Governo angolano encurrala-se a si próprio, diz Marques
18 de setembro de 2015 "A grande virtude dos 15 jovens ativistas angolanos que continuam detidos nas prisões de Luanda não é a forma como se mobilizam. É sim o facto de darem corpo ao manifesto em nome de uma causa, em defesa da liberdade de expressão".
A afirmação é do jornalista Rafael Marques que, em declarações à DW África, repudia a recente decisão do Tribunal Supremo de Angola ao negar o “habeas corpus” àqueles jovens acusados de tentativa de golpe de Estado.
“Esta decisão do Supremo Tribunal, que tinha sido a última oportunidade para que uma instituição judicial pusesse termo a este teatro de mau gosto encenado pelo senhor Procurador Geral da República, o general João Maria Moreira de Sousa, encenado pelos serviços de segurança militar, pelo Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, podia ter posto um termo com uma decisão do Supremo, que viria restaurar alguma dignidade ao processo” – lamenta o jornalista e ativista angolano.Para Rafael Marques são várias as provas evidentes de constantes violações dos Direitos Humanos em Angola e não há como o Governo negá-las, precisa o ativista.
No entanto, ao mesmo tempo que é responsável por esses abusos, “o Governo angolano está a encurralar-se a si próprio e está a fazê-lo de uma forma que revela a ausência de uma política de Estado na atual gestão do país”, diz Marques.
Isto porque “as autoridades conseguiram transformar, por exemplo, os 15 presos políticos numa bandeira pela liberdade, quando se sabia que estes jovens o mais que poderiam causar de danos ao próprio regime seriam as suas constantes dificuldades em trabalharem de forma solidária”, justifica o ativista.
Em maio passado, Rafael Marques foi condenado a seis meses de prisão, com pena suspensa, na sequência de denúncias de violações dos direitos humanos feitas no seu livro “Diamantes de Sangue, Corrupção e Tortura em Angola”. O seu caso encontra-se em fase de recurso nos tribunais angolanos.
Movimento de solidariedade a crescer
Rafael Marques, o seu conterrâneo e escritor José Eduardo Agualusa, bem como a eurodeputada portuguesa socialista Ana Gomes deram a cara a uma concorrida conversa aberta, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde se ouviu falar de vários episódios de violação dos direitos humanos pelo regime no poder em Angola.
Trata-se de mais um ato que se soma ao movimento de solidariedade pela liberdade dos ativistas detidos, conhecidos e anónimos.
Além de Marques, também para o escritor José Eduardo Agualusa o regime angolano ao violar constantemente os direitos humanos poderá estar a dar tiros nos pés: “Eu acho que o lado positivo da prisão destes jovens foi este movimento de solidariedade que se gerou e que está, de alguma forma, a despertar consciências, em Angola e fora de Angola. Eu acredito que este movimento se continuará a alargar e acabará por ter consequências. Espero que o regime angolano saiba ouvir estas vozes.”A estas vozes junta-se a de Ana Gomes, promotora do recente relatório do Parlamento Europeu sobre Angola.
Para a eurodeputada socialista, Angola é um caso gritante em matéria de corrupção e a sua ligação aos direitos humanos: “Haverá alguns que nos querem calar, que são os mesmos que são responsáveis pela corrupção, por esquemas de branqueamento de capitais, de opressão, tanto lá [Angola] como cá [em Portugal]. Nós portugueses temos uma responsabilidade: que é exatamente não deixar cair aqueles que corajosamente em Angola se batem pela democracia, pelos direitos humanos, por aquilo que está na própria Constituição angolana, por aquilo que é vinculativo para Angola no plano do direito internacional, designadamente os acordos que tem com a União Europeia.”
Cartas por Rafael Marques
Em mais uma ação para promover os direitos fundamentais em Angola, a secção portuguesa da Amnistia Internacional (AI) realça a escolha de Rafael Marques como um dos casos-apelo para o maior evento de ativismo em todo o mundo: a Maratona de Cartas 2015.Teresa Pina, diretora executiva da AI em Portugal, esclarece a iniciativa: “Normalmente no último trimestre de cada ano, 12 casos são apresentados às pessoas, casos emblemáticos de direitos humanos. E pede-se a elas que assinem, subscrevam, que desenvolvam ações por esses casos. Depois as assinaturas recolhidas são encaminhadas para os países de origem, para as entidades relevantes, pedindo uma mudança da sua circunstância."
Só no ano passado, a Maratona de Cartas em Portugal reuniu mais de 150 mil assinaturas.
A AI tem também documentado de forma consistente as numerosas violações de direitos humanos em Angola, entre as quais o caso do ativista José Marcos Mavungo, condenado a 14 deste mês, a uma pena de seis anos de prisão efetiva por crime contra a Segurança do Estado.