Governo dos EUA "dececionado" com extradição de Chang
Lusa
24 de agosto de 2021
Justiça sul-africana decidiu que o ex-ministro das Finanças moçambicano, alvo de processos nos EUA e em Moçambique sobre as "dívidas ocultas" e detido na África do Sul, vai a julgamento no seu país de origem.
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O Governo norte-americano está "profundamente dececionado" com a decisão das autoridades sul-africanas de extraditar o ex-ministro moçambicano Manuel Chang para Moçambique, segundo uma declaração do Departamento de Justiça dos EUA enviada esta terça-feira (24.08) à agência de notícias Lusa.
Em causa está a decisão anunciada na segunda-feira pela justiça da África do Sul, à agência Lusa, de que o ex-ministro das Finanças moçambicano, alvo de processos nos Estados Unidos da América e em Moçambique sobre o caso das dívidas ocultas e detido na África do Sul, vai ser submetido a julgamento no seu país de origem.
Contactada pela agência Lusa, a porta-voz do Departamento de Justiça norte-americano Nicole Navas declarou que "o Governo dos EUA está profundamente dececionado com a decisão do Governo sul-africano de extraditar Manuel Chang para Moçambique em vez dos Estados Unidos".
Manuel Chang está detido na África do Sul no âmbito de um mandado de captura dos Estados Unidos da América, que reclamam a extradição do antigo governante moçambicano para o seu território.
"O ex-ministro das Finanças de Moçambique é acusado nos Estados Unidos de defraudar cidadãos americanos em milhões de dólares e causar danos significativos a Moçambique e ao seu povo", prossegue a declaração do Departamento de Justiça.
"Justiça seria mais bem servida" com Chang nos EUA
A administração norte-americana sublinha que "a justiça seria mais bem servida por meio da extradição do Sr. Chang para os Estados Unidos", mas o Departamento de Justiça dos EUA promete prosseguir com "o compromisso de perseguir fraude em grande escala, suborno e branqueamento de capitais e responsabilizar os responsáveis".
Manuel Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante o Governo do Presidente Armando Guebuza, entre fevereiro de 2005 e dezembro de 2014, tendo dado aval para a contração de empréstimos secretos de cerca de dois mil milhões de euros.
Segundo a investigação dos EUA, grande parte da fraude e lavagem de dinheiro passou por transferências processadas por instituições bancárias em Nova Iorque.
No contexto da acusação do Governo norte-americano, submetida a 19 de dezembro de 2018, os procuradores norte-americanos explicavam o pedido de extraditar Manuel Chang para Nova Iorque pela seriedade da ofensa criminal, risco de fuga e "evidência irrefutável de culpa".
Jean Boustani, empresário libanês julgado no mesmo caso, foi considerado inocente pelo júri norte-americano, a 2 de dezembro de 2019, porque os procuradores não conseguiram convencer o júri de que o caso era relevante para os Estados Unidos.
Esta segunda-feira, o Ministério da Justiça e Serviços Correcionais da África do Sul confirmou que "foi tomada a decisão de extraditar o arguido para Moçambique".
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O fim de um impasse
O porta-voz do ministro da Justiça sul-africano explicou que Manuel Chang, detido desde 29 de dezembro de 2018 na África do Sul a pedido dos EUA, será "entregue às autoridades moçambicanas para ser julgado ao abrigo da lei moçambicana por abuso de posição e função, violação de leis orçamentais, fraude, desfalque, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa".
Decisão sobre extradição de Chang "não surpreendeu"
01:06
A decisão anunciada na segunda-feira deu fim a um impasse de vários anos, já que em outubro de 2019 o Tribunal Superior da África do Sul considerou inválida a decisão do anterior ministro da Justiça Michael Masutha de extraditar Manuel Chang para Moçambique, uma vez que "ainda gozava de imunidade" no seu país, remetendo o caso novamente para o novo ministro da Justiça, Ronald Lamola.
A transferência de Manuel Chang do Centro Correcional de Modderbee, leste de Joanesburgo, para as autoridades em Moçambique está a ser facilitada pela Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL), referiu o porta-voz do ministro da Justiça e Serviços Correcionais sul-africano à Lusa.
A Justiça dos EUA acusou Manuel Chang de conspiração para fraude eletrónica, conspiração para fraude com valores imobiliários e lavagem de dinheiro.
De acordo com a acusação norte-americana, Manuel Chang avalizou dívidas de mais de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros) secretamente contraídas a favor das empresas públicas Ematum, Proindicus e MAM, ligadas à pesca e segurança marítima em Moçambique.
Os negócios causaram "dívidas ocultas" nas contas públicas moçambicanas, descobertas após vários anos e que prejudicaram gravemente o país.
A justiça moçambicana iniciou esta segunda-feira o julgamento do processo principal deste caso, com um total de 19 arguidos, incluindo um filho do ex-Presidente Guebuza.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)