Mina de carvão ameaça contaminar água de Moçambique
Lusa | nn
27 de julho de 2019
Um megaprojeto de extração de carvão a sul do Parque Nacional Kruger (PNK), na África do Sul, ameaça afetar a maior reserva mundial de vida selvagem e contaminar o abastecimento de água a Moçambique.
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"O rio Crocodile está a ser submetido a enorme pressão com a captação de água por várias fontes, nomeadamente indústria, agricultura e uso doméstico, e a introdução de mais um projeto mineiro neste sistema sob condições de stress hídrico terá consequências catastróficas não só para o ambiente como também para todos os habitantes na região e atividades económicas relacionadas", afirma John Davies, do Endangered Wildlife Trust, na edição desta sábado (27.07) do semanário Saturday Star.
O especialista em conservação da vida selvagem sublinha que "esta fonte hídrica é também vital para Moçambique e a redução do caudal do rio Crocodile irá afetar os acordos bilaterais existentes entre a África do Sul e Moçambique para a utilização e partilha dos recursos hídricos".
Segundo o jornal, que se publica em Joanesburgo, em causa está o licenciamento de um megaprojeto mineiro da empresa sul-africana Manzolwandle Investments, com sede em Malahleni (antiga Witbank), província de Mpumalanga, para a extração de carvão e derivados numa vasta área de 17.975 hectares de fazendas agrícolas e destinos turísticos situados entre o Parque Nacional Kruger e Komatipoort, junto à fronteira com Moçambique.
Rio fornece água a animais e pessoas
A mina prevê produzir anualmente cerca de 20 milhões de toneladas de carvão, para o qual irá utilizar aproximadamente 11.62 mil milhões de litros de água por ano, segundo dados avançados por Cindy Benson, da Associação de Moradores de Marloth Park, uma das localidades adjacentes ao parque Kruger que será afetada pelo proposto projeto mineiro. "A principal ameaça é o impacto que esta mina de carvão terá na nossa água [potável]", salienta.
"O rio Crocodile não abastece apenas os animais, alimenta também todas as pessoas e comunidades nesta área. (...) Não existe água potável para todos porque os rios têm muito pouca água e ainda assim querem destruir ainda mais o rio", adianta Cindy Benson.
Já Francois Rossouw, do grupo agrícola Saai, alerta que "a quantidade de água para a mina operar irá diminuir significativamente os lençóis de água das fazendas adjacentes e afetar a irrigação dos campos agrícolas ao longo de 300 quilómetros junto ao leito do rio".
"Julgo que não é responsável conceder uma licença de mineração na África do Sul que afete a qualidade de água em Moçambique. Tencionamos abordar com as autoridades moçambicanas o impacto que esta mina terá no lado deles", salientou.
Francois Rossouw diz tratar-se de uma área agrícola "de elevada intensidade", questionando "porque é que querem [o governo] colocar uma mina de carvão numa das áreas mais bonitas do país? "Tencionamos recorrer à Justiça se necessário", afirma.
Empresa irredutível
Todavia, Raymond Zulu, da direção da empresa Manzolwandle Investments, insiste na continuidade do projeto. "Os únicos a queixarem-se são os brancos. Alguns nem sequer moram em Marloth Park. Estão na Austrália, em Inglaterra, em Joanesburgo e na América. Nós vamos começar a extrair [carvão] a cerca de 12 quilómetros de Marloth Park", afirma o diretor da empresa.
"As pessoas que nos apoiam são negros. Estão com fome e nós temos que começar a desenvolver as suas vidas e lugares da maneira certa. O Kruger é longe do sítio onde vamos extrair [carvão]. Não posso comentar sobre quem se importa mais com os animais do que com seres humanos", adiantou Raymond Zulu ao jornal sul-africano.
"O que ele [Raymond Zulu] não diz é como esta mina vai arruinar centenas de postos de trabalho nos setores da hospitalidade, turismo e da agricultura, que são as maiores fontes de rendimento financeiro e económico em Mpumalanga. Quem é vai querer visitar Marloth Park, Ngwenya e o Kruger com uma mina de carvão à porta?", pergunta Cyndy Benson.
Novos dados da Fundo Mundial da Natureza (WWF) indicam que a caça furtiva de elefantes e rinocerontes em Moçambique multiplicou-se. Em algumas zonas do país, o número de carcaças aumentou até seis vezes.
Foto: STEPHANE DE SAKUTIN/AFP/Getty Images
Carcaças de elefantes em Niassa triplicam
Novos dados da WWF indicam que a caça furtiva de elefantes e rinocerontes em Moçambique multiplicou-se. O número de carcaças de elefantes é seis vezes superior em certas áreas do país. Dados preliminares indicam que a caça furtiva na Reserva Nacional do Niassa, fez com que o número de carcaças estimado em contagens aéreas triplicasse, de cerca de 756 em 2011 para 2.365 em 2013.
Foto: E. Valoi
Armas da polícia moçambicana usadas
O relatório afirma que, apesar do número de armas apreendidas estar a aumentar, muitas destas pertencem a instituições de segurança moçambicanas. Um dos exemplos apontados indica que uma das armas da polícia moçambicana em Masssingir foi apreendida três vezes consecutivas em atividades de caça furtiva no Parque Nacional do Limpopo.
Foto: E. Valoi
Rinocerontes moçambicanos extintos
Segundo o estudo, a caça furtiva levou à extinção das populações de rinoceronte em Moçambique no ano passado, com a morte dos últimos 15 rinocerontes no final de 2013. As autoridades acreditam agora que a maioria dos caçadores opera a partir da zona do Limpopo, área que faz fronteira com Parque National Kruger na África do Sul.
Foto: picture alliance/WILDLIFE
Elefantes da Reserva do Niassa sob ameaça
A população de elefantes de Moçambique concentra-se, na sua maioria, na Reserva Nacional do Niassa e no distrito de Mágoè, além das zonas transfronteiriças. Mas dados preliminares indicam que a caça furtiva na Reserva Nacional do Niassa fez com que o número de carcaças, estimado em contagens aéreas, triplicasse de cerca de 756 em 2011, para 2.365 em 2013.
Foto: E. Valoi
Quirimbas também sob ameaça
Também noutras áreas tem aumentado a caça de elefantes. Em novembro do ano passado, a WWF Alemanha financiou uma contagem áerea no Parque Nacional das Quirimbas. Um em cada dois elefantes avistados era um carcaça, num total de 811. Este número é seis vezes superior às contagens de 2011, onde o número de carcaças contabilizado era 119. Na foto: um elefante morto na Reserva do Niassa.
Foto: Estácio Valoi
Capacidade de deteção continua fraca
O relatório acrescenta que a capacidade das autoridades moçambicanas em detetar marfim nos portos e aeroportos do país é fraca (na foto: guardas da Reserva do Niassa). No entanto, as apreensões aumentaram um pouco: em 2013 foram apanhados cerca de 20 chifres de rinocerontes no Aeroporto de Maputo. No primeiro trimestre de 2014, já se contabilizam 6 chifres de rinoceronte apreendidos.
Foto: E. Valoi
Aumento da procura nos mercados asiáticos
A WWF acredita que o aumento da caça está relacionado com o incremento da procura nos mercados asiáticos, onde o chifre de rinoceronte é usado na medicina tradicional asiática, uma vez que é considerado um ingrediente essencial. O marfim, por sua vez, é visto como uma raridade e um item de luxo, algo muito prezado nas classes emergentes chinesa e vietnamita.
Foto: E. Valoi
Moçambicanos incriminados no Kruger
Em meados de junho de 2014, apareceram cartazes populares na zona da fronteira do Parque Nacional Kruger com Massingir que acusam Moçambique de ser o principal responsável pela morte dos animais na reserva sul-africana. Os cartazes revindicavam ainda a reconstrução da cerca que marca a fronteira entre os dois parques. Só nos primeiros meses do ano, foram presas 57 pessoas e mortos 266 animais.
Foto: JON HRUSA/AP/dapd
Patrulhas do Kruger matam caçadores
Nos últimos anos tem aumentado o número de incidentes entre caçadores furtivos e os guardas-patrulha do Parque Nacional Kruger da África do Sul, acabando muitas vezes com a morte ou prisão dos caçadores furtivos. Segundo a polícia de Moçambique, morrem, por mês, dois jovens moçambicanos por causa da caça furtiva.