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Cultura

"Balenti" Rocha larga as armas, mas deixa legado e saudades

31 de outubro de 2019

O nosso Nº 2 reformou-se este mês, depois de 33 anos de DW. É consensual para nós: António Rocha só deixou boas lembranças na redação de Português para África, como profissional e como ser humano. Adeus "nhacu homi"...

António Rocha, ex-chefe adjunto da redação de Português para África da DWFoto: DW

A 17 de outubro, o jornalista e chefe adjunto de redação António Rocha despediu-se dos nossos ouvintes e internautas, lendo as suas mensagens na emissão da noite. É uma voz certamente familiar a muitos dos que ouvem os programas de rádio da DW África.

Mas o dono dessa voz foi mais do que isso. António Rocha foi o garante de que cada emissão que ouviu, artigos onlines que leu e vídeos que assistiu fossem publicados. Era ele quem coordenava os trabalhos. Depois de 33 anos ao serviço da DW, o nosso número dois e editor da redação de Português para África arrumou as chuteiras.

Rocha, o nome que desencadeia um "dilúvio"

Lágrimas marcaram o fecho de um ciclo da vida do Rocha. Com voz embargada, a colega Beatriz Brücken faz vários desejos: "Meu querido colega dos PALOP, eu desejo na tua nova etapa muita alegria e muita música, coladera, funanás e jazz, que eu sei que tu gostas. Adeus da tua colega da DW, mas não um adeus privado que nós vamo-nos encontrar. Mil beijos e abraços, e muito carinho que temos um pelo outro, os kotas da redação, tchau, um beijo."

António Rocha (o 5º a contar da esq. para dir.) com os colegas da redação em 1991Foto: DW/C.Becker-Rau

Mas a "Bea" não foi a única a desfazer-se em lágrimas na hora do adeus ao nosso cabo-verdiano preferido. A colega Madalena Sampaio era igualmente uma mulher "ensopada" em lágrimas. Para ela, o Rocha "é aquela figura que toda a redação sonha ter. Sempre nos transmitiu sabedoria, conhecimento, calma desde o momento em que começámos como estagiários até continuarmos como jornalistas. Sempre esteve a aconselhar-nos e nós só ficávamos descansados quando o Rocha chegava a redação."

Em suma, ele era um dos pilares do nosso "quartel-general". Essa imagem do general, como era carinhosamente apelidado por alguns correspondentes, difundiu-se além fronteiras. Nos PALOP, os nossos correspondentes, com quem ele lidava diariamente na coordenação das emissões e não só, apreciam-no por estas e outras qualidades.  

"Ó jovem, já terminaste isso, meu?"

António a fazer uma entrevista em Moçambique, em 2002Foto: Antonio Rocha

Que colega não conhece essa tirada do Rocha na hora do aperto?

Para Romeu da Silva, um dos correspondentes em Moçambique, "trabalhar com o Rocha foi uma outra experiência, aprendi que a humildade faz-nos crescer - e de forma muito rápida até. Ele tinha, acima de tudo, muito paciência, estava sempre pronto a corrigir seja o que fosse."

Foram mais de de 10 anos de relação profissional, que lhe fizeram perceber claramente que o "general" tinha também "muita paciência com aqueles correspondentes que, na hora de tentar enviar um trabalho, enfrentassem um problema ou dificuldade. Ele era capaz de dar a volta ao alinhamento do jornal por conta da dificuldade que nós, os correspondentes, às vezes enfrentamos no terreno".

Por isso, Romeu está certo de que o "general" Rocha "vai fazer muita falta."

"Sabe sobre tudo um pouco, mas sobre algumas coisas sabe muitíssimo"

António Rocha deixou marcas na redação. Para o colega Guilherme Correia da Silva, "o António é daquelas pessoas interessadas pelo mundo, interessada em fazer perguntas e que me passou também esse gosto de procurar sempre saber mais, investigar mais e ouvir."

Como um livro, o "general" é "daquelas pessoas que sabe sobre tudo um pouco, mas sobre algumas coisas em particular sabe muitissímo. Ele viveu tempos históricos e ele falava sobre esses temos, de vez em quando", recorda.

E todos nós gostavamos de ouvir o Rocha falar sobre factos históricos que viveu, como homem e jornalista. Era num estilo que roçava muito o espírito da oralidade africana, embora sem a simbólica fogueira. Os mais novos, a maioria na redação, através da sua imponente voz, viajavam no tempo.

António Rocha (3º da dir. para esq.) com os colegas da redação em 2009Foto: DW

Livro e música

Há colegas mais velhos que também apreciam esse saber do "Toy", como também é chamado entre os colegas mais velhos. Juvenal Rodrigues trabalhou por longos anos ao lado dele e é hoje correspondente da DW em São Tomé e Príncipe.

O Juju, como é carinhosamente tratado pelo Rocha, advinha os próximos momentos do "Toy": "Francamente, creio que, num primeiro momento, o Rocha vai descansar e rever algumas coisas. Suponho que, por exemplo, ele teria elementos suficientes para escrever um livro. Não sei se seria de memórias ou não, nunca falámos disso. Vejo-o a dedicar-se às filhas, porque os outros já têm as suas vidas mais ou menos organizadas e a desfrutar desse período que ele conquistou por direito."

Estará o Juvenal Rodrigues longe da realidade? Folhear uma obra de António Rocha seria provavelmente, para os colegas, uma das formas de o imortalizar no nosso dia a dia de redação.

De qualquer forma, sempre podemos manter o Rocha por perto, escutando mornas, funanás e não só, o "chefe", como também era chamado, tinha um ouvido muito internacional. Diversas vezes aparecia à nossa porta a abanar alguma novidade musical e dizia "muito bom, vai escutar, mas tem dois 'vês'!"

"Voz inconfundível, firme e, ao mesmo tempo, tranquila"

António Rocha numa festa de natal da DW em 2012. Arranjava sempre alguns minutos para celebrações com os colegasFoto: DW/S. Cords

"Nas nossas emissões no espaço do ouvinte, a voz inconfundível, firme e, ao mesmo tempo, tranquila do Rocha, ficará aqui uma saudade em mim e acredito que também para os nossos ouvintes", diz a colega Cristiane Vieira Teixeira, nostálgica.

Cristiane deixa votos de gratidão: "A lista dos motivos para te agradecer, António Rocha, é longa. Obrigada. Que você continue a irradiar esse seu brilho pelos novos caminhos que a vida oferece a partir de agora."

"Mais do que um amigo, o Rocha foi uma espécie de pai"

O "general" marcou igualmente a vida pessoal de algumas pessoas.

Nélio dos Santos, seu conterrâneo, trabalhou lado a lado com Rocha por cerca de 6 anos e mais de 12 como correspondente. Vê no nosso "chefe" uma espécie de figura paternal: "Quando cheguei à Alemanha, em 2001, ainda não tinha roupa de frio, e foste tu que me mostraste a cidade de Colónia [onde estava sediada a DW, antigamente] e os lugares para comprar roupas de inverno. Mais do que um amigo, o Rocha foi uma espécie de pai."

"Espero que consigas gozar desses bons momentos que a vida te proporciona. Um grande abraço", votos da terra da morabeza.

"Panela velha faz melhor comida"

António Rocha no estúdio. Foi no seu último dia de trabalho, 17 de outubro de 2019Foto: DW/B. Darame

Quando o atual chefe da redação de português para África assumiu o leme, o "Rochinsky", que celebrizou aqui o adágio popular "panela velha faz melhor comida", já cá estava há muito tempo.

Johannes Beck, o chefe de redação da DW África, também reconhece a importância do "general" para o bom funcionamento da redação: "O António Rocha foi a pedra angular desta redação de Português para África da DW. Esteve muito tempo na coordenação, é a pessoa que se lembra ainda do tempo da libertação [do colonialismo] nas colónias e que, desde os anos 80, conseguiu impor a sua filosofia de jornalismo e o seu empenho e o seu profissionalismo aqui nesta redação."

"Portanto, durante várias décadas, ele foi um dos colegas, se não o colega mais empenhado, mais ligado ao programa de rádio e à coordenação, principalmente da emissão da noite", afirma.

Rocha, o elemento unificador

Sob o ponto de vista das relações interpessoais, António Rocha foi fundamental. Johannes Beck lembra que "aqui na redação, foi a pessoa que mais contacto teve com os estagiários, com os correspondentes, com os freelancers. Coordenou e, de certa forma, unificou as pessoas aqui na redação."

Na hora do adeus, o chefe da redação diz: "Despedimo-nos de um colega que acho que foi não só uma das vozes mais marcantes, mas também um dos jornalistas mais marcantes e uma pessoa que, pela sua personalidade, marcou esta redação e que teve sempre um ótimo empenho e que vai fazer muita falta, pessoal e profissionalmente. Muito obrigado, António. Um abraço e que o futuro somente te traga o melhor."

A visão egoísta...

"Balenti" Rocha larga as armas, mas deixa legado e saudades

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E a nossa colega Cristina, que já vem de longas caminhadas com o "Toy" aqui na redação, destaca nele algo que hoje tem sido meio posto de lado: "A redação não perde apenas um colega que mereceu a amizade e o respeito de todos que o conheceram. Perde também uma verdadeira 'biblioteca ambulante', com conhecimentos aprofundados e fiáveis sobre a história e política de África, uma fonte de dados e factos enquadrados na realidade, que nenhum Google pode rivalizar. Essa é a visão egoísta."

E ao "Toy" - foi com ela que os mais novos descobriram esta alcunha do António Roca - com quem também fez "contrabando" de livros e música, a Cristina deseja: "A visão humana é que o descanso é bem merecido e só resta desejar ao António Rocha todas as felicidades do mundo."

O nosso "general" deixou o "quartel", mas não deixou os nossos corações e nem o que sustenta a nossa marca jornalística.

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