Governo e população reassentada em conflito em Marromeu
Arcénio Sebastião
12 de junho de 2024
O posto administrativo de Malingapanse foi extinto para dar espaço à criação de animais selvagens, o que levou à evacuação da população. Famílias desalojadas foram reassentadas em Nensa, onde enfrentam dificuldades.
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As negociações entre o Governo do distrito de Marromeu, na província moçambicana de Sofala, e a população de Malingapanse, onde residiam seis mil habitantes, começaram em 2008, quando uma firma sul-africana manifestou interesse em explorar a área. No entanto, foi apenas em 2023 que a iniciativa começou a ganhar força.
As primeiras famílias desalojadas foram reassentadas na região de Nensa, onde enfrentam dificuldades devido à pobreza dos solos. Desde dezembro, algumas famílias começaram a abandonar a região e a regressar às suas origens devido à falta de meios de subsistência.
Estas famílias acusam ainda o Governo de pretender vender as suas terras férteis a estrangeiros. A DW África apurou que uma firma de capitais sul-africanos está a negociar a área de Malingapanse para estabelecer negócios.
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As queixas dos realojados
Laurindo Trinta, um dos desalojados, não esconde a sua insatisfação. "O que nos levou a sair de Malingapanse é que o governo insistiu, há mais de cinco anos, porque lá há animais selvagens, há invasão de água salgada. Então, devíamos ir para um bom lugar, que é a zona de Rama Rama, mas vieram nos deixar em Nensa. Aqui as pessoas negaram muito, mas acabamos aceitando porque confiamos no governo", relata à DW.
Mateus Aleixo, outro desalojado, relembra a vida produtiva que levava em Malingapanse, onde cultivava hortícolas e cereais, além de pescar. Em Nensa, enfrenta dificuldades de adaptação. "Lá estávamos a viver bem porque, através da terra, conseguíamos comida. Agora, aqui só esperamos pelas ofertas. Desde que viemos, não nos dão machambas", conta.
Aleixo diz que a comida distribuída é escassa."Imagina com nove membros na família, só recebemos cinquenta quilogramas, isto não basta", salienta.
Manuel António também se queixa das condições em Nensa. "Estamos a pedir faixa de machamba para que possamos sustentar a nossa vida, porque não podemos confiar no governo para nos dar comida. Não estamos a ver aquilo que pedimos", lamenta.
"Para a pessoa viver com os filhos à vontade, tem que comer. Nossos filhos já estão cá, todos, e nossas mulheres já foram fazer biscates nas zonas e estão a trazer mandiocas pequenas. Assim, estamos a ter ideia de voltar para Malingapanse, não temos como", conclui o habitante.
Outra preocupação é a inadequação das casas oferecidas, especialmente em tempos de chuva. "Estas casas que temos aqui não se comparam com as casas que deixamos lá na nossa origem. Outros deixaram boas casas, mas aqui, quando chove, a água entra daqui e sai de lá", reclama Laurindo Trinta.
Governo reconhece "desafios"
O Governo reconhece as inquietações dos reassentados e classifica-as como desafios. "É normal que eles digam isso, mas no cômputo geral está garantida a assistência para seis meses. Depois daí, eles poderão, por si próprios, com a produção familiar, dar continuidade às suas próprias vidas", afirma o secretário permanente do distrito Marromeu, Luís Frederico.
"Em termos de atribuição de espaços", continua, "é um desafio que temos, mas não vai levar muito tempo, visto que os próprios parceiros já criaram condições para atribuição de alguns insumos para a prática da agricultura, mesmo lá na zona de reassentamento".
A situaão em Marromeu continua a ser um tema de grande preocupação para os moradores deslocados, que buscam um futuro mais estável e sustentável.
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.