FRELIMO vs Venâncio Mondlane, um diálogo de surdos à vista?
31 de outubro de 2024Quando a revolta popular tomou conta de Moçambique a 21 de outubro, a FRELIMO mostrou-se prontamente aberta ao diálogo com Venâncio Mondlane, alertando, contudo, que tem "linhas vermelhas nesse diálogo".
O PODEMOS, partido que apoia o candidato presidencial independente do momento, entretanto, parece ver com desconfiança a boa vontade do partido que governa. Pires Eugénio é o porta-voz e afirma: "Nós temos visto o nosso Governo muito empenhado com o Governo angolano e que o Governo angolano é expert nessa matéria".
"E diz-se que esta tática foi dada a partir do Governo angolano, foi o que este fez nas eleições passadas", destaca.
Quem também tem reservas em relação à genuinidade da oferta do partido que governa há quase 50 anos é o académico moçambicano Rufino Sitói. Num diálogo de alto nível, que aspetos relevantes para Moçambique e para o seu povo deveriam ser discutidos entre as partes desavindas?
Para Sitói seria "primeiro, a devolução do poder de decisão sobre as questões eleitorais aos tribunais distritais, que foi uma reversão que se seguiu às eleições autárquicas". O académico prossegue: "Penso também que é preciso olhar para a despartidarização da CNE, não faz sentido que a CNE seja resultado da partidarização de partidos políticos". Outro elemento essencial para o pesquisador seria "tirar da CNE o poder de decidir por meio de votação, por exemplo, questões de resultados eleitorais".
GUN em riste
Sobre o tão especulado Governo de Unidade Nacional (GUN) Sitói admite ser uma possibilidade, mas com um senão: "Quer me parecer difícil, pois do ponto de vista legal e constitucional o Presidente ainda controla muito o Estado. Parece-me que nem FRELIMO nem o Venâncio Mondlane estão dispostos a abdicar da Presidência."
O académico português Fernando Cardoso acredita que poderá ir à mesa de conversações a exigência de Venâncio Mondlane da disponibilização dos editais que estariam na origem da fraude eleitoral, que desencadeou a tensão popular.
Porém, Cardoso acredita que a disponibilidade para dialogar não passa de uma estratégia da FRELIMO para ganhar tempo em momento de crise, embora aprecie a predisposição para tal. Mas o académico não acredita num desfecho bem-sucedido: "Eu acho que é um diálogo de surdos. Sinceramente, estou extremamente negativo em relação ao que se vai passar, creio que isto não vai correr bem e creio que a FRELIMO vai ter de aceitar que perdeu as eleições e vai ter de entregar o poder, é a única solução que vejo."
Assassinato de Venâncio Mondlane?
Mas visualiza uma hipótese mais extrema: "A outra solução é matarem Venâncio Mondlane".
Entretanto, o que seria ideal para o país e o que desejam as partes antagónicas, FRELIMO e Venâncio Mondlane, pode não convergir na totalidade. Aventa-se mesmo, antes do levante popular, um Governo de Unidade Nacional como possível solução para a crise.
Sitói vê uma FRELIMO em estado de profunda negação e insiste que os "libertadores" não deverão abrir mão da Presidência do país no esperado diálogo: "A FRELIMO iria exigir a Presidência da República, esta é a maior razão de contenda entre os dois grupos".
E cogita ainda o seguinte: "A FRELIMO talvez ofereceria a Venâncio Mondlane mais assentos no Parlamento, mas a Assembleia da República não faz nada em Moçambique". E sobre um GUN, entende que "se calhar questões ministeriais, com ministérios que têm mais poderes. Geralmente disputa-se o ministério da Defesa, das Finanças e a inteligência do Estado. Mas não sei se a FRELIMO está disposta a isso e se já percebeu que está diante de um problema grave."
Impasse à vista
O mesmo exigiria Venâncio Mondlane, diz académico moçambicano: "Parece-me que este está preocupado em assumir o poder e esta é a razão pela qual as pessoas estão a sair à rua para contestar [a sua suposta derrota]".
Um impasse se desenharia. Rufino sublinha, contudo, que se estaria apenas diante de um diálogo que deverá já estar a ser preparado e não de uma negociação. Mas o académico defende a realização de novas eleições com as reformas necessárias no sistema eleitoral, um processo que adivinha longo e desprovido de consensos...
Fernando Cardoso alinha pelo mesmo diapasão e antevê: "O máximo que a FRELIMO está disposta a fazer é uma espécie de Governo de Unidade Nacional, incluindo o PODEMOS, o MDM e a RENAMO num Governo presidido por Daniel Chapo [da FRELIMO]".
Contudo alerta que "se o Venâncio Mondlane aceitar esta solução, significa que ele perde a face relativamente a quem votou nele. Acho muito difícil haver qualquer solução que não vá contra os interesses entrincheirados da FRELIMO, e acho que Venâncio Mondlane não vai aceitar isso."