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"Foram as piores eleições de sempre de Moçambique"

Nádia Issufo | Leonel Matias (Maputo) | Romeu da Silva
17 de outubro de 2019

Para Joseph Hanlon, houve muitas irregularidades e ficou clara a tentativa de impossibilitar o trabalho da sociedade civil e da oposição. Observadores internacionais dizem que processo foi ordeiro e pacífico.

Joseph Hanlon britischer Forscher in Mosambik
Investigador britânico Joseph Hanlon critica pleito eleitoral Foto: DW/N. Issufo

Em entrevista à DW África, o investigador britânico Joseph Hanlon, responsável pelo boletim do Centro de Integridade Pública (CIP) sobre o processo político em Moçambique, afirma que "estas foram, de longe, as piores" eleições multipartidárias no país.

Segundo o investigador, houve fraudes e muitas outras irregularidades. Mas o mais claro foi a tentativa de impossibilitar o trabalho da sociedade civil e da oposição, disse à DW em Maputo.

"Tivemos três mil observadores da sociedade civil independentes que não conseguiram credenciais para observar as eleições. Tivemos milhares de observadores de grupos alinhados à FRELIMO, dos quais nunca ninguém tinha ouvido falar, e eles conseguiram credenciais", lembrou.

"Foram as piores eleições de sempre de Moçambique"

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Joseph Hanlon denuncia ainda cenários em que os observadores em algumas mesas de voto "foram obrigados a ficar de pé e noutras foram expulsos, porque alegadamente tinham o carimbo errado na credencial. Também os agentes dos partidos políticos foram impedidos de entrar em assembleias de voto".

O investigador critica a ocorrência de violência que justifica como tendo sido uma questão de pressão sobre os partidos da oposição: "Foram impedidos de falar, houve atraso no financiamento. O jogo estava tão desequilibrado que tornou quase impossível aos partidos da oposição e à sociedade civil monitorizarem estas eleições", considerou.

Provável vitória da FRELIMO 

Em Moçambique, a contagem paralela dos votos feita por plataformas de monitoria eleitoral dá vitória à FRELIMO. O anúncio desta provável vitória choca com o crescente número de ilícitos e violência eleitorais que vão surgindo a cada instante.

De acordo com o CIP, tudo indica que a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), o partido no poder, ganhou as eleições com maioria qualificada (dois terços dos votos) e o seu candidato às presidenciais, Filipe Nyusi, obteve cerca de 70% dos votos.

Eleições decorreram de forma ordeira e pacífica, segundo observadores internacionaisFoto: Getty Images/AFP/G. Guercia

Ossufo Momade, candidato da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), obteve 21% dos votos e Daviz Simango, candidato do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), foi escolhido por 7% do eleitorado. Mário Albino, do partido Ação do Movimento Unido para Salvação Integral (AMUSI) não foi para além de 1%.

Esta virtual vitória retumbante é divulgada em simultâneo com os informes de ilícitos e atos de violência eleitoral sem precedentes. Um paradoxo que não passa despercebido e que leva o investigador britânico Joseph Hanlon a questionar: "Que resultados teríamos sem estes problemas? Não faço ideia. A FRELIMO vence por uma margem muito grande, provavelmente venceria de qualquer das maneiras. Mas o ambiente que se criou foi extremamente injusto".

A única novidade até aqui, e por sinal assinalável, é a intensificação dos ilícitos, da violência, da repressão, da intimidação e da exclusão. Também a avaliação preliminar das missões de observação eleitoral não diferencia muito das avaliações de anteriores processos eleitorais. As recomendações são sempre o mais difícil de cumprir.  E o investigador britânico Joseph Hanlon lembra que aqui a lei "é só para o inglês ver".

A União Europeia, segundo Hanlon, disse "sigam os processos legais", mas "o que sabemos das eleições autárquicas é que estes processos legais não funcionam nas eleições em Moçambique".

CNE não se responsabiliza pelos ilícitos eleitorais.

Chefe da missão de observação eleitoral da União Europeia, Sánchez Amor.Foto: DW/L. Matias

O presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Abdul Carimo, refere que a nova lei eleitoral tira a  responsabilidade da CNE nesses casos, e lembrou que os supostos lesados podem submeter os casos aos tribunais que estão ao dispôr nos distritos.

Quanto às outras recomendações feitas pelas missões de observação, Abdul Carimo disse: "Vamos avaliar e olhar para o que tem de ser melhorado". "A cada processo, estamos a melhorar e o que tem a ver com a legislação eleitoral achamos que deve ser remetido ao Parlamento", acrescentou.

De lembrar que a CNE não está a publicar os resultados preliminares para "evitar interpretações erradas da contagem". Abdul Carimo recorda que nem todos os distritos têm a mesma flexibilidade e que a duração da contagem também varia de lugar para lugar.

Eleições pacíficas apesar de incidentes 

Nove missões de observação eleitoral internacionais consideram que as eleições decorreram de forma ordeira e pacífica, apesar de alguns incidentes. Os observadores apelam à calma enquanto prossegue o apuramento dos votos e encorajam os partidos a recorrerem às instituições legalmente estabelecidas em caso de eventual contestação.

Trata-se da União Africana (UA), da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), do Fórum das Comissões Eleitorais da Região, da União Europeia (UE), Parlamento Europeu, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável em África, Commonwealth e da Organização Internacional da Francofonia.

Contagem paralela de votos dá vitória à FRELIMO

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Para a UE, a votação foi bem organizada, mas precedida por uma campanha marcada por violência, limitações das liberdades fundamentais e dúvidas sobre a qualidade do recenseamento.

"A ausência de observadores nacionais em quase metade das assembleias de voto observadas (devido a dificuldades de acreditação) não contribuiu para a transparência do processo", observou o chefe da missão de observação eleitoral da UE, Sánchez Amor.

Amor acrescentou que é essencial que a atuação de todos os intervenientes no processo seja correta e facilitadora de um ambiente pacífico. "Apelo assim às autoridades de administração eleitoral e aos órgãos judiciais para assegurar um processo transparente e que leve em conta as preocupações de todos os concorrentes na resolução de conflitos", afirmou. 

Sanchez Amor deixou igualmente um apelo às formações políticas concorrentes para que se mantenham serenas e resolvam qualquer questão pelos meios estipulados na lei.

Implementação do acordo de paz

Já o chefe da delegação do Parlamento Europeu, José Manuel Garcia-Margallo, subscreveu as conclusões preliminares da missão da União Europeia tendo destacado a importância de "um processo eleitoral transparente e inclusivo, da rejeição da violência e um compromisso por parte de todos os partidos".

Apesar de ordeiras houve alguns incidentes em algumas mesas de votoFoto: Getty Images/AFP/G. Guercia

José Manuel Garcia-Margallo apelou aos partidos para garantir a continuação e a implementação plena do recente acordo de paz, tendo sublinhado que a paz "só pode existir num ambiente de consenso onde prevalecem a confiança mútua, ausência de fraude e também um compromisso por parte de todos os partidos".

Para a missão de observação da UA, as eleições decorreram em conformidade com os padrões da organização, enquanto a SADC sublinhou o fato de o escrutínio ter sido "pacífico e ordeiro".

A missão de observação do Instituto Eleitoral para a Democracia Sustentável em África criticou a disponibilização tardia de fundos pelo Estado aos partidos políticos, afirmando que "os partidos pequenos foram prejudicados".

Por seu turno, a missão de observação eleitoral da CPLP felicitou os moçambicanos pelo "civismo e serenidade" com que exerceram o seu direito de voto, e realçou o que descreveu como excelente trabalho desenvolvido pelas autoridades eleitorais, sem prejuízo da possibilidade de aperfeiçoamento do processo.

Assassinato de ativista 

Uma nota comum nos relatórios preliminares das missões de observação é a condenação aos incidentes registados durante o processo eleitoral, incluindo o assassinato de um ativista da sociedade civil em Gaza, Anastácio Matavel, e a exigência para o rápido esclarecimento dos casos registados.

Mário Mendão, coordenador do grupo de observadores da CPLP, disse que a missão de observação da CPLP se junta à sociedade civil moçambicana "no apelo às autoridades judiciais para o pleno esclarecimento das responsabilidades dos graves incidentes ocorridos durante o período da campanha eleitoral, designadamente dos episódios de violência".

Moçambique: "Desigualdade durante campanha foi evidente"

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