Apesar da crise financeira em Moçambique, a multinacional italiana ENI está a construir uma fábrica flutuante de liquefação de gás na Bacia do Rovuma, norte do país. Mas empresários moçambicanos queixam-se de exclusão.
Publicidade
A crise que Moçambique enfrenta não vai influenciar nas decisões de investimento das grandes petrolíferas na exploração dos recursos naturais do país, considera a consultora britânica Business Monitor Internacional (BMI), do grupo Fitch.
Apesar de as finanças públicas estarem pressionadas, as grandes multinacionais têm capacidade para manter a aposta no país, lê-se no mais recente relatório sobre Petróleo e Gás em Moçambique, citado pela agência de notícias Lusa.
02.02 Investir no sector do gás apesar da crise em Moçambique - MP3-Stereo
Exemplo disso é a decisão final de investimento do consórcio da ENI no projeto Coral Sul, na Bacia do Rovuma, na província de Cabo Delgado.
A multinacional italiana já está a construir uma fábrica flutuante de liquefação de gás na bacia do Rovuma.
"A ENI East Africa efetuou uma campanha de pesquisas sísmicas que veio a confirmar uma grande quantidade de hidrocarbonetos nesta área. Estamos a falar de quantidades que excedem os 85 triliões de pés cúbicos", revelou a coordenadora de projetos Jocelyne Machevo.
Moçambicanos queixam-se de exclusão
A ENI já lançou um concurso público para que as empresas nacionais prestem serviços. No entanto, muitas empresas nacionais continuam a queixar-se de exclusão nos concursos por não terem capacidade para prestarem serviços.
Mas Rogério Samo Gudo, da Confederação das Associações Económicas (CTA), não tem dúvidas: "Existe uma muito boa capacidade local. Temos novas metalomecânicas", salientou durante a conferência sobre óleo e gás que decorreu esta terça-feira (31.01), em Maputo.
A ENI não fecha portas às empresas moçambicanas interessadas na prestação de serviços à companhia, "desde que corresponda a todos os requisitos, em função do concurso" lançado, explica Nelsa Mualeite, que coordena a qualificação de fornecedores na ENI.
A CTA entende que esta vontade da ENI em investir em Moçambique poderá melhorar o desempenho da economia em 2017, tal como advinha o presidente da agremiação. "É necessário uma aposta em infraestruturas, mas também é preciso envolver maior número de operadores nacionais", defende Agostinho Vuma.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.