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PolíticaGabão

"Golpe de Estado no Gabão, o fim de uma dinastia"

30 de agosto de 2023

Após militares terem tomado poder no Gabão na madrugada desta quarta-feira, analista ouvido pela DW diz que trata-se "do fim de uma dinastia de 55 anos". É o oitavo golpe de Estado numa ex-colónia francesa em três anos.

Military coup in Gabon
Foto: AA/picture alliance

Militares tomaram o poder no Gabão na madrugada desta quarta-feira (30.08), no oitavo golpe de Estado numa ex-colónia francesa nos últimos três anos. Na televisão, os oficiais justificaram a decisão dizendo que decidiram "defender a paz pondo fim ao atual regime" e alegando que as eleições do último fim-semana foram fraudulentas.

Para o analista político João Bernardo Vieira, estamos a assistir "ao fim de uma dinastia" que durava há já 55 anos. Em entrevista à DW África, o antigo secretário de Estado guineense diz que "estavam reunidos todos os ingredientes" para que as últimas eleições, que ditaram a reeleição de Bongo, acabassem mal. Bernardo Vieira salienta que a crescente instabilidade no continente permite que países como a Rússia ganhem mais espaço.

João Bernardo VieiraFoto: Privat

DW África: O golpe de Estado no Gabão vem criar mais instabilidade no continente?

João Bernardo Vieira (JBV): Parece que estamos a entrar numa saga. O continente africano conhece mais um golpe, mais um golpe realizado num país francófono. Parece-me que estamos a assistir ao fim de uma dinastia que durava 55 anos do poder da família Bongo. É importante realçar que em 2019 já tinha havido uma tentativa de golpe de Estado, mas neste caso concreto, penso que estavam reunidos todos os ingredientes para que as eleições acabassem mal. Surpreendentemente, no início deste ano, começou-se um tal de "diálogo nacional", que determinou duas coisas essencialmente: em primeiro lugar, que as eleições teriam uma só volta e, além disso, que o mandato do Presidente seria reduzido. Obviamente que isto despoletou uma onda de insatisfação por parte da oposição.

No pleito eleitoral, no último fim-de-semana, vimos umas eleições que aconteceram em condições muito, mas muito estranhas, sem quaisquer observadores internacionais, a internet foi cortada, ou seja, o regime estava a pôr-se a jeito para que isto acontecesse. Há analistas que entendem que isto pode ser uma farsa. Como Ali Bongo ouviu que perdeu as eleições, então permitiu que os militares tomassem o poder.

DW África: Podemos afirmar que estamos a viver uma "epidemia" de golpes de Estado na região francófona do continente, como fez referência o próprio presidente francês Emmanuel Macron?

JBV: Sim, temos constatado nos últimos três anos, desde 2020, uma progressão nos golpes de Estado que nos faz lembrar a África do século passado. Depois do Mali, da Guiné-Conacri, do Burkina Faso e do Níger, quatro países da África Ocidental, vemos neste momento outro país a seguir esses caminhos. Penso que há elementos importantes aqui a realçar. Como disse, só acontece em países francófonos. A França tem uma base militar - e a mais antiga base militar permanente em África- , que é no Gabão. E, portanto, penso que é fundamental ganharmos a consciência de que é importante encontrarmos soluções para os golpe de Estado.

Cidadãos gesticulam e seguram uma bandeira nacional do Gabão enquanto festejam o golpe.Foto: AFP/Getty Images

DW África: Também o Zimbabué tem vivido nos últimos dias muita contestação após as eleições. Teme que situações semelhantes possam se registar em outros países?

JBV: Bom, penso que no caso da África Central ainda é muito cedo. Ainda não temos elementos suficientes para falar num "efeito dominó" desses golpes. Temos de ir analisando os próximos acontecimentos. Mas no continente africano, penso que as organizações sub-regionais nomeadamente a CEMAC (Comunidade Económica e Monetária da África Central) neste caso e, a nível do continente, a União Africana, vão ter de tomar ações que desencorajem o golpe.

DW África: A Rússia já reagiu dizendo que está a seguir de perto o desenrolar do golpe no Gabão e muito se tem falado da influência crescente do país em África. Esta instabilidade e o sentimento anti-francês de que fala, dão cada vez mais espaço a países como a Rússia?

JBV: Sem sombra de dúvida. Dá margem, dá espaço para parceiros como a Rússia entrarem. Não esqueçamos que a Rússia tem relações de há muitos anos com os países africanos. Penso que isso não é mau de todo, a meu ver, porque a África precisa de todos aqueles que possam contribuir para que de facto saia da situação de dependência em que se encontra há algumas décadas.

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