Moçambique não participou na ONU na votação de um documento para a prevenção de crimes contra a humanidade. O que levou representantes da sociedade civil a acusar o Estado de se ter juntado a ditaduras.
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O Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) teceu duras críticas ao Governo do Presidente Filipe Nyusi, que não esteve presente na Assembleia Geral da ONU quando foi a voto, esta semana, um documento relativo à responsabilidade dos Estados de proteger e prevenir o genocídio, crimes de guerra, limpezas étnicas e crimes contra a humanidade.
Através da publicação de um boletim, a ONG repudiou a posição do Estado moçambicano que demonstrou, mais uma vez - afirma - ser um país violador dos direitos humanos.
Moçambique vive, há mais de três anos, uma situação de conflito armado na região norte do país, em Cabo Delgado. O último relatório da organização de defesa dos direitos humanos, Amnistia Internacional, é apenas um de entre vários que relatam abusos na região, não só por parte dos insurgentes, como também das forças do Governo.
"Conclusão forçada"
Para o analista Job Fazenda, o fato de Moçambique não ter tomado uma posição quanto à resolução da ONU não deve ser encarado como uma aceitação dessas denúncias. "Numa situação de guerra como está a acontecer em Cabo Delgado é inevitável, infelizmente, a violação dos direitos humanos", disse Fazenda em entrevista à DW África. Embora reconheça que é possível que se tenham verificado violações dos direitos humanos na área em guerra, "não podemos daí já forçar a conclusão", disse o analista.
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Mas Borges Nhamire, pesquisador do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP) defende que "ao escolher não votar, significa que Moçambique não está confortável com o documento em votação".
Nhamire vê uma relação direta entre a não votação e o conflito em Cabo Delgado, "onde, a qualquer momento, Moçambique pode vir a ser acusado de cometer crimes contra a humanidade. Por esse contexto, Moçambique está implicitamente a reconhecer que as suas forças de defesa e segurança podem eventualmente estar a cometer esse tipo de crimes".
Direitos humanos são para todos
Borges Nhamire sublinha que não votar na resolução não significa que Moçambique não esteja veiculado ou comprometido. O Estado moçambicano, diz, "não pode acreditar que tem carta branca para promover a violação dos direitos humanos ou cometer crimes contra a humanidade. Moçambique deve respeitar os instrumentos e trabalhar, mesmo em contexto de guerra, para garantir que tanto a população civil como os beligerantes – estamos a falar dos insurgentes -, sejam tratados como seres humanos", disse o analista.
No boletim sobre direitos humanos divulgado pelo Centro para Democracia e Desenvolvimento, a ONG repudia a atitude do Estado moçambicano e associa o país a regimes ditatoriais como o Irão, Coreia do Norte ou o Mali.
Exposição: "Cabo Delgado é Moçambique, Moçambique é Cabo Delgado"
A Galeria do Núcleo de Arte, em Maputo, inaugurou uma exposição coletiva de artes plásticas inspirada no conflito de Cabo Delgado. Metade do valor das obras será revertido para as vítimas dos ataques na província.
Foto: DW
Artistas plásticos aderiram à iniciativa
Os artistas que participaram nesta exposição procuraram se expressar através de obras de pintura, escultura ou cerâmica. A exposição inaugurada a 20 de novembro foi organizada pela "Nós Arte" e estará aberta ao público em geral até 10 de dezembro de 2020. Metade do valor das obras será revertido para as vítimas do conflito em Cabo Delgado.
Foto: DW
Apoio às vítimas de Cabo Delgado
"O nosso intuito é direcionar o que vamos render de cada obra, 50% vai para as necessidades que há em Cabo Delgado e as necessidades são muitas neste momento. Vamos tentar delinear as prioridades: máscaras, desinfetantes, material de higiene para as senhoras, fraldas para as crianças, capulanas, arroz e feijão", esclarece o artista plástico "Chicken", promotor da iniciativa.
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Sensibilização social
"Chicken", o coordenador do Projeto "Nós Arte", explicou que o propósito desta mostra é converter as estatísticas de mortes e refugiados em estética. A expetativa é atingir o âmago da sensibilidade social para que se questione a violência e se solidarize com os moçambicanos vítimas do terrorismo.
Foto: DW
Artistas de Cabo Delgado
"Quando ligamos os noticiários, vemos o que está a acontecer: é a pandemia [da Covid-19], a guerra, a cólera, a malária... Cabo Delgado está a ser afetado por essas coisas", alertou "Chicken" que, como os outros artistas, é de lá oriundo: "O meu sentimento é de muita tristeza porque infelizmente tenho visto amigos e familiares a viverem momentos dramáticos." Obra na foto de Júlia.
Foto: DW
"Esperança da Província" de João Paulo Qhea
"Eu preferi que cada um de nós representasse como se sente no momento no coração e como está de espírito. Não podemos também estar a representar a guerra enquanto queremos paz. Então, cada artista trouxe aquilo que tem e aquilo que sentiu e se inspirou para fazer a sua obra. Não é linear", explicou "Chicken".
Foto: DW
"Artimisia" de Sandra Pizura
Esta pintura de Sandra Pizura representa um grito de silêncio de qualquer coisa como fúria, vingança, inconsciência moral, guerra. André Macie, João Fornasini e Julia são outros dos artistas que participam na exposição "Cabo Delgado é Moçambique, Moçambique é Cabo Delgado".
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"O Jardim da vida" de Samuel Djive
Samuel Djive pretendeu trazer uma ideia daquilo que é o paraíso: "Se o paraíso é um espaço onde temos o bem estar, temos a paz, o amor, temos um progresso, temos uma construção positiva, então é isso que nós queremos para Moçambique. É o que eu quero para Moçambique, um país onde os meus netos e bisnetos se possam sentir orgulhosos de serem moçambicanos", comentou.
Foto: DW
Uma conclusão
Samuel Djive acrescentou que "a mensagem é tentar fazer com que as pessoas tenham a capacidade de dialogar sempre na busca de soluções. Nós, como artistas, faremos a nossa parte, mas existem entidades que são responsáveis por isso. Talvez possamos criar um movimento em que criemos também uma reflexão por parte das entidades responsáveis pela segurança e governação do país."