Governo moçambicano acusado de violar legislação ambiental
Sitoi Lutxeque (Nampula)
24 de outubro de 2018
ONG denuncia que Governo moçambicano concedeu licenças para exploração de recursos minerais em áreas protegidas, num total de 330 mil hectares. Executivo admite voltar atrás nos casos de licenças em zonas reservadas.
Publicidade
O Governo moçambicano está a violar locais de proteção ambiental e reservas florestais nos distritos de Pebane, na Zambézia, e de Angoche, em Nampula, ao atribuir licenças a algumas multinacionais para a exploração de recursos minerais. A denúncia é da Solidariedade Moçambique, uma organização que trabalha na área dos recursos minerais e boa governação, na região norte e em parte da Zambézia, no centro.
"De Pebane [Zambézia] a Angoche [Nampula] foram concessionadas à volta de 17 empresas para explorar areias pesadas em áreas de conservação marinha", conta António Mutoa, diretor-executivo da Solidariedade Moçambique.
Segundo António Mutoa, estão a ser violadas convenções internacionais, de que Moçambique é signatária. Por isso, a organização decidiu processar o governo. "Achamos que é uma forte violação da lei de conservação e entrepusemos (o caso) à Procuradoria de Nampula, mas também estamos a fazer o mesmo dossier para interpor à Procuradoria Provincial da Zambézia para reporem a lei", diz.
Para o diretor-executivo da Solidariedade Moçambique, está em perigo "o sonho da construção da biodiversidade marinha". Com a exploração de areias pesadas ao longo da área de conservação, a remoção do solo e os navios que poderão passar por lá para carregamentos, "já deixa de ser área de conservação", sublinha. "Esta é a nossa preocupação".
Governo pondera negociar
O diretor provincial dos Recursos Minerais e Energias de Nampula, Olavo Daniasse, nega que as licenças atribuídas às empresas sejam de exploração. "Os processos de licenciamentos observam vários trâmites e estamos a falar eventualmente licenças de pesquisas, ainda não é exploração como tal", assegurou.
Governo promete fazer tudo para não ferir sensibilidades
Olavo Daniasse reconhece que a sua instituição foi notificada nesta matéria. "E estamos a trabalhar com o Cadastro Central, para verificar ponto a ponto e situação a situação", diz.
"Poderá acontecer um ou outro caso [de exploração numa área de conservação], se por exemplo tivermos recursos que ocorrem no mar, pode ser que coincida com proximidade de alguma área de conservação. Terá de se ver os planos de gestão ambiental", explica Olavo Daniasse, que admite que "haverá situações em que será necessário tirar o recurso" e que "é legítimo que se houver alguma licença nas áreas proibidas que sejam negociadas para ver se é viável."
O diretor dos Recursos Minerais e Energias de Nampula promete ainda que o governo fará tudo para "não ferir sensibilidades".
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.