Chefe de Estado português visitou a Cova da Moura, arredores de Lisboa, onde vive uma grande comunidade africana. Marcelo Rebelo de Sousa ouviu as preocupações de residentes e defendeu medidas para evitar exclusão.
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Marcelo Rebelo de Sousa passou esta segunda-feira (08.11) pela Cova da Moura para se inteirar das condições de vida dos residentes, portugueses e africanos. No bairro nos arredores da capital portuguesa, antes considerado problemático, vive uma significativa comunidade africana, constituída, na sua maioria, por cabo-verdianos.
Na sua primeira visita ao bairro, o Presidente chegou ao local para falar com toda a gente, tirar fotografias e distribuir abraços, mas sobretudo para ouvir os seus sentimentos e problemas.
Começou a visita com as crianças do Centro Infantil São Gerardo, na sua maioria filhos de cidadãos africanos que se fixaram há muitos anos na Cova da Moura.
No seu percurso pelas ruelas do bairro, recebeu elogios pela iniciativa, mas também alguns desabafos e pedidos. Foi o caso de Maria Rosa e Domingas, duas cabo-verdianas que aqui vivem há mais de 20 anos.
"Gostava que os jovens sem trabalho tivessem um futuro, conseguissem um emprego", sonha Rosa. "E eu gostava de pedir ao Presidente uma casa para morar. Sou pobre, viúva, não tenho trabalho e estou doente outra vez", desabafou Domingas.
Desemprego jovem
Enquanto Marcelo Rebelo de Sousa ouvia o Grupo Infantil de Cantares Alentejanos da escola primária, depois das boas-vindas na Associação Cova da Moura, a DW abordou alguns jovens que aplaudiram a visita, mas reclamaram precisamente da falta de emprego e de oportunidades.
"É bom visitar o bairro para conhecer as pessoas e as suas dificuldades. Falta trabalho e há muitos jovens aqui parados", diz Admir, em nome dos jovens do bairro.
Para Jakilson Pereira, da direção da Associação Cultural Moinho da Juventude, a visita do Presidente veio ajudar a desfazer a má fama que o bairro tinha.
Legalização de casas
Por resolver continua o diferendo com a Câmara Municipal da Amadora e o Governo sobre a legalização das casas do bairro, erguido nos anos 70 com o esforço de imigrantes africanos e retornados portugueses. Este foi um dos problemas colocados ao chefe de Estado português por Emílio Teixeira, presidente da Associação de Moradores.
07.11.2016 MR.de Sousa / Cova da Moura - MP3-Stereo
"Os moradores estão cansados. Há 30 anos que continuamos à espera da legalização do bairro", afirmou, lembrando as "muitas promessas" que "até agora não têm passado de promessas".
Em declarações aos jornalistas, o chefe de Estado português disse que os problemas económicos, financeiros e sociais, resultantes de períodos de crise, afetaram muitas pessoas, não apenas a comunidade africana. "As crises aumentam os problemas e, portanto, também ouvi muitas queixas", declarou.
Considerando fundamental o bom senso para a resolução dos problemas levantados pelos moradores, o Presidente reconheceu que "um problema de fundo é o diálogo entre o Governo e a Câmara" e que a resolução de problemas deste bairro - "uns patrimoniais, outros ambientais, outros de planeamento" – passa também por esse diálogo.
Depois de percorrido quase todo o bairro, Marcelo terminou o dia a almoçar num restaurante local, onde se ouviram mornas e se saborearam bife de atum com cebolada e cachupa à moda de Cabo Verde, na companhia de entidades, dirigentes associativos e um grupo de moradores.
O músico cabo-verdiano Fortinho comparou Marcelo Rebelo de Sousa a Barack Obama, Presidente dos Estados Unidos, por ser "amigo do povo".
Bairro de imigrantes africanos demolido em Lisboa
O 6 de Maio, de génese ilegal, começou a ser construído na década de 1970 na Amadora, na periferia da capital portuguesa. Autarquia diz que demolições são de casas devolutas, antes habitadas por famílias já realojadas.
Foto: DW/João Carlos
Tudo começou nos anos 70
O Bairro 6 de Maio teve na sua génese barracas improvisadas erguidas nos anos 70, com a chegada dos retornados e dos imigrantes oriundos de países africanos de língua portuguesa. É um dos bairros degradados da Amadora, na periferia de Lisboa, que os seus habitantes não querem que se chame "problemático".
Foto: DW/João Carlos
No gueto às portas de Lisboa
O bairro fica a poucas centenas de metros da estação de comboio da Damaia, perto das Portas de Benfica, que confluia com o já extinto Estrela de África. É um dos aglomerados degradados do município em fase de iminente demolição. Os seus habitantes, na sua maioria cabo-verdianos e guineenses, fazem questão de o classificar como gueto nos dizeres e graffitis que preenchem as paredes.
Foto: DW/João Carlos
Viver em comunidade
Entrando na intimidade do lugar sente-se o pulsar quotidiano das gentes que vieram de África há cerca de quatro décadas e das que já nasceram em Portugal. Muitas delas, sem emprego e em situação de debilidade financeira, assumem que conquistaram o direito de viver no bairro, de preferência em comunidade. Reclamam por uma casa digna para as respetivas famílias.
Foto: DW/João Carlos
Conviver com a insalubridade
O bairro 6 de Maio é o que tem os piores indicadores de surto de doenças no concelho. A autarquia da Amadora diz estar atenta aos vários problemas de saúde pública ali existentes. Mesmo sob o fantasma da demolição, os próprios residentes já promoveram uma Feira da Saúde a favor de um bairro saudável, limpo e acolhedor.
Foto: João Carlos
A angústia de Justina
Justina Ramos, 54 anos, veio para aqui morar em 1999, na casa que lhe deixou a irmã, emigrada em França. A habitação acabou depois por ser derrubada por falta de condições. Dependente de 280 euros da reforma, teve de alugar um quarto por 200 euros para não dormir na rua. Sem outra alternativa, fez um apelo à autarquia. Vive angustiada porque não sabe se terá ou não direito a realojamento.
Foto: DW/João Carlos
As incertezas de Carlos
Aqui nasceu há 39 anos, tal como os dois filhos que ainda dependem dele. É outro dos afetados pelo plano de demolição. Carlos Fortes está inconformado com o facto de o seu filho de 18 anos não ser admitido no processo entregue na Câmara Municipal. Vive na incerteza, à espera de uma solução e da próxima carta em resposta à sua reclamação.
Foto: DW/João Carlos
“Trançar” a beleza de portas abertas
Enquanto não cairem as paredes da casa onde vivem desde que nasceram, Paula (sentada) e Sandra (de pé) mantêm as portas abertas à clientela que queira fazer tranças. Uma fonte de rendimento para a família. Aos fins de semana, a afluência é maior por parte de jovens, adultos e crianças que recorrem ao salão improvisado. São elas que arranjam o cabelo às meninas antes do início da semana de aulas.
Foto: DW/J. Carlos
Improvisos
Cada espaço é aproveitado como cada um entende, conforme impõem as necessidades de sobrevivência. Quem não tem uma máquina elétrica para secar a roupa improvisa um cordel como se faz nos quintais em África, aproveitando os benefícios da energia solar.
Foto: DW/J. Carlos
Homenagem a Musso
Os habitantes deram o nome de "Largo Too Sexy" a esta espécie de praceta, centro dos principais eventos e de convívio como a "festa de 6 de Maio", que este ano não se realizou. O mural em graffiti representa a homenagem dos habitantes do bairro a Musso, jovem de 16 anos de idade morto numa intervenção policial, em 2013.
Foto: DW/J. Carlos
Espaço cultural: a marca do bairro
Este é um dos rostos e uma das portas de entrada para o bairro, igualmente ponto de concentração e de encontro com amigos e visitantes. Aqui ainda nascem ideias e projetos de utilidade para os residentes, aparentemente pouco preocupados com a demolição que decorre há já dois anos. Aberto de segunda a sexta-feira, alberga atividades culturais diversas, muitas delas organizadas pelo Centro Social.
Foto: DW/J. Carlos
Baralhar as cartas
O estabelecimento de Helena, ao lado do Espaço Cultural – uma sui generis combinação de bar, café e mercearia –, é outro lugar partilhado pelos jovens, tanto para ver partidas de futebol europeu, como os jogos da Liga ou da Taça portuguesas. O animado jogo de cartas acaba por ser também um motivo para atração de potenciais clientes. O negócio vai de vento em pompa, sobretudo no final do mês.
Foto: DW/J. Carlos
Equipamento social em risco
Central é o trabalho comunitário prestado à população pelo Centro Social, dirigido pela irmã Deolinda. A instituição, gerida pelas Missionárias Dominicanas do Rosário, acolhe crianças da creche e do pré-escolar, na sua maioria de origem africana. O futuro é ainda uma incógnita, diz a irmã Deolinda, que aguarda por uma decisão da presidente da Câmara Amadora sobre o destino do Centro.