Governo sudanês ameaça suspender negociações de paz
Reuters | Lusa | cvt
31 de dezembro de 2019
Após novo surto de violência, autoridades disseram esta segunda-feira (30.12) que iriam destacar forças militares para Darfur Ocidental e suspender as conversações com grupos rebeldes por 24 horas.
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Não houve detalhes sobre os conflitos nos arredores de Geneina, a capital daprovíncia de Darfur Ocidental, mas o ministro sudanês da Informação Faisal Saleh disse que o chefe do Governo de transição do Sudão e o primeiro-ministro iriam visitar a cidade. Aviões seriam enviados para evacuar os feridos para a capital, Cartum, acrescentou.
Um residente de Geneina disse à agência Reuters que a violência teve início depois que um soldado das Forças de Reação Rápida (RSF) e dois dos seus familiares foram esfaqueados até à morte, em aparente retaliação aos incidentes nos quais locais foram atingidos por carros.
Na segunda-feira (30.12), grupos árabes responderam à morte do soldado com incursões em campos para pessoas internamente deslocadas perto de Geneina e a matar pessoas e gado - tanto em Geneina como nos campos - disse o residente. Um outro morador confirmou esses ataques.
Não ficou claro quantas pessoas tinham sido mortas ou ficado feridas.
O Governo regional declarou um recolher obrigatório em toda a província de Darfur Ocidental.
Em busca de estabilidade
As autoridades de transição do Sudão, que tomaram o poder depois que o ex-presidente Omar al-Bashir foi derrubado em abril, após uma revolta popular, têm mantido conversações com os grupos rebeldes para tentar acabar com os conflitos em várias áreas do país, incluindo a região do Darfur.
Nove grupos rebeldes e o Governo sudanês assinaram, no sábado (28.12), um acordo para negociar a partilha do poder e o regresso de milhões de deslocados - que foi aclamado como um "passo importante" para alcançar uma paz duradoura na região do Darfur.
O conflito no Darfur eclodiu em 2003, depois que rebeldes - na sua maioria, não árabes - rebelaram-se contra Cartum, causando quase 300 mil mortes e 2,7 milhões de deslocados, de acordo com as estimativas das Nações unidas.
Condenações relativas aos protestos
No domingo (29.12), um tribunal de primeira instância do Sudão condenou à morte 29 agentes do Serviço de Inteligência e das forças de segurança do país por torturarem e matarem do professor Ahmed Al-Khair, em fevereiro deste ano, durante os protestos que resultaram na queda do Presidente Omar al Bashir.
Esta é a primeira sentença proferida por tortura e assassinato durante a revolta sudanesa. O juiz Sadiq Abdelrrahman Al Feqi determinou que os acusados sejam enforcados, embora a condenação ainda não seja definitiva.
Os réus foram considerados culpados de matar "de maneira premeditada e participar do crime" do assassinato do ativista e professor secundário Ahmed al Jair, na delegacia em que estava preso desde dezembro do ano passado, por participação em protestos.
O juiz garantiu que as investigações provaram que a vítima foi submetida a violência física por parte das forças de segurança.
Outros dois acusados foram condenados a três anos de prisão pela detenção ilegal do professor, no mesmo julgamento.
A morte de Ahmed al Jair provocou manifestações nas ruas do país durante várias semanas, com pedidos de justiça para a vítima. A audiência em que foi divulgada a sentença foi realizada sobre forte aparato de policiais e militares.
O povo contra o exército - Cronologia da luta pelo poder no Sudão
A evacuação violenta de um campo de protesto na capital sudanesa, Cartum, exacerbou as tensões entre manifestantes e militares. A luta pelo poder documentada em imagens.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Protesto
Durante semanas, manifestantes sudaneses resistiram diante do Ministério da Defesa. Milhares exigiram um conselho de transição que incluísse civis, para poderem também decidir sobre o futuro do país. No início de junho, os militares atacaram violentamente os manifestantes. Dezenas de pessoas morreram.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Em nome da nação
Um manifestante com a bandeira nacional perto do quartel-general do exército. A bandeira representa a exigência dos manifestantes de civis nos comandos para moldarem o futuro do país juntamente com os militares. A acontecer, este seria um passo importante para a democracia.
Foto: Reuters
Sinais de alarme
Os militares aumentaram massivamente a presença nas ruas, nos dias que antecederam o massacre no início de junho. Muitos manifestantes interpretaram a situação como prova de que o exército não queria abandonar o poder. Mas esta tinha sido a grade esperança de muitos sudaneses após a queda do ditador Omar al-Bashir.
Foto: Getty Images/AFP
Uma era chega ao fim
Omar al-Bashir governou o Sudão desde 1993 até sua queda, em abril de 2019. Os seus críticos foram violentamente reprimidos. Para manter o poder, al-Bashir chegou a dissolver o Parlamento, em 1999. Na mesma altura, concedeu asilo ao líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden. Acima de tudo, porém, o seu nome continua associado à guerra sangrenta contra os separatistas na província de Darfur.
Foto: Reuters/M. Nureldin Abdallah
Ditador em tribunal
Ver o ditador em tribunal era um sonho antigo de muitos sudaneses. A 16 de junho, Omar al-Bashir apareceu no processo contra ele instaurado. Para já, é acusado de corrupção e posse ilegal de moeda estrangeira. Depois da sua queda, a polícia encontrou na sua residência sacos de dinheiro no valor de mais de cem milhões de dólares.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Hjaj
As mulheres querem ser ouvidas
Muitas mulheres participaram nos protestos. As mulheres no Sudão sempre beneficiaram de uma liberdade relativamente significante. Agora, não só reforçam quantitativamente as manifestações, como também lhes dão um rosto diferente. A sua presença expressa o desejo de democracia e igualdade de muitos cidadãos.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Ícone da revolução
A estudante de arquitetura Alaa Salah tornou-se a face da revolução. Quando subiu ao telhado de um carro em abril para falar com os manifestantes, um fotógrafo atento fez esta imagem. Desde então, ela tem sido partilhada inúmeras vezes nas redes sociais. Fotos como estas tornaram-se uma parte importante da revolução, porque convidam os cidadãos a identificarem-se com os protestos.
Foto: Getty Images/AFP
Solidariedade internacional
Graças às plataformas sociais online, a notícia dos protestos no Sudão rapidamente correu o mundo. E logo mereceram apoio internacional, como aqui em Edimburgo, Escócia. Recentemente os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia também se fizeram ouvir: "A UE apela ao fim imediato de toda a violência contra o povo sudanês", disseram numa declaração oficial.
No entanto, a oposição ao exército no poder não é consensual. Muitos sudaneses apoiam os militares, porque acreditam que só uma governação autoritária pode conduzir o país a um futuro próspero. Os apoiantes dos militares consideram que o General Abdel Fattah Burhan, presidente do Conselho Militar, representado no cartaz, reúne as condições para cumprir a tarefa.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
À espera
Mas a eminência parda General Mohammed Hamdan Daglu, conhecido por Hemeti, é tido como o homem forte do regime de transição. Daglu comandou a tropa que reprimiu os protestos em frente ao quartel-general militar. Durante a guerra do Darfur, liderou as milícias Janjaweed, que combateram brutalmente os rebeldes. Os manifestantes temem que ele possa vir a ser o novo governante do país.
Foto: Reuters/M.N. Abdallah
O Golfo preocupado
Políticos de outros países árabes também olham com nervosismo para o Sudão. Por exemplo, Mohamed bin Zayad al-Nahyan, o Príncipe Herdeiro dos Emirados Árabes Unidos. Tal como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos temem que o protesto possa ser um exemplo de uma revolução popular bem-sucedida na região, pondo em questão governos autoritários. Ambos os países apoiam os militares sudaneses.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Ministry of Presidential Affairs/M. Al Hammadi
Os vizinhos a norte
Também no Cairo se olha com preocupação para Cartum. O Governo do Presidente Abdel-Fattah al-Sisi receia que a Irmandade Muçulmana possa ganhar influência no Sudão - precisamente o grupo contra o qual o Governo egípcio está a agir com todas as suas forças no seu próprio país. Se a Irmandade Muçulmana se estabelecesse no Sudão, poderia, a partir daí, voltar a exercer uma forte influência no Egito.
Foto: picture-alliance/Photoshot/MENA
Protestos sem fim à vista
No Sudão prosseguem os protestos. No dia 14 de junho, Sadiq al-Mahdi, uma das principais figuras da oposição do país durante décadas, exigiu uma investigação da evacuação violenta do campo de protesto. É algo que não pode agradar aos militares. As tensões poderão voltar a agravar-se.