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"Não podemos aceitar a força das armas na Guiné-Bissau"

3 de março de 2020

O novo secretário-geral do Grupo África, Caraíbas e Pacífico (ACP), o angolano Georges Chikoti, diz que a comunidade internacional não apoiará alguém que tome o poder pela força. E apela à estabilidade na Guiné-Bissau.

Foto: privat

Georges Chikoti, o primeiro lusófono a liderar o Grupo África, Caraíbas e Pacífico (ACP), ligado à União Europeia, defende uma maior intervenção de instituições como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a União Africana para ajudar a resolver a crise política na Guiné-Bissau.

Chikoti, que assumiu o cargo na segunda-feira (02.03), diz ser "necessária uma presença militar da região para criar condições de estabilidade" no país e que vai dialogar com as organizações africanas "para que elas possam levar essa questão de maneira muito séria".

Em entrevista à DW África, o novo secretário-geral do Grupo ACP, com um mandato de cinco anos pela frente, também falou sobre Angola. Defendeu que é preciso ter paciência para esperar os resultados da luta iniciada pelo Presidente angolano, João Lourenço, para combater a corrupção.

"Não podemos aceitar a força das armas na Guiné-Bissau"

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DW África: Estamos a ver na Guiné-Bissau uma situação de incerteza política e tensão, com movimentações militares em órgãos do Estado. Como é que acompanha esta situação?

Georges Chikoti (GC): É bastante preocupante a situação da Guiné-Bissau. Estive a falar com a CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e naturalmente que nós, países da CPLP, temos alguma limitação, porque a CPLP é uma comunidade dos Estados e não tem essa vocação política de intervir. Quem deve intervir, em princípio, no caso da Guiné-Bissau, é a CEDEAO ou a União Africana. Eu, como secretário-geral do Grupo ACP, poderei em breve, depois de consulta, escrever para a União Africana e para a CEDEAO para que elas possam levar essa questão de maneira muito séria.

Primeiro, acho que é necessária uma presença militar da região para criar condições de estabilidade no país. Em segundo lugar, é necessário ajudar para que os processos eleitorais na Guiné-Bissau sejam estáveis, transparentes e justos, para que todos possam participar bem coletivamente. Não se pode aceitar que alguém açambarque o poder com a força das armas e a prender os outros. Então, a CEDEAO tomou uma posição que parece ser boa e acho que a União Africana deveria segui-la; condenar todo o uso da força e fazer com que o processo político retome, mas na transparência e na justiça.

DW África: Como é que essa situação de incerteza política na Guiné-Bissau pode prejudicar as relações com a União Europeia?

GC: A União Europeia é parceira do desenvolvimento para a Guiné-Bissau. E claro que, quando há uma situação de instabilidade, a ajuda não pode chegar. Mas eu penso que, se alguém tomar conta do poder pela força, não vai ter apoio da comunidade internacional. E naturalmente que a União Europeia não apoiaria alguém que tomasse conta do poder pela força. Então, é necessário que haja, de facto, estabilidade no país para que possa continuar a beneficiar da ajuda da União Europeia ou da comunidade internacional.

João Lourenço, Presidente da República de AngolaFoto: DW/M. Luamba

DW África: E, como angolano, também deve estar a acompanhar no seu país casos como o "Luanda Leaks" e processos contra figuras políticas por corrupção. Acredita que, de facto, Angola está a ter um combate sério contra a corrupção?

GC: Sim. É necessário que possamos encorajar o Presidente João Lourenço por ter iniciado um processo sui generis. É difícil fazer uma luta contra a corrupção num país como Angola, mas o Presidente iniciou este processo. Primeiro, é preciso entender que não se pode ter resultados tão evidentes logo à partida. Mas acho que o processo tocou em algumas áreas importantes. Há um retorno importante de bens do Estado que foram desviados, isso não há dúvida. E também ele [o Presidente] está a mostrar que o futuro não será como o passado foi e uma grande vontade de cooperar com as instituições e organizações internacionais para que em Angola haja, de facto, um Estado de direito. O que se espera é que esses órgãos da Justiça em Angola consigam trabalhar de maneira mais aceitável e eu penso que estão a fazer esse esforço. 

DW África: Acha que esse combate à corrupção está a ser feito de forma seletiva?

GC: Seletiva ou não, acho que todas as pessoas que foram tocadas foram ou estão de alguma maneira com um processo a decorrer na Justiça. Isso só começou agora, porque havia um período de seis meses de amnistia, agora estão a entrar na profundeza. Penso que haverá um momento em que Angola vai publicar o que recuperou, de quem recuperou e quanto... Portanto, devemos ter a paciência de dar este tempo para que Angola possa dizer o que fez. E esse processo tem que culminar com um processo de transparência das instituições do Estado em termos de gestão da Justiça, e acho que é para ali que o Presidente João Lourenço está a caminhar.

DW África: Que desafios é que pretende enfrentar como primeiro angolano no cargo de secretário-geral do Grupo África, Caraíbas e Pacífico?

GC: Sou o primeiro angolano e, se calhar, o primeiro lusófono a ocupar este posto, entre os diferentes países lusófonos do Grupo ACP. Somos 79 países e naturalmente que o grupo tem desafios que têm a ver com o desenvolvimento sustentável, a luta contra a pobreza e na base de acordos que normalmente nós assinamos com a União Europeia. A visibilidade é um dos maiores desafios que tenho neste momento que o grupo mudou o seu nome e é, agora, uma organização internacional dos Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico. Também tenho como desafio angariar fundos para a organização. Mas, sobretudo, vou priorizar a cooperação sul-sul, a cooperação norte-sul e a cooperação triangular. Vou promover várias iniciativas, mas penso que, por exemplo, o setor privado é um dos setores importantes para promover o desenvolvimento nos nossos países. 

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