Angola: Governo de Reconciliação Nacional nasceu há 20 anos
José Adalberto (Huambo)
11 de abril de 2017
Empossado a 11 de abril de 1997, o GURN abrangia todos os partidos com assento no Parlamento angolano. Duas décadas depois, antigos membros recordam a falta de um programa de consenso. E tempos de discriminação.
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Depois de terem vivido uma experiência semelhante no Governo de transição em 1974, constituído pelos representantes dos três movimentos de libertação nacional - Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) - os angolanos foram desafiados novamente e, desta vez, com um Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN).
O GURN resultou de intensas negociações entre a UNITA e o Governo angolano, após as eleições de 1992, que culminaram com a assinatura dos acordos de Lusaka, em 1994.
Além de membros do MPLA, partido vencedor das eleições de 1992, integrava outras figuras oriundas dos partidos da oposição.
Falta de consenso
Rúben Sicato foi indicado por Jonas Savimbi, o líder da UNITA, para desempenhar as funções de ministro da Saúde. O ambiente de trabalho com os colegas no GURN era "o melhor possível", recorda o político, que diz ter recebido igual tratamento dos colaboradores no Ministério.
No entanto, denuncia que existiam pessoas que tinham como função controlar os seus atos.
"Nós sabíamos que em cada ministério havia pessoas que tinham como objetivo vigiar-nos, e, onde fosse possível, impedir a nossa atividade", conta o ex-ministro.
Vinte anos depois, Rúben Sicato conclui que o GURN tinha à partida um problema de base: a falta de um programa que reflectisse um consenso entre os partidos, uma exigência da oposição que não mereceu o acolhimento do MPLA. "O GURN não tinha um programa de governo mínimo em que houvesse consenso", sublinha.
Discriminação interna
Também para Sapalo António, que nessa altura era vice-ministro da Indústria, em representação do Partido de Renovação Social (PRS), o GURN foi um Governo no qual a reconciliação não passava de "mera aparência", já que os membros oriundos de outras forças políticas eram alvos de uma forte discriminação interna.
Angola: Governo de Reconciliação Nacional nasceu há 20 anos
"Aparentemente era um Governo de reconciliação, mas era um Governo assente na discriminação e humilhação de representantes de outros partidos", recorda.
Segundo o político, no GURN, os ministros e vice-ministros dos partidos da oposição tinham apenas "funções decorativas" e os diretores nacionais chegavam a ter mais poder na prática que os seus superiores hierárquicos. "O MPLA não era um partido capaz de conviver de forma salutar com membros de outros partidos", diz.
"Experiência única"
O advogado David Mendes, que foi secretário do Estado para o Ambiente em representação do Partido da Aliança Juventude, Operários e Camponeses de Angola (PAJOCA), afirma que o GURN foi uma "experiência única": apesar de ser um governo de unidade nacional, existia um programa de governo do partido vencedor.
Quanto ao funcionamento do Executivo, o causídico afirma ter boas recordações e que os princípios da unidade e patriotismo eram a bandeira de ação. "Não era visível, pelo menos enquanto eu estive lá, no Conselho de Ministros e no relacionamento entre as pessoas qualquer sinal de que havia várias forças políticas", lembra.
Segundio David Mendes, cada instituição tinha liberdade para elaborar um programa específico, mediante as linhas de base do programa de governo, o que no seu entender, representou uma certa abertura.
A DW África tentou, sem sucesso, obter uma posição do MPLA, o partido no poder, sobre o GURN.
Dez anos de paz em Angola
No dia 4 de Abril de a 2002 foi assinado o acordo de paz entre o governo do MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola - e a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola - , as duas formações políticas que mais influência tinham e têm no país. Dez anos depois, o que como está o país em termos de democracia, desenvolvimento humano, económico e social?
Foto: AP
À terceira foi de vez
A 4 de abril de 2002, o chefe das forças armadas do governo do MPLA, General Armando da Cruz Neto (esq.), e o chefe do estado-maior da UNITA, General Abreu Muengo Ukwachitembo Kamorteiro, trocam o acordo de paz assinado na Assembleia Nacional, em Luanda. Foi o terceiro acordo entre estas duas frações da guerra civil em Angola depois de Bicesse (Portugal) em 1991 e Lusaka (Zâmbia) em 1994.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
Como tudo começou
A guerra começou com a luta contra o poder colonial. Em 1961 vários grupos lutaram contra os portugueses. O MPLA, apoiado pela ex-União Soviética e por Cuba foi um desses grupos, assim como a UNITA que, inicialmente, teve o apoio da China, e a FNLA que teve o apoio de Mobuto Sese Seko, na altura presidente do então Zaire. Na foto: soldados portugueses em Angola no ano de 1961.
Foto: AP
Guerra entre iguais
Após a saída dos portugueses e a independência formal, a 11 de novembro de 1975, os três movimentos de libertação MPLA, UNITA e FNLA entraram em conflito. O MPLA de orientação marxista contou com apoio soviético e cubano. A UNITA recebeu apoio dos Estados Unidos da América e de tropas sul-africanas.
Foto: picture-alliance/dpa
Refugiados de guerra
Segundo dados do ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 600 mil angolanos refugiaram-se no estrangeiro e cerca de 4 milhões dispersaram-se pelas regiões do próprio país. Na fotografia: refugiados angolanos num acampamento próximo do Huambo no ano de 1999.
Foto: picture-alliance / dpa
Retirada dos soldados cubanos
O general cubano Samuel Rodiles, o general brasileiro Péricles Ferreira Gomes, chefe de um grupo de observadores da ONU e o general angolano Ciel Conceição, a 10 de janeiro de 1989 (da esq. a dt.). Dia em que os primeiros três mil soldados cubanos sairam do país. A retirada foi fixada num acordo assinado em 1988, entre a África do Sul, Cuba e Angola. Cuba orientava o MPLA militarmente desde 1975.
Foto: picture-alliance/dpa
Apoio da ex-República Democrática da Alemanha ao governo do MPLA
O Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, visitou no dia 14 de outubro de 1981 o Muro de Berlim do lado da Alemanha Oriental (RDA). Na Porta de Brandemburgo, recebeu as saudações das tropas de fronteira da República Democrática da Alemanha do Tenente-General Karl-Heinz Drews.
Foto: Bundesarchiv
Primeira tentativa falhada em 1991 e 1992
Depois do acordo de paz de Bicesse (Estoril, Portugal) de 1991, realizaram-se as primeiras eleições presidências do país em 1992. O candidato do MPLA, José Eduardo dos Santos, saiu vencedor, mas sem maioria absoluta na primeira volta. Jonas Savimbi, o líder da UNITA, não aceitou o resultado e nunca chegou a haver uma segunda volta das eleições. A guerra continuou.
Foto: dapd
Segunda tentativa falhada em 1994
Depois do acordo falhado de Bicesse (Portugal) de 1991, houve uma segunda tentativa em Lusaka, na Zâmbia, no ano de 1994. O presidente da Zâmbia, Frederick Chiluba (centro), levanta as mãos do presidente angolano, José Eduardo dos Santos (esq.), e do chefe do movimento de guerrilha UNITA, Jonas Savimbi. Eles celebram o protocolo de Lusaka, mas o país acabou por entrar novamente em guerra.
Foto: picture-alliance/dpa
A morte de Jonas Savimbi
Fevereiro de 2002: Jonas Savimbi, o líder da UNITA, é morto pelos soldados governamentais no leste de Angola. Com a morte da pessoa, que era considerada a mais carismática da oposição em Angola, abriu-se uma nova oportunidade para a paz.
Foto: AP
Paz sem satisfação
Desde 2011 jovens saem às ruas, um pouco por todo o país, para protestar contra os 32 anos de governo do MPLA. Exigem eleições livres e transparentes e o fim do governo de José Eduardo dos Santos. Na imagem: manifestantes em Benguela.
Foto: DW
Petróleo e pobreza
Após 10 anos de paz, petróleo e pobreza abundam no país. De acordo com as Nações Unidas, o petróleo representa 96% das exportações do país. No entanto, de acordo com o Banco Mundial, em 2010, uma em seis crianças morria nos primeiros cinco anos de vida e grande parte da população angolana continua a viver na pobreza. (Autora: Carla Fernandes; Edição: Johannes Beck)