Governo do Príncipe quer reforçar autonomia regional
Lusa | kg
9 de junho de 2019
O presidente do Governo Regional do Príncipe defende a realização de um processo de revisão constitucional para garantir mais autonomia à ilha. José Cardoso Cassandra admite, entretanto, que é difícil executar a medida.
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O presidente do Governo Regional do Príncipe defendeu a necessidade de uma revisão constitucional para reforçar a autonomia da ilha em entrevista à Agência Lusa publicada este domingo (09.06). José Cardoso Cassandra admitiu, entretanto, dificuldades nesse processo perante à atual "crispação política".
"Nós dizemos que é urgente avançarmos com uma revisão constitucional para que a autonomia se consolide e para que de facto tenhamos uma autonomia mais ampla, com capacidade de podermos realizar aqui e assumirmos algumas ações", afirmou.
Para aprofundar a autonomia da região autónoma, é necessário abrir um processo de revisão constitucional, mas Cassandra admite ser difícil encontrar um consenso.
"Estamos com uma crispação política desnecessária. Nem sequer compreendo as razões dessa crispação política que se decidiu colocar no país, mas penso que é necessário (...) nós criarmos consensos para fazermos reformas no país e fazer o país avançar", defendeu.
Cassandra afirmou que "toda a gente quer fazer [as alterações], mas toda a gente está cheia de medo, porque instalou-se uma desconfiança profunda entre os políticos e ninguém acredita em ninguém".
Autonomia limitada
O governante referiu que a autonomia da região autónoma "é muito limitada", já que alguns acordos só podem ser feitos pelo Estado. "Estamos a lutar há uns quatro anos com a EDP Renováveis para avançarmos com um projeto de energias renováveis aqui no Príncipe para deixarmos de depender dos combustíveis fósseis. É um problema logístico trazer para aqui gasóleo. O poder central tem dificuldade em perceber isto e leva muito tempo", relatou.
Outra preocupação é a ligação submarina de fibra ótica. "O Governo central amarrou o cabo submarino à ilha de São Tomé, o Príncipe não está amarrado. Nunca se pensou no Príncipe como parcela do país para ser amarrado ao cabo submarino. Nós não fazemos a harmonia neste processo de desenvolvimento e o Príncipe sai, de longe, prejudicado com este processo. As dificuldades são acrescidas", comentou José Cardoso Cassandra. Se houvesse esta ligação, acrescentou, a ilha poderia fazer telemedicina ou cursos online com universidades do exterior.
"Eu defendo que de facto o país devia olhar para esta questão. A experiência que nós temos do processo de autonomia é boa e tem servido ao país", afirmou, referindo que o Príncipe tem hoje "os melhores indicadores sociais e económicos em alguns setores".
O presidente do Governo Regional do Príncipe também elegeu a construção de um porto na ilha como "a grande prioridade" nacional para contrariar o isolamento da região autónoma.
Com cerca de sete mil habitantes, a ilha do Príncipe é servida por via marítima por um pontão onde apenas podem atracar determinados tipos de navios, o que, combinado com o preço das ligações aéreas com São Tomé, torna "muito difícil" a circulação de pessoas e bens, afirmou Cassandra.
Jovem são-tomense ajuda sem-abrigo em Lisboa
Depois de passar por dificuldades como imigrante na capital portuguesa, Mirko Santiago tomou a iniciativa de recolher alimentos desperdiçados e distribuí-los aos sem-abrigo.
Foto: DW/Joao Carlos
Gesto de solidariedade
Mirco Djallu Vaz Santiago abraçou uma causa solidária. O jovem são-tomense de 26 anos chegou a Portugal em 2010 como turista e passou por inúmeras dificuldades como imigrante. Mesmo em situação irregular em Portugal, decidiu por conta própria ajudar os sem-abrigo espalhados pela capital portuguesa. Atualmente, abraça o desafio contra o desperdício.
Foto: DW/Joao Carlos
Contra o desperdício
Mirco Santiago trabalhava antes numa fábrica de bolos, que eram comercializados em supermercados. No trabalho, viu que muitos bolos iam diariamente para o lixo por não estarem em condições adequadas de comercialização. De modo a evitar o desperdício, achou por bem doar os bolos que recebia às pessoas carenciadas a viver nas ruas de Lisboa.
Foto: Instagram/@tchezboy
Para os que mais necessitam
Na sua rotina entre o trabalho e a casa, o jovem de São Tomé e Príncipe tratou de identificar quem seriam os potenciais beneficiários da sua ação humanitária. Partilhou a ideia pelas redes sociais e encontrou muitos apoiantes entre os seus seguidores no Facebook e no Instagram. Mirco Santiago lamenta o volume de alimentos, ainda em bom estado de consumo, que são deitados ao lixo.
Foto: DW/Joao Carlos
Mãos à obra
Não conformado com a situação, Mirco Santiago meteu mãos à obra. Saiu à rua e fez algo de útil pelos outros. Ao longo da semana, nos dias destinados à recolha de lixo, desloca-se por meios próprios aos locais onde sabe que há desperdício, que lhe é doado. E recolhe pequenas quantidades.
Foto: Instagram/@tchezboy
Organização das embalagens
Mirco Santiago recolhe vários alimentos. Na casa onde vive, em Loures, tem a preocupação de conservar os alimentos, como frango, entrecosto, salsicha, pão e bolos de carne. Depois, no dia seguinte, aquece os produtos e organiza a composição das embalagens. A distribuição é feita até antes da uma da manhã, porque tem de apanhar o metro para regressar à casa.
Foto: Instagram/@tchezboy
Abandonados
No Largo de São Domingos, no Rossio, pernoitam muitos sem-abrigo, alguns incomodados com o facto de terem sido abandonados à sua sorte. É o caso de Ana Maria, nascida no Alentejo, que partilha o local onde dorme no chão. Ana Maria viveu dois anos sozinha na rua antes de encontrar o companheiro João Paulo.
Foto: DW/Joao Carlos
"Queremos trabalho"
O companheiro de Ana Maria veio de São Tomé num avião militar quando tinha 11 meses. O pai era militar e a mãe empregada doméstica. Técnico de impressora de offset, acabou por ficar desempregado. Foi assim que veio parar à rua. "Queremos trabalho", reclama. João Paulo recusa o rendimento mínimo, mas não recusa a ajuda de Mirco Santiago, pessoa que, para ele, nunca será esquecida.
Foto: DW/Joao Carlos
"Devia haver mais pessoas assim"
Faz agora um ano que este homem, que pediu para não ser identificado, vive na rua. O motivo foi uma separação dolorosa. Ao referir-se a Mirco Santigo, diz: "Tem um nome de santo". O sem-abrigo elogia a iniciativa do jovem são-tomense. "Devia haver mais pessoas assim. Há muito poucas. Como ele só conheço mais um senhor", sublinhou.
Foto: DW/Joao Carlos
Continuar a alimentar sorrisos
Atualmente, Mirco Santiago não tem emprego. Participa apenas como figurante numa novela durante o dia. À noite, apesar de alguns entraves e de haver instituições que fazem doações na capital, o jovem está decidido a continuar com este gesto, admitindo a possibilidade de vir a distribuir comida quente confecionada em casa. Quer assim alimentar o sorriso das pessoas que vivem nas ruas da cidade.
Foto: DW/Joao Carlos
Serviços de barbearia
A higiene e a saúde dos sem-abrigo também inquietam o jovem são-tomense. Mirco Santiago pediu ajuda a um amigo cabo-verdiano, Patrick Fernandes, que se disponibilizou a cortar o cabelo de pessoas que vivem nas ruas. "Também já passei por muita coisa. É uma boa atitude da parte dele", sublinha Mirco, que espera contar com o apoio de outros amigos.
Foto: DW/Joao Carlos
Amigo aceitou o desafio
O brasileiro Neto Guerra, barbeiro de profissão, também aceitou o desafio de cuidar do cabelo dos sem-abrigo, sempre que possível. É para ele e Mirco Santiago uma espécie de retribuição pelas ajudas que também receberam no passado quando enfrentaram dificuldades.
Foto: DW/Joao Carlos
"Ficamos com outro aspeto"
João Paulo, que vive nas ruas de Lisboa, critica o sistema social português e agradece o gesto solidário destes jovens. "Esta oportunidade chegou em boa hora", afirma. "Ficamos com outro aspeto".