Uma missão do Fundo Monetário Internacional começou esta terça-feira a trabalhar em Angola. Para o economista Francisco Paulo, a visita é fundamental para ajudar o Governo na coordenação de políticas económicas e não só.
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A missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) tem um novo rosto: o economista francês Mario de Zamaroczy assume as funções de chefe da missão de supervisão económica da instituição em Angola, substituindo no cargo o brasileiro Ricardo Velloso. E já reiterou que a organização vai continuar a apoiar os esforços do Governo angolano para a estabilização da economia. A visita de uma semana é uma resposta ao pedido de assistência técnica de Luanda, disse Mário Zamaroczy.
Em entrevista à DW África, o economista Francisco Paulo, da Universidade Católica de Angola, considera que esta cooperação pode contribuir para melhorar o clima empresarial em Angola e ajudar o país a conquistar mais credibilidade junto dos investidores. Mas também defende que Angola deveria pedir assistência financeira ao FMI.
DW África: O que se pode esperar desta visita e do novo representante do FMI em Angola?
FMI vai continuar a ajudar Angola a estabilizar economia
Francisco Paulo (FP): De facto, o Governo precisa desse tipo de missão. Durante dois anos consecutivos tivemos uma recessão, de acordo com as contas nacionais, em 2016 e em 2017. E essa missão vai ajudar também a analisar o tipo de políticas que o Governo está a tomar, como é que isso vai ajudar a economia, apesar de o FMI ter publicado recentemente o relatório, ao abrigo do artigo 4 (fazem isso a todos os países membros) e ter apresentado as recomendações de políticas que o Governo deve seguir.
DW África: Em fevereiro, o Governo angolano pediu apoio ao FMI para a coordenação de políticas económicas. Este programa não é financiado, mas poderá aumentar, por exemplo, a credibilidade externa de Angola e atrair mais investimentos? O que se pode esperar desta cooperação?
FP: No Governo anterior havia muita dificuldade em apresentar contas ou divulgar informações, mesmo antes da saída do Presidente José Eduardo dos Santos as coisas começaram a melhorar. Viu-se, a uma certa altura, a necessidade de fornecer informações fidedignas quanto à nossa economia. Não importa se está bem ou mal, porque os investidores vão precisar dessa informação para fazerem os seus investimentos, saberem se vêm investir no país ou não. E claro que essa vinda dos técnicos do FMI vai ajudar a aumentar a credibilidade de Angola no mercado internacional. Em maio, Angola lançou os eurobonds, 3 mil milhões de dólares, e os investidores vão querer obter mais informações sobre a economia. E sabendo que o FMI está no país, está a ajudar os técnicos nacionais a implementarem as políticas ou a organizarem melhor a informação, dá sempre um novo ar, maior credibilidade perante a comunidade internacional. Apesar de achar que se Angola pedisse assistência financeira ao FMI nada iria perder, porque os fundos que o FMI concede são com taxas de juro muito baixas em relação aos que Angola conseguiu agora com os eurobonds. Não sei porque é que o Governo não pediu financiamento, mas podia muito bem pedir o financiamento justamente para a balança de pagamentos, porque as nossas reservas internacionais líquidas, que servem para fazer face às importações e outros compromissos estrangeiros, estão a diminuir cada vez mais.
DW África: Acha que esse pode ser o próximo passo do Governo, pedir financiamento ao FMI?
FP: Sim, não me assustaria e acho que devia. Já que Angola é membro do FMI, poderia ter taxas de juro muito abaixo das taxas de juro do mercado. É sempre um financiamento à taxa de juro mais baixa do mercado. Mesmo que seja um montante inferior, seria sempre bom para poder aliviar a pressão sobre as reservas e sobre a balança de pagamentos.
DW África: E no capítulo da transparência, nomeadamente no uso das receitas petrolíferas, já se pode dizer que houve melhorias com o novo Governo de João Lourenço?
FP: Pelo menos as informações do Ministério das Finanças quanto às receitas petrolíferas, felizmente todos os meses há dados sobre o montante de receitas no setor petrolífero e diamantífero que é arrecadado. Mesmo no período do Presidente dos Santos, o Ministério das Finanças teve sempre esta predisposição para publicar o nível dos impostos arrecadados no setor não petrolífero. O que não aparece, e nós já fizemos essa crítica, é a apresentação dos impostos do setor não petrolífero. Angola está num processo de reforma tributária e o objetivo do Governo é que, consoante o tempo, os impostos não petrolíferos venham a contribuir mais do que o imposto petrolífero. Mas infelizmente só conseguimos saber o valor dos impostos não petrolíferos arrecadados no final do ano, enquanto os impostos petrolíferos e diamantíferos o Ministério das Finanças publica-os mensalmente. Há toda uma necessidade de o Ministério das Finanças, a Administração Geral Tributária (AGT), facultarem a informação que diz respeito à corrupção.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.