Fuga de cérebros: Cada vez mais angolanos deixam o país
Manuel Luamba
16 de fevereiro de 2023
Há cada vez mais angolanos a emigrar para o estrangeiro em busca de uma vida melhor. Portugal e Brasil são os principais destinos. Porque é que se assiste a esta "fuga de cérebros"? A DW foi à procura de respostas.
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Todos os dias saem cidadãos de Angola em busca de uma vida melhor fora do país. A alta taxa de desemprego jovem (56,7%) é uma das razões que leva muitas pessoas a emigrar. Mas há outros motivos para esta "fuga de cérebros", diz o especialista em assuntos internacionais Nkinkinamo Tussamba.
"Quando você tem emprego, você não ganha em condições. Os professores, por exemplo, até hoje continuam a reclamar e isso vai impulsionando os cidadãos a sair do país", explica.
Além disso, ainda há muitos problemas no acesso à educação e à saúde. "A questão da falta de atendimento nos hospitais públicos, a ausência de quadros qualificados nos hospitais e a falta de material para que aquele médico ou enfermeiro qualificado possa realmente atender condignamente o paciente", exemplifica Nkinkinamo Tussamba.
Longa lista de problemas
A lista de problemas é grande. É por isso que cada vez mais cidadãos deixam o país.
Segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal, nos últimos cinco anos, a comunidade angolana quase duplicou. No ano passado viviam em Portugal mais de 30 mil angolanos; em 2017, eram menos de 17.000.
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Nos últimos meses, terão também aumentado as solicitações de cidadãos angolanos para entrar no Brasil. De acordo com o consulado do Brasil em Angola, houve mais de 12 mil pedidos de visto de outubro de 2022 a janeiro deste ano.
Vida lá fora "não é um mar de rosas"
Mas a vida fora do país não é um mar de rosas, lembra Esperança Viegas. A cidadã angolana, a morar em Portugal, diz que, no estrangeiro, há compatriotas que chegam a viver "situações piores" do que no próprio país.
"Na expetativa de encontrar melhores condições sociais do que aquelas que se vive em Angola, tem havido cada vez mais indicadores que dão conta de angolanos a viverem em situação irregular, que têm a ver com a situação de regularizar a sua situação de emigrante, resultando assim na falta de emprego e situações precárias", conta.
Angola só fica a perder com esta "fuga de cérebros", comenta Nkinkinamo Tussamba. Mas, segundo o especialista, muitos jovens deixaram de ter esperança: "Sobretudo nas instituições públicas e isso, por si só, denota um ponto negativo."
Como possível solução, Tussamba aponta a adoção de políticas públicas para melhorar os setores da educação e da saúde. Além disso, criar mais postos de trabalho será fundamental para impedir que os jovens saiam do país.
Angola: Jovens desempregados marcham em Luanda
O elevado índice de desemprego levou os jovens angolanos novamente às ruas. Durante a caminhada de sábado (08.12) os "kunangas", nome atribuído aos desempregados, exigiram políticas para a criação de postos de trabalho.
Foto: DW/B. Ndomba
Caminhar por mais emprego
Onde estão os 500 mil empregos que o Presidente da República, João Lourenço, prometeu durante a campanha eleitoral de 2017? Foi uma das questões colocadas pelos jovens desempregados que marcharam nas ruas de Luanda. A marcha decorreu sob o lema "Emprego é um direito, desemprego marginaliza".
Foto: DW/B. Ndomba
Apoio popular
Populares e vendedores ambulantes apoiaram o protesto deste sábado, que foi também acompanhado pelas forças de segurança. Participaram na marcha algumas associações como o Movimento Estudantil de Angola (MEA) e a Associação Nova Aliança dos Taxistas. Os angolanos que exigem criação de mais postos de trabalho marcharam do Cemitério da Sant Ana até ao Largo das Heroínas, na Avenida Ho Chi Minh.
Foto: DW/B. Ndomba
Níveis alarmantes
O Governo angolano reconhece que o nível de desemprego é preocupante no país. 20% da população em idade ativa está desempregada, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados no ano passado. Os jovens em Angola são os mais afetados - 46% não têm emprego.
Foto: DW/B. Ndomba
Palavras de ordem
Os manifestantes exibiram vários cartazes com mensagens dirigidas ao Presidente e ao Governo: "João Lourenço mentiroso, onde estão os 500 mil empregos?", "Ser cobrador de táxi não é minha vontade" e "Por kunangar perdi respeito em casa”, foram algumas das questões levantadas.
Foto: DW/B. Ndomba
Estágios, inclusão e subsídios
Além de empregos, os manifestantes exigem políticas de estágio - para que os recém formados tenham a experiência exigida pelas empresas – e programas que beneficiem pessoas com deficiência física. Este sábado, pediram também ao Governo que atribua subsídio de desemprego aos angolanos que não trabalham.
Foto: DW/B. Ndomba
Sem perspetivas de trabalho
O índice do desemprego piorou com a crise económica e financeira em Angola, desde 2015. O preço do crude caiu no mercado internacional, e, como o país está dependente das exportações de petróleo, entraram menos divisas. Muitas empresas foram obrigadas a fechar as portas e milhares de cidadãos ficaram desempregados.
Foto: DW/B. Ndomba
Formados e desempregados
Entre os manifestantes ouvidos pela DW África em Luanda, histórias como a de Joice Zau, técnica de refinação de petróleo, repetem-se. Concluiu a sua formação em 2015 e, desde então, não teve quaisquer oportunidades de emprego: "Já entreguei currículos em várias empresas no ramo petrolífero e nunca fui convocada", conta. Gostaria de continuar a estudar, mas, sem emprego, são muitas as dificuldades.
Foto: DW/B. Ndomba
É preciso fazer mais
Para a ativista Cecília Quitomebe, o Executivo está a "trabalhar pouco para aquilo que é o acesso ao emprego para os jovens". No final da marcha, a organização leu um "manifesto" lembrando que a contestação à política de João Lourenço começou a 21 de julho, quando o mesmo grupo de jovens exigiu mais políticas de emprego. Na altura, a marcha realizou-se em seis cidades. Este sábado, ocorreu em 12.