França e oito países africanos acabam com o franco CFA
com agências
23 de dezembro de 2019
Acordo da UEMOA substitui a moeda do tempo colonial que circulava na África Ocidental por uma nova moeda, o "eco". Medida atinge oito países e mantém o vínculo do antigo CFA com o euro.
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Países da África Ocidental anunciaram em Abidjan, no sábado (21.12), a extinção do franco CFA [Communauté Financière Africaine]. A moeda apoiada pela França foi criada em 1945, no período colonial. Os países francófonos da região e a Guiné-Bissau farão circular a partir de 2020 uma nova moeda única, o "eco" – que deverá ser adotado pela Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Conhecido como "o franco das colónias francesas de África" - dos oito países signatários apenas a Guiné-Bissau não cabe nesta definição, por ter sido colonizada por Portugal - o franco CFA era criticado como uma relíquia da era colonial.
O anúncio da extinção da moeda foi feito pelo presidente da Costa do Marfim, Alassane Outtara, ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, que estava em visita ao país africano.
"Decidimos uma reforma do franco CFA com três alterações principais, entre as quais a mudança de nome", "o fim da centralização de 50% das reservas no Tesouro francês" e "a retirada de França das instâncias de governação em que está presente", explicou Ouattara
O presidente marfinense anunciou a mudança em nome dos integrantes da União Económica e Monetária dos países da África Ocidental (UEMOA). Macron classificou a iniciativa como "histórica". "O eco terá vida em 2020, congratulo-me com isso", disse Macron, assumindo que a França quer uma relação "descomplicada" com a região.
Vínculo com o euro permanece
Vigoram em África dois CFAs diferentes. Além do que circulava na África Ocidental, há também o franco CFA dos países da África Central, adotado por Guiné Equatorial, Gabão, Camarões, Congo Brazzaville, Chade e República Centro-Africana. A sede do banco da África Central é Yaoundé, capital dos Camarões.
França e oito países africanos acabam com o franco CFA
Desde 1945, as duas moedas mantêm um valor de câmbio fixo, vincluado ao franco francês. Quando a França adotou o euro, o CFA passou a ter um valor fixo em relação à moeda europeia - 655,957 francos CFA. O banco central da França continuou a influenciar o valor das duas moedas que circulavam em África. Não há planos para desvincular o eco do euro.
A nova medida fará com que a França, antiga potência colonial, retire-se dos comités da moeda comum da África Ocidental. A diretora-executiva do FMI elogiou o fato de a reforma monetária ter mantido elementos de estabilidade, tais como estar ligada ao euro. Para Kristalina Georgieva isso será uma vantagem para a região.
Um erro profundo
O Presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu que o colonialismo foi um erro profundo e que a moeda é uma demanda da comunidade africana. "Eu entendo o que os jovens africanos e a comunidade empresarial africana estão a dizer. Eu entendo que nossas diásporas também pedem que avancemos nesta questão.", disse Macron.
Na conferência de imprensa, ao lado de Ouattara, o chefe de Estado francês disse que "demasiadas vezes, a França é percebida como tendo "um olhar de hegemonia e de "colonialismo ridículo", que foi um erro profundo, uma "falta da República" francesa.
Quando concorria para a presidência francesa, Macron disse que o colonialismo "faz parte do passado", mas deve ser olhado "de frente". Ele defendeu que se peça "desculpa" aos que foram alvo do regime colonial.
As artes como arma anticolonial
A luta contra o colonialismo fez-se em várias frentes. Uma caneta, uma música e um pincel também podem ser uma arma. Recordamos algumas figuras que fizeram da arte o seu grito de revolta contra o regime vigente.
Foto: Casa Comum/ Documentos Malangatana
Amílcar Cabral, o "Chefi di Guerra" que era poeta
Nasceu na Guiné, mas o percurso e luta dividiu-se entre o país natal e Cabo Verde. Promotor da cultura e educação, que via como partes integrantes do processo de revolução. O poeta português Manuel Alegre descreveu-o como” o mais inteligente, o mais criativo e o mais brilhante de todos os dirigentes da luta de libertação dos povos africanos".
Foto: casacomum.org/Documentos Amílcar Cabral
Deolinda Rodrigues: As mulheres também lutam
Langilia era o nome de guerra de Deolinda Rodrigues (no canto superior direito da foto) contra o império colonial. Perdeu a vida pela causa que defendia. É também um símbolo feminista – é ela a origem do Dia da Mulher Angolana. Excerto de um dos seus poemas: "Mamã África geraste-me no teu ventre, nasci sob o tufão colonial, chuchei teu leite de cor, cresci, atrofiada, mas cresci".
Foto: Casa Comum/Fundo Mário Pinto de Andrade
Mário Pinto de Andrade e a identidade africana
Passou grande parte da sua vida exilado, o que não o impediu de ser uma das grandes vozes dos nacionalismos africanos e do pan-africanismo. Idealista, acaba por deixar o MPLA, partido que fundou, por não se identificar com o rumo tomado. Em 1953, com o são-tomense Francisco Tenreiro, organizou o volume "Poesia Negra de Expressão Portuguesa", um testemunho da expressão africana dentro da lusofonia.
Foto: DW/J. Carlos
As "três Marias": Denunciar o Estado Novo internacionalmente
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho Costa escreveram "As Novas Cartas Portuguesas", que denunciava a repressão do regime, especialmente no que dizia respeito às mulheres. O livro foi censurado e as autoras levadas a tribunal. O caso teve grande repercussão internacional, com várias manifestações em sua defesa e contra o regime ditatorial em Portugal.
Foto: privat
José Luandino Vieira: Consciência nacionalista
É um dos grandes da literatura angolana. A sua obra reflete a consciência nacionalista, não foi por acaso que adotou um pseudónimo que inclui o nome "Luandino". Lutou pelo MPLA. Foi um dos que foram presos na sequência do conhecido "Processo dos 50". Esteve vários anos preso, incluindo no Tarrafal. Venceu o prémio Camões, o mais importante para escritores de língua portuguesa, que recusou.
Foto: Imago/GlobalImagens
Zeca Afonso: A voz da revolução
Português, com a infância passada entre Angola e Moçambique. Voz incontornável da música de intervenção contra a ditadura e o colonialismo. A sua música "Grândola Vila Morena" foi um dos sinais para dar início à Revolução dos Cravos. É reconhecido internacionalmente e as suas músicas permanecem um símbolo da luta contra regimes opressivos.
Foto: Casa Comum/Arquivo Mário Soares
Alda do Espírito Santo: "Independência total"
Figura mítica do nacionalismo são-tomense (à esquerda na foto), não fora ela a autora da letra do hino nacional onde por várias vezes reclama a "Independência total". A sua poesia é um elogio à sua terra e ao seu povo. Em Lisboa conviveu com intelectuais como Mário Pinto de Andrade e Amílcar Cabral, na famosa Casa dos Estudantes do Império.
Foto: Casa Comum/Fundo Mário Pinto de Andrade
Malangatana: O herói moçambicano
Esteve 18 meses preso pelos ideais anticolonialistas que defendia. Os anos de cárcere estariam depois presentes também presentes nos seus trabalhos. É conhecido internacionalmente pela pintura, mas também explorou outras formas de expressão como a escultura, cerâmica e a tapeçaria. Em 1997 foi nomeado pela UNESCO "artista pela paz".