Em entrevista à DW, Fátima Mimbiri, do Movimento Civico sobre o Fundo Soberano, diz ser prematuro fazer previsões quando há incertezas sobre projetos de gás no Rovuma. Produção depende da estabilidade em Cabo Delgado.
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O Governo moçambicano projeta a transferir cerca de 30 milhões de euros por ano, até 2027, para o Fundo Soberano de Moçambique (FSM). No entender do Movimento Civico sobre o Fundo Soberano, "só pode ser uma previsão baseada nas bastante singelas receitas" de uma pequena parte dos investimentos no setor do gás.
O fundo soberano funciona como um tipo de reserva financeira, que pode servir de apoio ao país durante, por exemplo, uma crise fincaneira. Os recursos do fundo também podem ser usados para financiar projetos e obras que visem melhorar a qualidade de vida da população.
Ainda que o Estado tenha arrecadado 87,4 milhões de euros do setor no primeiro trimestre deste ano, os cálculos do Governo continuam a depender de uma variável: a estabilidade em Cabo Delgado. A província do norte, onde são explorados os recursos, é palco de terrorismo que já paralizou as atividades de uma multinacional.
Nesse sentido, não seria prematuro fazer previsões a contar com algo instável? Em entrevista à DW, Fátima Mimbiri, do Movimento Civico sobre o Fundo Soberano, explica que sim: é prematuro fazer previsões, sobretudo, quando ainda há incertezas quanto aos projetos da bacia do Rovuma.
DW África: Os planos do Governo dependem de uma variável: a estabilidade em Cabo Delgado. Não seria prematuro fazer previsões a contar com algo instável?
Fátima Mimbiri (FM):A começar, é prematuro fazer qualquer previsão agora pelo fato de que os projetos da bacia do Rovuma ainda estão numa fase, digamos, incerta. Os principais, porque neste momento têm um projeto pequeno. E, muito provavelmente, esses dados que estão a ser avançados agora, são baseados num projeto que existe, que é o projeto da FLNG da ENI. Em relação aos demais projetos, a Total ainda tem de terminar a força maior e declarar o reinício das atividades. E tudo isto está dependente, eventualmente, de acordos da situação de estabilidade em Cabo Delgado. E, depois, tem a própriaExxon Mobil, que anda muito indecisa relativamente ao avanço dos projetos. Portanto, esta previsão que está a ser feita só pode ser baseada nas bastante singelas receitas de hão de vir do projeto da FNLG, e não da globalidade dos projetos de petróleo e gás da bacia do Rovuma. E, isso, por razões óbvias de incerteza relativamente ao seu retorno com base a uma situação atualmente vigente de instabilidade.
DW África: Então o Governo está a fazer previsões que não são realistas?
FM:Eu não posso concluir nesses termos, porque se for baseado no projeto só do gás, sim. Agora, o que tem de ser dito de forma clara é até que período é que só teremos as receitas do projeto da FNLG, porque neste momento só temos um dado adquirido, que é o projeto da FNLG e não temos os dados relativamente aos outros dois projetos. E depois tem também a questão não resolvida dessa Sasol. Nunca ninguém incluiu ou equacionou a Sasol nessa história toda, e estou a falar dos projetos de gás de Inhambane. É verdade que há um argumento de que o projeto atual de Pande e Temane já está dentro da matriz de receitas que são pagas ao Estado. Mas tem ali um novo plano de desenvolvimento ligado à exploração do petróleo leve, e isto não está a ser abordado de forma transparente, de forma clara. Qual vai ser a contribuição deste projeto e se este projeto é classificado como novo projeto, ou vai ser classificado como projeto já em implementação? Embora este projeto ainda não esteja a gerar receitas para o Estado. Ele vai gerar, depois de ter sido aprovada a Lei do Fundo Soberano.
DW África: O Fundo Monetário Internacional (FMI) considerou a criação do Fundo como um passo importante para garantir uma gestão transparente e sólida dos recursos naturais. Mas os mecanismos de funcionamento da instituição estão em condições de garantir essa tão propalada transparência?
FM: Nós, de forma muito reiterada, já temos estado a levantar sérias preocupações relativamente a isto, devido ao fato de que o Banco de Moçambique - que vai ser o gestor operacional - não se mostrou ao longo dos anos ser uma instituição transparente, e esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é que nós estamos já com a lei, o regulamento aprovado, e até o momento não sabemos como é que o próprio Banco de Moçambique está estruturado e organizado para fazer a gestão do Fundo Soberano. E isso é crítico do ponto de vista de transparência, porque se é uma gestão separada do banco, significa que a esta altura já deveríamos saber qual é a estrutura que está a ser criada e qual é o processo para a seleção dessas pessoas que não são necessariamente funcionários do banco para fazer a gestão do fundo Soberano. Então, começamos a ter desafios de questões de transparência. Há, de início, quando o próprio banco, depois de termos já a lei, o regulamento (portanto, a lei já em vigor) ainda não se pronunciou. Nem publicamente e nem em atos, pelo menos atos públicos, sobre como é que se está a organizar.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.