grupos armados. Os primeiros ataques foram registados em 2017 e este ano novos episódios de violência aterrorizaram aldeias locais. Pelo menos 300 pessoas já morreram e há centenas de deslocados, segundo as autoridades. A situação também deixa em alerta empresários. A região abriga um megaprojeto de exploração de gás natural.
Foto: DW/A. Chissale
Novo estado federal na Etiópia
Em novembro, 98,5% dos moradores de Sidama, na Etiópia, votaram num referendo para a formação de um novo estado federal e mais autonomia. Os Sidama, quinto maior grupo étnico da Etiópia, espera controlar os recursos da terra, ter voz na política e preservar e fortalecer a sua identidade cultural. Dez outros grupos étnicos manifestaram interesse num referendo semelhante.
Foto: Reuters/T. Negeri
Quem será o novo Presidente da Guiné-Bissau?
Com José Mário Vaz já fora da corrida, a segunda volta das presidenciais disputou-se a 29 de dezembro, entre os favoritos Domingos Simões Pereira e Umaro Sissoco Embaló. Os resultados provisórios deverão ser divulgados pela CNE a 1 de janeiro. A disputa entre Jomav e o Parlamento levou à crise política e económica no país. O novo Presidente terá de resolver isso em 2020.
Foto: DW/B. Darame
Ataques às Nações Unidas na RDC
Manifestantes em Beni, uma cidade no leste congolês, invadiram uma base da ONU no final de novembro e incendiaram o edifício municipal. Alegavam que a missão da ONU no país, a MONUSCO, não está a fazer nada para protegê-los dos ataques rebeldes. A milícia extremista "Forças Democráticas Aliadas" matou e sequestrou dezenas de pessoas na região. A luta em Beni continua.
Foto: Reuters/File Photo/O. Oleksandr
"Arquiteto" das dívidas ocultas ilibado nos EUA
Jean Boustani, tido como o principal mentor no caso das dívidas ocultas, foi considerado inocente em julgamento nos EUA. Entretanto, a Justiça norte-americana quer também julgar o ex-ministro das Finanças de Moçambique, por alegado envolvimento nas dívidas ocultas. Manuel Chang está detido na África do Sul desde dezembro de 2018, com pedidos de extradição para Moçambique e para os EUA.
Foto: Reuters/E. Munoz
Protestos no Zimbabué
O ano começa e termina com protestos no Zimbabué. Depois de o preço dos combustíveis ter subido 130%, milhares de pessoas saíram às ruas e houve escassez de alimentos nos mercados. Foram também demitidos 211 dos 1.550 médicos do país por protestarem por melhores salários e condições de trabalho. Dizem que os seus salários - menos de 200 dólares por mês - são insuficientes para sobreviver.