Germano Almeida, vencedor do Prémio Camões 2018, não vive dos livros - escreve por divertimento. A DW conversou com o escritor cabo-verdiano sobre tudo um pouco, incluindo sobre a "fatalidade" do Acordo Ortográfico.
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O Acordo Ortográfico é uma "fatalidade", porque "não há nada a fazer contra ele", resume Germano Almeida.
Mas, apesar das muitas vozes discordantes, o escritor cabo-verdiano admite que as novas regras do Acordo Ortográfico de 1990, já ratificado por Portugal, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe se afirmarão com o tempo.
"O Acordo em si vai existir, sobretudo porque os jovens agora aprendem na escola os métodos com o novo Acordo. Portanto, é uma questão de duas a três gerações e já não se lembram mais do Acordo Ortográfico."
Ainda assim, algumas regras deviam ser melhoradas, sugere.
Germano Almeida: A escrita não é ganha-pão, é prazer
"Em Cabo Verde, não há possibilidade de viver só como escritor, a menos que ganhasse um prémio todos os anos. Escrever em Cabo Verde é sobretudo um ato de prazer, de divertimento, porque a minha profissão é advogado. Eu costumava dizer: 'o rendimento dos livros dava para comprar cigarros, quando eu fumava, não mais do que isto'", conta o escritor em entrevista à DW África.
"A minha esperança é que, como Prémio Camões, venha a ser possível viver, não digo completamente mas substancialmente, do rendimento dos livros. Aliás, até agora, não creio que em Portugal haja mais de meia dúzia de escritores que vivam dos livros."
A distinção teve repercussão nos países lusófonos, reconhece Almeida, revelando ter recebido centenas de telefonemas e de elogios, inclusive de pessoas que afirmaram que este é um prémio para Cabo Verde. Mas, do ponto de vista pessoal, o prémio não mudou nada na sua vida, diz.
"Até este momento, não sinto nenhuma diferença em mim em relação à pessoa que era antes do dia em que me disseram que me tinham agraciado com o Prémio Camões - eu evito dizer ganhar. Reconheço, fico contente que digam que tenha sido por mérito e agradeço ao júri que se lembrou de mim."
Novo livro: "O Fiel Defunto"
Germano Almeida falou à DW pouco antes da apresentação da sua nova obra, "O Fiel Defunto", na Feira do Livro de Lisboa, que fecha as portas esta quarta-feira (13.06). No novo livro, o escritor brinca com alguns costumes da ilha de São Vicente, em Cabo Verde.
"Por exemplo, eu me lembro que, quando escrevi 'O Meu Poeta', escrevi com uma intenção crítica do sistema político e do oportunismo que havia em Cabo Verde, quanto à questão do aproveitamento político. Neste aqui não. Aqui escrevi com o prazer de me divertir."
À margem da apresentação da nova obra, Germano Almeida confidenciou à DW que acaba de receber um convite para participar na próxima Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. A Caminho, que apadrinha o escritor, figura entre as duas dezenas de editoras privadas que estarão representadas na edição deste ano, prevista para 10 a 14 de outubro.
As artes como arma anticolonial
A luta contra o colonialismo fez-se em várias frentes. Uma caneta, uma música e um pincel também podem ser uma arma. Recordamos algumas figuras que fizeram da arte o seu grito de revolta contra o regime vigente.
Foto: Casa Comum/ Documentos Malangatana
Amílcar Cabral, o "Chefi di Guerra" que era poeta
Nasceu na Guiné, mas o percurso e luta dividiu-se entre o país natal e Cabo Verde. Promotor da cultura e educação, que via como partes integrantes do processo de revolução. O poeta português Manuel Alegre descreveu-o como” o mais inteligente, o mais criativo e o mais brilhante de todos os dirigentes da luta de libertação dos povos africanos".
Foto: casacomum.org/Documentos Amílcar Cabral
Deolinda Rodrigues: As mulheres também lutam
Langilia era o nome de guerra de Deolinda Rodrigues (no canto superior direito da foto) contra o império colonial. Perdeu a vida pela causa que defendia. É também um símbolo feminista – é ela a origem do Dia da Mulher Angolana. Excerto de um dos seus poemas: "Mamã África geraste-me no teu ventre, nasci sob o tufão colonial, chuchei teu leite de cor, cresci, atrofiada, mas cresci".
Foto: Casa Comum/Fundo Mário Pinto de Andrade
Mário Pinto de Andrade e a identidade africana
Passou grande parte da sua vida exilado, o que não o impediu de ser uma das grandes vozes dos nacionalismos africanos e do pan-africanismo. Idealista, acaba por deixar o MPLA, partido que fundou, por não se identificar com o rumo tomado. Em 1953, com o são-tomense Francisco Tenreiro, organizou o volume "Poesia Negra de Expressão Portuguesa", um testemunho da expressão africana dentro da lusofonia.
Foto: DW/J. Carlos
As "três Marias": Denunciar o Estado Novo internacionalmente
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho Costa escreveram "As Novas Cartas Portuguesas", que denunciava a repressão do regime, especialmente no que dizia respeito às mulheres. O livro foi censurado e as autoras levadas a tribunal. O caso teve grande repercussão internacional, com várias manifestações em sua defesa e contra o regime ditatorial em Portugal.
Foto: privat
José Luandino Vieira: Consciência nacionalista
É um dos grandes da literatura angolana. A sua obra reflete a consciência nacionalista, não foi por acaso que adotou um pseudónimo que inclui o nome "Luandino". Lutou pelo MPLA. Foi um dos que foram presos na sequência do conhecido "Processo dos 50". Esteve vários anos preso, incluindo no Tarrafal. Venceu o prémio Camões, o mais importante para escritores de língua portuguesa, que recusou.
Foto: Imago/GlobalImagens
Zeca Afonso: A voz da revolução
Português, com a infância passada entre Angola e Moçambique. Voz incontornável da música de intervenção contra a ditadura e o colonialismo. A sua música "Grândola Vila Morena" foi um dos sinais para dar início à Revolução dos Cravos. É reconhecido internacionalmente e as suas músicas permanecem um símbolo da luta contra regimes opressivos.
Foto: Casa Comum/Arquivo Mário Soares
Alda do Espírito Santo: "Independência total"
Figura mítica do nacionalismo são-tomense (à esquerda na foto), não fora ela a autora da letra do hino nacional onde por várias vezes reclama a "Independência total". A sua poesia é um elogio à sua terra e ao seu povo. Em Lisboa conviveu com intelectuais como Mário Pinto de Andrade e Amílcar Cabral, na famosa Casa dos Estudantes do Império.
Foto: Casa Comum/Fundo Mário Pinto de Andrade
Malangatana: O herói moçambicano
Esteve 18 meses preso pelos ideais anticolonialistas que defendia. Os anos de cárcere estariam depois presentes também presentes nos seus trabalhos. É conhecido internacionalmente pela pintura, mas também explorou outras formas de expressão como a escultura, cerâmica e a tapeçaria. Em 1997 foi nomeado pela UNESCO "artista pela paz".