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DesportoSíria

Uma medalhista de ouro olímpica privada da sua glória

James Thorogood
10 de setembro de 2021

Ghada é a única medalhista olímpica de ouro da Síria. Mas as lesões assombraram o seu percurso. Pior: As autoridades do seu país acusaram-na de fingir estar lesionada, apenas para continuar a viver na Alemanha.

Ghada Shouaa bei den Olympische Spiele Atlanta 1996
Foto: Lynne Sladky/AP/picture alliance

Nem todos os medalhistas que treinaram incansavelmente durante anos na busca da glória olímpica recebem o devido reconhecimento nos seus países de origem, uma vez findos os jogos de verão em Tóquio este ano.

Ghada Shouaa é disto exemplo. A antiga heptatleta síria e medalhista de ouro contou à DW a sua história e o seu desejo de ver as mulheres atletas terem mais reconhecimento no mundo árabe.

A história da Shouaa começou com um 25º lugar na sua primeira presença nos Jogos Olímpicos de Barcelona, Espanha, em 1992.Mas foi em Atlanta em 1996, que atleta viveru o seu momento de maior glória, ao ganhar a primeira e única medalha olímpica de ouro da Síria até à data.

"Malditas" lesões

Shouaa ficou ainda por duas vezes consecutivas no primeiro lugar nos campeonatos mundiais de atletismo.

Mas a alegria pelas conquistas foi "sol de pouca dura”. Pouco depois, a atleta foi acometida por lesões, que ameaçavam a sua carreira desportiva. Mudou-se para a Alemanha, para receber tratamento especializado para uma lesão grave nas costas.

Em 1999 voltou a competir no Campeonato do Mundo em Sevilha, na Espanha. Mais uma vez subiu ao pódio, com a medalha de bronze. Mas as lesões regressaram e impedirama atleta de disputar os jogos Olímpicos do Verão 2000 em Sydney, na Austrália.

A batalha contra as lesões não foi a única que Shouaa teve que enfrentar ao longo da sua carreira.

As atletas não têm o reconhecimento que merecem no mundo árabe, diz Shooua Foto: R4032/Pressefoto Baumann/picture alliance

"As autoridades desportivas [da Síria] iniciaram  uma campanha de difamação, acusando-me de fingir todas as minhas lesões para evitar servir o meu Governo ou regressar ao meu país" contou Shouaa à DW.

Pressão das autoridades sírias

Para sua surpresa, o Comité Olímpico Sírio, a Federação Geral do Desporto e a Federação Síria de Atletismo decidiram suspenderam o apoio financeiro à atleta.

"Deixaram de me pagar e eu e o meu treinador não tínhamos capacidade financeira para suportar os custos das participações nas provas. Sem o meu patrocinador na Alemanha, eu não teria tido como sobreviver", diz.

Shouaa foi obrigada a fazer uma escolha difícil: deixou de representar a Síria nas competições internacionais.

A decisão não agradou às autoridades sírias, que reagiram com um ataque à reputação da atleta de renome mundial. Em 2004 submeteram ao tribunal uma queixa crime contra Shouaa e retiraram-lhe todos os direitos financeiros.

Com poucas chances de ganhar a causa no tribunal, a atleta decidiu pagar uma caução para não ser presa e saiu do país, com o qual se sente profundamente desiludida.

"Não sou uma criminosa. Eles deviam ter sido punidos e colocados na prisão, porque são corruptos", acusou Shouaa.

Residindo na Alemanha, a medalhista chegou a competir por clubes alemães antes da sua reforma em 2004.

"Eu estava mentalmente exausta”, disse Shouaa, acrescentando que "não foi fácil lidar com a pressão da Síria. Eu recebia ameaças por telefone. A minha vida não era fácil".

Ghada Shouaa [à esquerda], medalhista de ouro em Atlanta em 1996Foto: Gerry Penny/dpa/picture-alliance

Talentos desperdiçados

O mundo árabe tem muitas jovens atletas que poderiam ser medalhistas de ouro se as suas modalidades desportivas recebessem mais apoios, diz Ghada Shouaa.

Nos jogos Olímpicos de Tóquio, que decorrem de 23 de julho a 8 de agosto deste ano, os países árabes foram representados por 14 atletas femininos que conquistaram quatro medalhas: uma de ouro, uma de prata e duas de bronze.

"A falta de mulheres árabes nos Jogos Olímpicos foi uma tragédia. A razão é porque a nova geração está a assistir ao que nos aconteceu", disse Shouaa. "Elas têm medo de enfrentar a mesma ignorância, desrespeito, humilhação e intimidação".

O "bullying" contra mulheres tem de acabar", exige Shouaa.

"E aqueles que pretendem fazer-nos mal propositadamente, especialmente nos meios de comunicação social, devem ser punidos. Dizem que não somos mulheres e que ganhámos porque temos genes de homens. Eles querem fechar-nos em casa e que andemos sempre arranjadas como modelos. Sou uma atleta e não me importo com a minha aparência", sublinhou Ghada Shouaa.

Ghada Shouaa sente-se desiludida com o seu paísFoto: privat

Futuro tenebroso para atletas de sexo feminino

A antiga medalhista não é otimista quanto ao futuro di desporto na região árabe se as mulheres continuarem a ser marginalizadas e se lhe forem negados os mesmos direitos que têm os homens.

"É preciso um plano que pode levar de 12 a 14 anos a realizar. O problema é que os responsáveis pelo desporto nos países árabes simplesmente não têm paciência. Alguns dos países do Golfo tratam os atletas como um contrato que termina quando recebem a sua medalh. Eu não posso considerar isso uma vitória", disse.

Ghada Shouaa salienta que na Síria as autoridades desportivas ainda não compreenderam a importância de os atletas competirem internacionalmente para sentirem aquilo a que chama o espírito do desporto.

"Desde a altura que eu era atleta até agora, ouço as mesmas histórias de abusos e intimidações contra as mulheres. Nada mudou, infelizmente", lamentou.

Longo percurso para o sucesso

O "bullying" contra atletas femininas no mundo árabe tem que acaber, exige ShouaaFoto: Kleefeldt/dpa/picture-alliance

Os aspirantes a competir ao mais alto nível não recebem qualquer apoio moral ou material das autoridades. São obrigados a encontrar formas individuais de ganhar a vida e começar do zero, assim como fez Shouaa na Alemanha.

Apesar de ter vários certificados de treinadora, Shouaa decidiu não apostar em algo ligado ao desporto.

Trabalhou como analista olímpica para canais de televisivos árabes. Mas pagavam-lhe significativamente menos do aos seus colegas analistas homens. Por isso, este ano, recusou uma oferta para comentar os jogos Olímpicos de Tóquio.

"É uma discriminação e eu não aceito”, disse à DW Shouaa, elucidando que "se você vê desporto nos canais televisivos árabes, apenas vê homens a comentar ou a analisar. Eu também sou especialista. Fiz algo importante na minha carreira como atleta e poderia ter dado ao público árabe uma boa perspetiva sobre o desporto feminino. Mas os responsáveis não gostam de personalidades fortes ou de ouvir a verdade", concluiu.


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