Governo e nova liderança da RENAMO retomam diálogo
Leonel Matias (Maputo)
18 de maio de 2018
Filipe Nyusi anunciou esta quinta-feira que reiniciou conversações com o principal partido da oposição. As duas partes estão esperançadas na finalização em breve do processo de descentralização e desarmamento da RENAMO.
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O Governo e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) retomaram o diálogo de paz ao mais alto nível que tinha sido interrompido, na sequência da morte do líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama, no dia 3 de maio.
A nova liderança da RENAMO tem à cabeça Ossufo Momade, que foi eleito coordenador da Comissão Política do partido, na sequência da morte de Afonso Dhlakama.
"Espero que se finalize o pacote legal de descentralização [cuja proposta já se encontra depositada no Parlamento] com a maior celeridade possível, o que implicará uma revisão pontual da constituição da república", afirmou o Presidente da República, Filipe Nyusi, durante um banquete de Estado em honra do seu homólogo do Uganda, Yoweri Museveni, de visita a Moçambique.
Divergências em torno dos administradores
O porta-voz da RENAMO, José Manteigas, confirmou a DW África a retoma dos contactos, manifestando a expectativa de que o processo termine o mais rapidamente possível. Segundo José Manteigas, a RENAMO acredita que todo o Parlamento está disponível, ou pelo menos manifesta a intenção, de corresponder às expectativas do país e aos entendimentos alcançados entre o Presidente Nyusi e Afonso Dhlakama.
Governo e nova liderança da RENAMO retomam diálogo
Recentemente, a chefe da bancada parlamentar da RENAMO, Ivone Soares, afirmou que mantinham-se as divergências quanto à indicação do administrador do distrito. Enquanto o maior partido da oposição exige que seja nomeado pelo governador de província, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) defende a sua nomeação ao nível central pelo titular do pelouro.
Nesta retomada do diálogo com o Presidente da República, o pacote sobre descentralização "é o ponto principal", diz José Manteigas, "porque era o único ponto não consensual" na altura da morte do líder da RENAMO.
"Esperamos que ao longo destes dias consigamos, de facto, alcançar um consenso ou, pelo menos, um entendimento", adianta o porta-voz à DW África.
Questões militares para breve
Outro ponto na agenda das negociações são as questões militares. "Esperamos em simultâneo finalizar os assuntos militares, que comportam o desarmamento, desmobilização e reintegração dos elementos armados da RENAMO, processo que já possui bases suficientes para ser iniciado", afirmou o Presidente Filipe Nyusi.
O porta-voz da RENAMO confirmou que existem já elementos suficientes para que as questões militares tenham o seu desfecho. No entanto, lembrou que Nyusi e Dhlakama tinham acordado que os processos de descentralização e de desarmamento "tinham de andar", embora um pudesse "ser mais veloz que o outro".
O atual diálogo entre o Presidente Nyusi e a nova liderança da RENAMO decorre num ambiente positivo, segundo José Manteigas. "Até aqui não temos motivo de queixa, há receptividade de ambas as partes e estamos esperançados que o ambiente vai continuar cordial e saudável como tem acontecido até aqui", disse."Ainda não houve um encontro tête-à-tête com o Presidente da República, mas através das pessoas que têm tido o papel de mediar e os contactos telefónicos [entre o Presidente e o coordenador da Comissão Política da RENAMO, Ossufo Momade] revela-se um bom ambiente e isso é muito positivo", concluiu o porta-voz da RENAMO.
Afonso Dhlakama, homem de causas
O percurso de Afonso Dhlakama enquanto político e militar quase se confunde com a história de Moçambique independente. Em nome da democracia não hesitou em entrar numa guerra. Herói para uns, vilão para outros.
Foto: picture-alliance/dpa
Dhlakama, um começo na FRELIMO que não vingou
Afonso Macacho Marceta Dhlakama nasceu a 1 de janeiro de 1953 em Mangunde, povíncia central de Sofala, Moçambique. Entra para a FRELIMO perto da época da independência em 1975, mas não fica muito tempo. Em 1976 sai do partido que governa o país para co-fundar a RNM (Resistência Nacional de Moçambique), um movimento armado, com o apoio da Rodésia do Zimbabué. O objetivo: por fim a ditadura.
Foto: Imago/photothek
Dhlakama: Desde cedo líder da RENAMO
A guerra civil entre a RNM, depois denominada RENAMO, Resistência Nacional de Moçambique, e o Governo começou em 1976. Dhlakama assume a liderança da RNM depois da morte de André Matsangaíssa em combate em 1979. Já era líder quando o primeiro acordo que visava por fim a guerra foi assinado entre o Governo e o regime do apartheid na África do Sul em 1984. Mas o Acordo de Inkomati fracassou.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
AGP: Democracia entra no vocabulário com Dhlakama
Depois de 16 anos de guerra Dhlakama assina com o Governo o Acordo Geral de Paz de Roma em 1992 no contexto do fim da guerra fria e do apartheid na África do Sul. Começa uma nova era para o país, depois de uma guerra que fez perto de um milhão de mortos e milhões de refugiados. A democracia passa então a fazer parte do vocabulário dos moçambicanos, com Dhlakama a auto-intitular-se o seu pai.
Foto: picture-alliance/dpa
O começo das derrotas de Dhlakama nas eleições
Moçambique entra para a era do multipartidarismo e realiza as suas primeiras eleições em 1994. Dhlakama e o seu partido perdem as eleições. As segundas eleições acontecem em 1999 e Dhlakama volta a perder, mas rejeita a derrota. E desde então não parou de perder, facto que provocou descontentamento ao partido de Dhlakama. Reclamava de fraudes e injustiças. E nasceram assim as crises com o Governo.
Foto: Reuters/Grant Lee Neuenburg
Dhlakama: O regresso às matas como estratégia de pressão
O regresso do líder da RENAMO à Serra da Gorongosa em 2013, um dos seus bastiões militares, foi uma mensagem inequívoca ao Governo da FRELIMO. Dhlakama queria mudanças reais, que passavam pelo respeito integral do AGP, principalmente a integração dos militares da RENAMO no exército nacional, e mudança da legislação eleitoral. Assim o país voltou a guerra depois de mais de vinte anos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Armando Guebuza e Dhlakama em braço de ferro permanente
A 5 de agosto de 2014 o então Presidente Armando Guebuza e Afonso Dhlakama assinaram um cessar-fogo. Estavam criadas as condições para o líder da RENAMO participar nas eleições gerais de outubro de 2014. Dhlakama e o seu partido participam nas eleições e voltam a perder. As crise volta ao rubro e Dhlakama regressa às matas da Gorongosa.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Emboscada contra Afonso Dhlakama
A 12 de setembro de 2015 a caravana em que seguia Afonso Dhlakama foi atacada na província de Manica. Ate hoje não se sabe quem foram os atacantes. A RENAMO considerou a emboscada como uma tentativa de assassinato do seu líder. A comunidade internacional condenou o uso da violência.
Foto: DW/A. Sebastião
Aperto ao cerco contra Afonso Dhlakama
No dia 9 de outubro de 2015, a polícia cercou e invadiu a casa de Afonso Dhlakama na cidade da Beira. As forças governamentais pretendiam desarmar a força a guarda do líder da RENAMO. Os homens da RENAMO que se encontravam no local foram detidos. A população da Beira, bastião da RENAMO, juntou-se diante da casa de Dhlakama manifestando o seu apoio ao líder.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Dhlakama e Nyusi: Menos mãos melhores resultados
O líder da RENAMO e o Presidente da República decidiram prescindir de mediadores e passaram a negociar o acordo pessoalmente. Desde então consensos têm sido alcançados, um deles relativo à revisão pontual da Constituição, no âmbito do processo de descentralização em fevereiro de 2018. A aprovação da proposta pelo Parlamento é urgente, pois as próximas eleições de 2018 e 2019 dependem dele.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
Dhlakama: Não foi a bala que ditou o seu fim
Na manhã de 3 de maio o maior líder da oposição em Moçambique perdeu a vida vítima de doença. Deixa aos seus correlegionários a tarefa de negociar outro ponto controverso na crise com o Governo: a desmilitarização ou integração dos homens armados da RENAMO no exército nacional. Há quase 40 anos à frente da liderança da RENAMO teve de negociar com todos os Presidentes de Moçambique independente.