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Governador do BNA: 500 milhões transferidos sob pressão

Lusa
15 de janeiro de 2020

Governador do Banco Nacional de Angola (BNA) admitiu em tribunal que transferência de 500 milhões de dólares, investigada pela Justiça, terá sido efetuada num contexto de urgência, violando alguns procedimentos internos.

Foto: DW/N. Sul d'Angola

O Governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, respondia esta quarta-feira (15.01) como testemunha na décima sessão de julgamento, iniciado a 9 de dezembro de 2019.

O caso envolve uma suposta transferência indevida de 500 milhões de dólares do Estado angolano para um banco no exterior do país, em que são arguidos o ex-governador do BNA, Valter Filipe, o antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, José Filomeno "Zenu" dos Santos, o empresário angolano Jorge Gaudens Sebastião, e o então-diretor do Departamento de Gestão de Reservas do BNA, António Bule Manuel.

José de Lima Massano, que também foi governador do banco central angolano entre 2010 e 2015, tendo reassumido o posto em 2017, disse que tomou contacto com o processo na passagem de pastas, através do arguido Valter Filipe, e mais tarde pelo Ministério das Finanças, na fase de recuperação dos valores.

"Não se sabia quem é que mandava no banco"

Instado a explicar como chegou à conclusão que a operação teria sido feita num contexto de urgência e pressão, José de Lima Massano disse que essa informação foi transmitida pelo arguido António Bule Manuel, chegando a dizer que "o BNA, em relação a esta operação, estava numa situação em que não se sabia quem é que mandava no banco".

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Na fase de acareação, solicitado a esclarecer esta afirmação, o arguido António Bule Manuel explicou que, na altura, em que foi efetuada a operação, encontrava-se ausente e em sua substituição ficou o subdiretor da área, tendo este informado que "recebia ordens, pedidos de informação e até, às vezes, 'ralhetes'" dos promotores, nomeadamente do coarguido Jorge Gaudens Sebastião.

Por sua vez, o coarguido Jorge Gaudens Sebastião negou o facto, esclarecendo que, no âmbito do contrato assinado entre as partes, foi criada pelo então governador do BNA uma equipa para tratar do assunto, que muitas vezes trabalhava diretamente consigo, para atender a solicitações de documentos e informações, vindas da contraparte estrangeira, que tinha prazos a cumprir na preparação da operação.

Violação de procedimentos

Para o governador do banco central angolano, os procedimentos internos operacionais para a transferência dos 500 milhões de dólares, a primeira tranche de um total de 1,5 mil milhões de dólares (1350 milhões de euros) que seriam necessários para capitalizar um fundo de investimento estratégico para Angola, que captaria 30 mil milhões de dólares para projetos estruturantes, não foram cumpridos.

José de Lima Massano apontou como uma das falhas, o facto de o Departamento de Gestão de Reservas ter remetido apenas uma "boleta" (instrução de aplicação de recursos) ao Departamento de Operações Bancárias, como se de uma simples aplicação se tratasse.

Outro atropelo aos procedimentos foi a falta de registo contabilístico da operação, realizada em agosto de 2017, que devia ser automático, mas ocorreu apenas em dezembro de 2017, porque a empresa não estava registada nos livros contabilísticos do banco central angolano.

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Para José de Lima Massano, "são falhas graves", já que, pela magnitude da transferência, havendo um contrato, teria de ter uma autorização formal do administrador ou membro do conselho de administração, "e não há evidências dessa autorização formal", por isso foi desencadeado o processo de auditoria interna e de correção dos procedimentos.

O declarante referiu ainda que não é competência do BNA assinar um contrato para a captação de fundos para diversificação da economia, mas sim do executivo, nomeadamente o Ministério das Finanças, pelo que seria necessária uma autorização formal através de um despacho ou decreto presidencial, publicado em Diário da República.

Questionado se assinaria algum contrato com as empresas proponentes, José de Lima Massano respondeu que não, por falta de "histórico capaz de justificar uma contratação desta magnitude".

Três pedidos de estorno

Na sessão de hoje, Valter Filipe voltou a ser questionado sobre quantos pedidos de estorno dos valores foram realizados, tendo respondido que foram três, em setembro de 2017 e os restantes em outubro do mesmo ano, o último por orientação do titular do poder executivo. 

Foram solicitados à Mais Financial Services, a representante do consórcio de empresas que iriam criar o fundo de investimento.

Por seu turno, Jorge Gaudens Sebastião explicou que teve dificuldades de devolver o dinheiro, porque a conta já tinha sido bloqueada, no âmbito das regras de 'compliance', por falta de informação do BNA ao banco HSBC de Londres, para onde foram transferidos os 500 milhões de dólares.

Segundo o coarguido Jorge Gaudens Sebastião, esta informação chegou à empresa em novembro de 2017, depois de ter sido aberto um processo de investigação da Agência Nacional de Crimes Financeiros do Reino Unido, em que o BNA e o Ministério das Finanças também eram respondentes.

O coarguido explicou que o processo foi aberto devido a uma recetação de fundos ilícitos, por parte da empresa Perfectbit, apesar da documentação apresentada pela mesma, suspeita que foi levantada por supostamente "pessoas terceiras ao quadro do BNA terem tido acesso ao sistema swift do mesmo para realizar aquela operação".

A sessão prossegue quinta-feira (16.01), com a audição das testemunhas.

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