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"FRELIMO devia ter sido ilegalizada", diz ativista

2 de novembro de 2021

A FRELIMO organizou encontros em que aparentemente viola os decretos no contexto da Covid-19. Para a ativista Quitéria Guirengane, tais atitutes denotam "um peso, duas medidas" e que a elite tem tratamento privilegiado.

Mosambik Plakat der Partei Frelimo
Foto: picture-alliance/AP

Em Moçambique, o partido que governa organizou recentemente dois encontros em que aparentemente viola os decretos presidencias no contexto da Covid-19. Nas imagens do evento da Organização Juventude Moçambicana, próxima à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a sala estava completamente repleta, e na I sessão extraordinária do comité do partido a regra de distanciamento social poderia ter sido melhor respeitada.

O decreto Nº86/2021, por exemplo, no seu artigo 16, ponto número 7, é claro: "É autorizada a realização de eventos sociais privados, cujo número de participantes não deve exceder 50 a 100 pessoas em locais fechados e abertos, respetivamente, não devendo exceder a lotação de 30% da capacidade máxima do local, em observância rigorosa do protocolo sanitário para a prevenção da Covid-19".

Também na foto coletiva que reuniu dezenas de pessoas, nenhum dos membros usava máscara.

Em entrevista à DW, a ativista política e social Quitéria Guirengane afirma que o partido FRELIMO "já devia ter sido ilegalizado", uma vez que "é um partido que está à margem do estado de direito democrático".

DW África: As atitudes da FRELIMO deixam subentender ao povo que vale o lema "faz o que eu digo e não o que eu faço"?

"É uma questão de consciência cívica e dignidade humana", salienta ativistaFoto: privat

Quitéria Guirengane (QG): Este tipo de cenário, que nos cria grande onda de indignação nacional, somos confrontados diariamente. Não posso dizer que nos estamos a acostumar, porque jamais nos devemos acostumar com esse exibicionismo, com este 'um peso, duas medidas', este tratamento desigual. Aqui os cidadãos moçambicanos são gozados. É uma situação conflituosa que mostra que o sacrifício que tem sido exigido pelo Estado, no âmbito da pandemia, aos cidãdãos e cidadãs da classe trabalhadora não é o mesmo tipo de tratamento que gozam as elites. Nós vivemos num país onde as senhoras do setor informal, que alimentam a economia nacional, veem as suas mercadorias injustamente arrancadas pela polícia municipal em nome da prevenção da Covid-19. Contrariamente, as elites neste momento frequentam praias, têm acesso a bares de forma previligiada, reuniões abarrotadas, tudo muito distante das medidas de prevenção. É uma questão de saúde pública, é uma questão de bom senso, mas também uma questão de consciência cívica e dignidade humana.

DW África: E são recorrentes as violações e desrespeito do partido que Governa para com o povo moçambicano....

QG: Não só neste encontro da Organização Juventude Moçambicana (OJM). Nós vemos que as medidas não são consideradas. Mas também assistimos isso num passado muito recente, na comemoração do Dia da Juventude, quando a Secretaria de Estado da Juventude e Emprego foi reunir-se [no dia 12 de agosto] em Pemba, mobilizando uma série de pessoas desnecessárias de Maputo e de outras províncias para fazer até uma fogueira. Incluindo líderes comunitários, juventude ligada ao partido no poder e não só. Fizeram isso numa altura em que nem encontros de 50 pessoas eram permitidos. Mas essas eleites predadoras, que geralmente "dividem o bolo ainda no forno", têm acesso previligiado a direitos que outros cidadãos não têm e sem nenhum sentido de responsabilidade quanto ao que é exigido aos outros.

"É um partido que está à margem do estado de direito democrático", diz ativistaFoto: Marco Longari/AFP/Getty Images

DW África: Não será contraproducente esses maus exemplos no contexto dos esforços de combate à propagação da Covid-19?

QC: Mostra claramente que estamos ausentes de exemplo, mas também de liderança. O país está à deriva. A juventude sente que naqueles onde poderia ir buscar um modelo, aqueles que se afirmam muitas vezes como um exemplo de estabilidade do país, estão à deriva há bastante tempo. Um cidadão comum ao se espelhar em pessoas que não cumprem [as medidas], sente-se injustiçados quando são detidos por conta de práticas que acabam por ser costumeiras por parte das eleites que dirigem [o país]. 

DW África: Uma ação contra o partido FRELIMO, pelo violações que têm estado a cometer, teria efeito?

QC: O partido FRELIMO já devia ter sido ilegalizado há bastante tempo. É um partido que está à margem do estado de direito democrático, que não cumpre com aquilo que é a nossa Constituição. Estamos a ser governados por cidadãos que não têm nenhuma moral para estar à frente dos destinos deste país. Dá-nos muita pena que tenhamos de conviver com todas essas ilegalidades. E sim, é hora dos cidadãos entenderem que é crime, reiventarem formas de manifestação e de posicionamento político. Aliás, o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas, na interpretação do direito à manifestação previsto no pacto internacional de direitos civis e políticos, já havia dito que a pandemia não podia ser um motivo para restringir o direito à manifestação aos cidadãos.

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