Regresso às "zonas libertadas" do terrorismo em Cabo Delgado
Delfim Anacleto
24 de março de 2022
O Governo moçambicano diz estar a preparar condições em "zonas libertadas" do terrorismo em Cabo Delgado. Organizações da sociedade civil reclamam a inclusão pelo executivo na implementação do plano de reconstrução.
Publicidade
As autoridades iniciaram, no ano passado, o processo de reconstrução de alguns distritos de Cabo Delgado afetados pelo extremismo violento.
O plano consiste, entre outros aspetos, na reabertura de vias de acesso, recolocação da corrente elétrica, água potável e outros serviços essenciais, para permitir o regresso condigno dos deslocados internos às zonas de origem.
No terreno já estão funcionários públicos para acelerar a reinstalação dos principais serviços, explica o governador da província de Cabo Delgado, Valige Taubo. "Neste momento, nós temos membros do governo em Mocímboa da Praia. Já estão lá a criar condições para que a população seja depois informada. E as condições básicas que eram necessárias já estão lá", afirma o governador.
Algumas pessoas têm optado por retornar às áreas de origem, mas o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) disse esta semana que considera prematuro incentivar o regresso, porque "a segurança continua frágil" nalgumas partes da província de Cabo Delgado.
É preciso "aprimorar a segurança"
Margarida Talapa, ministra do Trabalho e Segurança Social de Moçambique, reconhece que é preciso aprimorar a segurança nos distritos "libertados" do terrorismo.
"O que nós percebemos é que as populações já se encontram nos distritos, algumas estão a voltar. Há uma segurança estável, mas naturalmente é preciso que todos os dias se aprimorem estes aspetos de segurança porque é primordial para que as populações possam estar nestes distritos", explica Talapa.
Uma delegação do Conselho de Ministros esteve há dias em Cabo Delgado para monitorizar de perto a implementação do Plano de Reconstrução.
Os membros do governo central escalaram os distritos de Palma, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Nangade, Macomia e Quissanga, que já foram palco de confrontos.
Publicidade
Governo "pouco inclusivo"
O Fórum das Organizações da Sociedade Civil em Cabo Delgado (FOCADE) entende que o governo tem sido pouco inclusivo no processo de reconstrução. Frederico João é o presidente deste fórum e exige mais transparência ao governo.
Instituto Agrário de Bilibiza segue em frente após ataque
03:29
"Há um sentimento nosso de falta de envolvimento da sociedade civil no plano de reconstrução da província de Cabo Delgado. Por isso, o nosso objetivo é de garantir o seu envolvimento no processo e esperamos que os atores do desenvolvimento sejam mais sensibilizados sobre os desafios deste mesmo plano", afirma.
Frederico João falava numa mesa-redonda realizada esta quarta-feira, em Pemba, onde foi expresso o sentimento das organizações. O encontro juntou, para além do governo, os parceiros de cooperação internacional, membros da sociedade civil e lideranças comunitárias e religiosas.
Menos vulnerabilidade social
Hermenegildo Mulhovo do Instituto para a Democracia Multipartidária sugeriu ações que contribuam para a eliminação de fatores de vulnerabilidade da população.
"O Plano de Reconstrução de Cabo Delgado tem de olhar com muita atenção para os aspetos relacionados, por exemplo a elementos que garantam a coesão entre as pessoas, que nos permitam atacar fatores de vulnerabilidade social que nos dividem e permitem que exista conflito nessas regiões afetadas", diz Mulhovo
Entretanto, depois de um grupo armado ter atacado recentemente a ilha de Matemo, no arquipélago das Quirimbas, as forças governamentais anunciaram o abate de 18 terroristas durante confrontos, além da reposição da segurança.
As autoridades anunciaram o reforço do efetivo policial na ilha, que inclui a força canina para desmantelar possíveis esconderijos de material bélico dos rebeldes.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.