Governo moçambicano no Parlamento responde à oposição
Leonel Matias (Maputo)
16 de maio de 2019
O governo moçambicano esteve no parlamento e perante os partidos da oposição pronunciou-se sobre os temas quentes que atingem o país. Falou sobre a RENAMO, a ajuda às vítimas dos ciclones e dos ataques em Cabo Delgado
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Em Moçambique, a RENAMO voltou a exigir esta quinta-feira (16.05) a integração dos seus homens armados no Serviço de Informação e Segurança do Estado, SISE. A exigência foi feita durante uma sessão de perguntas das três bancadas parlamentares ao Governo.
As bancadas da FRELIMO e da RENAMO voltaram a trocar acusações pelo atraso no processo de desarmamento, desmobilização e reintegração dos homens armados do maior partido da oposição, que ainda se encontram nas matas.
A FRELIMO defende que este processo devia ter terminado até o mês de abril para permitir que o país realize as eleições gerais em outubro próximo sem um partido armado. Segundo o deputado Edmundo Galiza Matos Júnior, a RENAMO é o único partido no mundo que mantém ilegalmente armas em sua posse e ao mesmo tempo está no Parlamento a discutir política, como defende. "A razão é uma e única, a RENAMO nunca em todos estes anos soube ser uma alternativa ao governo, usando o povo como escudo e as armas como meio para alcançar o poder”.
Moçambique - Parlamento Debate
Por seu turno, o deputado da RENAMO, José Manteigas afirmou o seguinte. "Estas armas estão onde devem estar. Tanto é assim que o Presidente da República foi a Gorongosa e saiu de lá são e salvo, porque essas armas não estão a fazer mal a ninguém”.
Assistência desviada
Outro dos temas levantado pelos deputados está relacionado com a gestão da assistência às vítimas dos ciclones Idai e Kenneth, numa altura em que são reportados desvios de produtos e algumas detenções.
O primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, disse que o Instituto Nacional de Gestão das Calamidades, INGC, distribui a ajuda em coordenação com o Programa Mundial de Alimentação. "O INGC tem publicado de forma periódica a lista dos donativos recebidos. Queremos assegurar que todas as operações de ajuda humanitária da responsabilidade do INGC serão objeto de uma auditoria externa”.
Moçambique vai promover nos próximos dias 31 de maio e um de junho uma conferência internacional de doadores para angariar fundos destinados a reconstrução das zonas afetadas pelos dois ciclones. O ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, João Machatine garante mais fundos. "Para a reconstrução, segundo a metodologia de avaliação pós-desastres, PDNA, deverão ser mobilizados cerca de 3.2 biliões de dólares norte americanos”.
Ataques em Cabo Delgado
Os deputados questionaram ainda sobre a segurança na província de Cabo Delgado, alvo de ataques de homens armados desconhecidos desde 2017.O ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Joaquim Veríssimo, afirmou que a região conheceu um incremento das ações dos insurgentes no início do corrente ano, mas regista-se um clima de relativa estabilidade e tranquilidade, na sequência da resposta das Forças de Defesa e Segurança.
"Desde o início de abril 883 famílias de 42 aldeias estão a regressar voluntariamente às suas residências verificando-se, igualmente, o regresso de crianças às aulas em pelo menos nove escolas”.
Os deputados perguntaram também ao governo o que está a ser feito para a recuperação dos ativos resultantes de práticas criminosas, que têm lesado anualmente o Estado em largos milhões de dólares.
O primeiro-ministro, Carlos Agostinho do Rosário, esclareceu que, "as medidas incluem a recente criação de uma equipa multissectorial que se ocupa da investigação financeira e patrimonial, para além de estar em curso a elaboração de legislação atinente a criação do gabinete de proteção de vítimas e declarantes e a revisão da Lei de Probidade Pública”.
Entretanto, o deputado Rogério Ronguane mostrou-se inconformado. "O povo não aguenta mais o fardo que esta a carregar, o fardo e o peso das dívidas ocultas e não ocultas, ilegais e não ilegais”.
As bancadas parlamentares divergiram na apreciação das respostas do governo, com a FRELIMO considerando que foram claras, precisas e convincentes enquanto a oposição defende que foram evasivas.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)