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Literatura

Gociante Patissa: Literatura africana em baixa em Frankfurt

20 de outubro de 2016

O angolano é o único escritor dos PALOP a participar na edição deste ano. Versátil, mas com uma ligação especial ao conto, Gociante Patissa entende que a atribuição do Nobel ao músico Bob Dylan é uma "mensagem perversa".

Frankfurter Buchmesse, Gociante Patissa, Schriftsteller aus Angola
Foto: DW/N. Issufo

Gociante Patissa é o único escritor dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) a participar na Feira do Livro de Frankfurt 2016, a decorrer de 17 a 23 de outubro. Menos do que uma gota no oceano do evento, considerando a sua envergadura. Esta é uma das maiores feiras do livro do mundo e, além de abranger o mercado livreiro, inclui o jornalismo. 

A DW África foi até Frankfurt conversar com o único autor lusófono presente no evento.

DW África: O que conseguiu na Feira do Livro de Frankfurt?

Gociante Patissa (GP): O que estamos a conseguir é este ambiente de intercâmbio, com vários autores e vários profissionais do sector livreiro vindos de várias partes do mundo. Tem sido uma oportunidade internacional de conhecer um pouco do que cada um traz da sua realidade. Mas, fundamentalmente, tem sido uma oportunidade de mergulhar na realidade alemã do sector do livro, mercado, distribuição, temas, autores.

DW África: Relativamente à presença africana, principalmente dos PALOP, o que há a destacar nesta feira?
GP: Para ser franco, muito pouco mesmo, quase nada. Venho a convite do Instituto Goethe, no programa de visitantes internacionais. Este ano, Angola é o único país de expressão portuguesa presente. De África não há quase nada aqui de literatura representada. Tem de se valorizar o consumo de experiências e tentar reverter isso para a nossa realidade.

Gociante Patissa publicou 5 livros de vários estilos literáriosFoto: DW/N. Issufo

DW África: Este ano, o Prémio Nobel da Literatura foi atribuido a um músico, Bob Dylan, um "desvio padrão" no que se refere à atribuição deste prémio. Qual é a sua apreciação?

Feira de Frankfurt é, para o autor angolano, sobretudo uma oportunidade para conhecer profissionais de todo o mundoFoto: DW/N. Issufo

GP: Tem sido um debate e ainda bem que é assim, porque diz-se que só o que não vale é que não suscita debate. Eu honestamente acho que é uma má mensagem que se passa ao sector da música. Se Bob Dylan recebe o Prémio Nobel da Literatura porque capricha nas suas letras, porque tem um alcance estético profundo, estamos a dizer, por outro lado, que a música não precisa disso. Ou seja, aquele que caprichar na elaboração das letras deixa de ser músico e passa a ser escritor. Penso que é uma mensagem perversa que estamos a passar.

Naturalmente, poderá haver opiniões que contrariem a minha. Eu pessoalmente acho que o músico tem de ser valorizado dentro do circuito da música, considerando que a música tem a sua estética e que uma das áreas, para além da harmonia, do potencial vocal, é também a letra. Agora, elogiar um músico, transformá-lo em escritor porque tem uma letra bem feita, penso que é uma mensagem negativa, sobretudo para realidades como a nossa, Angola, onde o kuduro é quase um símbolo nacional, muitas vezes, mais não sendo que um canal de transmissão do oco. Então, com essa mensagem, está-se a dizer que a música oca é muito bem-vinda.

DW África: Muitos africanos e não só torciam para que Ngũgĩ wa Thiong'o ganhasse esse Prémio Nobel da Literatura. Não acha que escritores africanos deveriam ser mais agraciados com uma distinção como o Prémio Nobel da Literatura?

GP: Isso para mim tem duas leituras. Eu li esse autor na Universidade, na cadeira de Literatura Africana, mas li fragmentos.Não conheço a obra dele, de maneira que não consigo ter uma posição favorável ou não. Mas ganhar só por ser africano, penso que também não é por aí. Um Prémio Nobel é um Prémio Nobel e é preciso não reduzir a importância da literatura mundial à acreditação do Nobel, que tem os seus critérios e que são discutíveis.

20.10.16 Entrevista Gociante Patissa (longa - online) - MP3-Mono

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O que eu acho e o que eu relaciono com esta feira, é que parece que há um esquecimento relativamente à responsabilidade da Europa em relação aos países onde andou como colonizadora. É tudo muito egocêntrico, olhar para a Europa. Eu estou a falar português como língua oficial. Eu penso que isso deveria representar um marco para a Europa se lembrar da sua passagem por outros países como colonizadora e não se esquecer de também considerar essas literaturas. Portanto, resumindo e concluindo, o nigeriano ganhar só por ser africano não seria de todo construtivo.

DW África: Publicou já cinco livros entre poesia, novela e contos. Como explica esse carácter multifacetado na sua obra?

GP: Não há uma explicação objetiva. O conto, que eu penso que é o campo em me sinto mais à vontade, é, na verdade, a sistematização de uma riqueza que a pessoa absorveu no meio rural. Eu tenho uma dupla vicência entre a cidade e o campo. Eu vivi no interior só até aos 7 anos. Mas tive a sorte de ter pais que se preocuparam, dentro do nosso lar, de fazer do lar um vetor de transmissão da nossa oralidade. Portanto, isto é uma potencialidade que a gente traz do campo, do interior, daquela vivência rural. Quanto à poesia, foi a primeira manifestação em termos mais objetivos quanto já a pensar no livro. Há escritores que trabalham com um carácter mais de especialidade: há quem só faça poesia, contos , romances. Enfim, acho que tenha essa sorte de fazer um pouco de tudo.

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