Genocídio na Namíbia: Discórdia sobre devolução de ossadas
Daniel Pelz | gcs
6 de agosto de 2018
No final de agosto, a Alemanha deverá devolver restos mortais de vítimas do genocídio dos herero e nama ao antigo "Sudoeste Africano Alemão". É um gesto de reconciliação, que despoletou, no entanto, um diferendo.
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As relações entre a Namíbia e a Alemanha continuam a ser difíceis, apesar de declarações oficiais em contrário. As conversações governamentais sobre o genocídio no início do séc. XX estão paradas e, três anos depois de começarem, ainda não se antevê qualquer pedido de desculpas da Alemanha. A deceção na opinião pública namibiana é grande, embora a Alemanha sublinhe que não é por falta de vontade que as negociações não avançam. "As expetativas da Namíbia são muito superiores àquilo que a Alemanha pode fazer", afirmou o chefe das conversações pelo lado da Alemanha, Ruprecht Polenz, em março.
A devolução dos restos mortais deveria ajudar a superar um pouco o clima de tensão. As partes envolvidas ainda não divulgaram detalhes sobre a entrega, agendada para o final de agosto, mas, ao que a DW apurou de fontes da sociedade civil, trata-se de restos mortais de vítimas do genocídio dos herero e nama. Alguns estarão no hospital Charité, em Berlim. Para já, o hospital não se quis pronunciar.
Imprensa: Governo namibiano sem dinheiro para viagens
Como parte das cerimónias de devolução dos restos mortais, será realizada uma missa em memória das vítimas, na capital alemã, organizada pela Igreja Evangélica. Já foram enviados os primeiros convites, a que a DW também teve acesso. No ano passado, a Igreja Evangélica fez um pedido público de desculpas. Na altura do genocídio, tinham sido enviados missionários evangélicos para o então "Sudoeste Africano Alemão" - alguns estavam contra as atrocidades cometidas pelos soldados alemães, mas outros apoiaram os atos. A missa seria, portanto, um gesto de reconciliação.
"Queremos uma devolução digna dos restos mortais à Namíbia", sublinha, por sua vez, o Ministério alemão dos Negócios Estrangeiros, contactado pela DW. Mas a discórdia sobre o processo de reconciliação está a ensombrar a cerimónia agendada para Berlim. Segundo o semanário "Windhoek Observer", o Governo namibiano não tem dinheiro para enviar à Alemanha uma delegação maior. Berlim disponibilizou-se para ajudar a financiar a viagem de representantes de "comunidades particularmente afetadas [e] com isso sublinhar a importância do seu papel", segundo o Governo. Em causa estariam as viagens de 25 pessoas, de acordo com o "Windhoek Observer". Mas várias personalidades que representam os herero e nama não estão na lista de convidados. Por exemplo, o líder da etnia herero Vekuii Rukoro.
Lista polémica
Rukoro é um crítico feroz das conversações entre a Namíbia e a Alemanha e um dos impulsionadores de um processo judicial em Nova Iorque, para pedir compensações ao Governo alemão pelo genocídio.
"O meu nome foi afastado por ter arrastado a Alemanha para tribunal", disse Rukoro, citado pela agência noticiosa DPA.
O nome da ativista nama Ida Hoffmann também não constará da lista de convidados, uma informação que ainda não foi confirmada oficialmente.
Genocídio na Namíbia: Discórdia sobre devolução de ossadas
Questionado pela DW, o Ministério alemão dos Negócios Estrangeiros não comentou a lista. Acredita-se, porém, que Berlim estará a tentar evitar protestos como os de 2011, quando foram devolvidos outros restos mortais. Durante um discurso da secretária de Estado Cornelia Pieper, vários nama e herero presentes pediram em voz alta um pedido de desculpas da Alemanha pelo genocídio na Namíbia. Pieper deixou a cerimónia logo a seguir.
Aliados de Rukoro e Hoffmann criticam a atitude alemã: "Isto não tem nada a ver com reconciliação. É obrigação da Alemanha devolver estas ossadas a casa", afirma Israel Kanautjike, um representante dos herero em Berlim.
"O antigo poder colonial, a Alemanha, trouxe para aqui as ossadas e agora elas têm de ser devolvidas. Ou seja, [o Governo alemão] também tem de pagar as viagens da delegação [namibiana]". O facto de Rukoro e outros não constarem da lista de convidados é "chantagem", acrescenta. Mas também é possível que alguns representantes dos herero e nama paguem a viagem do seu próprio bolso - e que voltem a protestar.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
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Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
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O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.