FMI vai discutir retoma de ajuda direta a Moçambique
Lusa
29 de fevereiro de 2020
Fundo Monetário Internacional vai enviar a Moçambique no final de março uma equipa para discutir com as autoridades locais o reinício do programa de assistência.
Publicidade
Em conferência de imprensa, o porta-voz da instituição, Gerry Rice, confirmou este sábado (29.02) que o FMI recebeu um "pedido formal" de Maputo para um programa de assistência e será enviada a Moçambique uma equipa de peritos na "segunda metade de março".
Em Moçambique, os problemas detetados pelo FMI são a dívida pública e a necessidade de "um forte compromisso com a consolidação orçamental a médio prazo". No entanto, a "preservação de gastos sociais e na infraestrutura será essencial para a sustentabilidade da dívida pública", avisou Gerry Rice.
Em relação à gestão do país, o FMI defende o "fortalecimento da estrutura de governança" para "garantir que os recursos públicos escassos sejam utilizados de maneira efetiva em benefício da vida das pessoas".
Pedido de Maputo
FMI recomenda:"Não escondam as dívidas como Moçambique"
01:28
No final de fevereiro, o Governo moçambicano anunciou que entregou um pedido de envio ao país de uma equipa técnica para retoma do apoio ao Orçamento do Estado (OE).
"Temos de trabalhar todos para mobilizar recursos. É um orçamento que tem de responder a um contexto em que a receita também precisa de ser melhorada", disse o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane.
Segundo este responsável, o pedido significa que as negociações em curso entre o Governo moçambicano e o FMI estão num bom caminho, tal como os responsáveis do fundo também já tinham deixado transparecer numa visita recente a Maputo.
"O FMI está pronto para reforçar ainda mais a sua colaboração com as autoridades moçambicanas e ajudar a avançar com a sua agenda de reformas", referiu o diretor-geral adjunto do fundo, Tao Zhang, ao deixar Moçambique, no início de fevereiro.
Suspensão
O FMI suspendeu os apoios em 2016, devido ao escândalo das dívidas ocultas do Estado no valor de 2,2 mil milhões de dólares e às suspeitas de corrupção no caso, que está hoje sob alçada da justiça em Moçambique e no exterior.
Mais do que pelo volume da ajuda, um novo programa financeiro com o FMI serviria como aval para Moçambique abrir portas a apoios adicionais de outros parceiros externos.
A possibilidade de retoma de apoios financeiros do FMI parece reforçada depois de alcançada em outubro a reestruturação dos títulos de dívida soberana - 'eurobonds', correspondentes a cerca de um terço das dívidas ocultas.
Como resultado da reestruturação, a agência de 'rating' Fitch retirou Moçambique da lista de países em incumprimento financeiro, atribuindo-lhe uma notação de CCC, o terceiro pior nível de análise.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)