Genocídio na Namíbia: Oposição exige novo acordo com Berlim
Jasko Rust
15 de setembro de 2022
Maior partido da oposição da Namíbia está a exigir da Alemanha um novo acordo de compensação pelo genocídio dos povos Herero e Nama durante a era colonial. Mas Berlim não vê necessidade de renegociação.
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Na Namíbia, a oposição está a exigir a renegociação e reestruturação de um controverso acordo com a Alemanha sobre o genocídio dos povos Herero e Nama, entre 1904 e 1908, naquele que foi o primeiro genocídio do século XX, e que causou mais de 100 mil mortos.
O Governo alemão, no entanto, não vê necessidade de renegociar a Declaração Conjunta com a Namíbia e a recusa gerou ainda mais ressentimento.
O presidente do maior partido de oposição da Namíbia, Movimento Democrático Popular (PDM), McHenry Venaani, escreveu uma carta aberta à ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, onde apela a que o acordo seja "reestruturado".
"Temos esperança em pessoas como a Baerbock, que mostrou credibilidade enquanto era candidata [a chanceler da Alemanha, em 2021]. Quero ver se ela mostrará o mesmo agora enquanto ministra. Porque agora tem autoridade", diz Venaani.
"Uma via para o interesse político"
No entanto, Nandiuasora Mazeingo, presidente da Fundação Ovaherero Genocide (OGF), mostra-se desapontado com o partido de Baerbock, os Verdes, no qual em tempos depositaram esperanças.
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"Eles estão no Governo hoje, e não fizeram nada, sabe?", critica Mazeingo.
"Cada vez mais estão nos levando a acreditar que, para alguns na política alemã, esta questão é apenas uma via para promover o interesse político e ganhar poder político", lamenta.
A Fundação também defende novas negociações do acordo entre os dois países.
"Não vamos assinar acordos só porque algumas pessoas querem deixar um legado de terem resolvido esta questão. Ou para a Alemanha ficar bem no cenário internacional. Não, temos a resistência e a tenacidade para nos mantermos assim durante os próximos 100 anos. O Partido Verde está hoje no Governo, mas não estará para sempre. Sobreviveríamos a este Governo, sobreviveríamos aos próximos 100 Governos porque estamos no lado certo da história, o lado da verdade. E a nossa causa é justa", defende.
Namíbia: um genocídio esquecido
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Acordo com a Namíbia
No âmbito do acordo atual, Berlim ofereceu 1,1 mil milhões de euros de compensação ao longo de 30 anos e um pedido oficial de desculpas, como resultado de uma negociação de quase seis anos, com as autoridades namibianas.
O valor é "um insulto" na ótica do líder da oposição namibiano, McHenry Venaani, que defende um "pacote que melhore de forma sustentável as condições socioeconómicas das comunidades afetadas".
Os primeiros fundos já foram reservados no orçamento alemão de 2022. Serão 35 milhões de euros para projetos de desenvolvimento e 4 milhões de euros para uma fundação.
O Movimento Democrático Popular também quer um reconhecimento legal claro do genocídio. Na carta aberta à Annalena Baerbock, o líder sublinha que as atrocidades "não podem ser reconhecidas apenas no sentido moral e político".
Quando contactado pela DW, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Alemanha não quis comentar o assunto justificando que, por uma questão de princípio, Berlim não responde a cartas abertas.
"Respeitamos o difícil processo de tomada de decisões e as discussões no seio da sociedade e política namibiana", disse um porta-voz à DW.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.