O académico Severino Ngoenha aponta questões étnicas, discrepâncias sociais e radicalização como causas do conflito em Cabo Delgado. Diz que se tornaram problemas graves desde que a FRELIMO assumiu o poder em Moçambique.
Publicidade
A guerra em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, resulta de um "erro histórico" que a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) "não consegue remediar" desde a independência nacional, considera o filósofo Severino Ngoenha.
Segundo o reitor da Universidade Técnica de Moçambique, trata-se de problemas étnicos e discrepâncias sociais que a FRELIMO não foi capaz de corrigir desde que assumiu o poder, em 1975. O professor destaca que estas questões continuam abertas, mesmo com o partido tendo pessoas de origens étnicas diversas a governar o país.
O Islão é igualmente apontado como o suporte da insurgência, apesar de não ter constituído um problema social forte ao regime colonial. Apesar da relevância histórica para a independência, as comunidades muçulmanas terão sido marginalizadas pelo Governo socialista da FRELIMO. Isso, entretanto, nunca constituiu um problema social forte, diz Severino Ngoenha.
Radicalização do Islão
O académico acredita que o país deixou o Islão se radicalizar em nome de uma neutralidade e um laicismo questionáveis e hoje isto gerou um problema social grave.
"Nos últimos anos há provas de como o novo tipo de Islão, mais radical, que nem respeitava o Islão tradicional presente no território e no espaço, foi gradualmente emergindo no espaço moçambicano. E nós, como país e como Estado, fomos admitindo, em nome da neutralidade e de um laicismo discutível, que se apresentasse até chegar ao processo de radicalização", sublinhou.
A violência terrorista contra crianças em Cabo Delgado
02:28
O académico considera ainda o facto de existir pobreza extrema em diferentes zonas do país e menos pobreza no sul como outro fator que coloca Moçambique em guerra.
Para Severino Ngoenha, trata-se de uma anomalia nacional que a política deveria encontrar maneiras de atenuar. "Não há razão para não transferirmos algumas sedes de poder para fora de Maputo. Não há nenhuma razão para que o Governo, os ministérios, a Presidência, o Parlamento, todos os símbolos do poder, sejam confinados no espaço em Maputo", diz.
Publicidade
As questões socioculturais do conflito
O historiador francês Michel Cahen, da Universidade Eduardo Mondlane, refere que a guerra em Moçambique é facilitada pelo facto de os insurgentes encontrarem jovens desesperados que aceitam filiar-se à sua causa.
"Essa seita 'Al-Shabab' de Cabo Delgado está a oferecer um projeto de vida aos jovens que não têm nenhuma esperança de melhorar socialmente. Aí, voltamos às questões socioculturais e económicas do conflito", salienta.
O conflito em Cabo Delgado começou em 2017. A ONU estima que a instabilidade na região causou já mais de duas mil mortes e fez perto de 700 mil deslocados.
Terrorismo em Cabo Delgado: As marcas da destruição e a crise humanitária
Edifícios vandalizados, presença de militares nas ruas e promessas de soluções por parte de políticos contrastam com a tentativa das populações de levar a vida adiante.
Foto: Roberto Paquete/DW
Infraestruturas vandalizadas
O conflito armado em Cabo Delgado deixou um número de infraestruturas destruídas na província nortenha de Moçambique. Em Macomia, os insurgentes não pouparam nem a Direção Nacional de Identificação Civil. Os danos no prédio do órgão deixaram milhares de pessoas sem documentos. E carro da polícia incendiado.
Foto: Roberto Paquete/DW
Feridas abertas até na sede da Polícia
O edifício da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Macomia ainda carrega as marcas de um ataque em 2020. O tanzaniano Abu Yasir Hassan – também conhecido como Yasser Hassan e Abur Qasim - é reconhecido pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos e pelo Governo moçambicano como líder do Estado Islâmico em Cabo Delgado. Não está claro se o grupo é responsável pelos ataques na província.
Foto: Roberto Paquete/DW
"Eliminar todo o tipo de ameaça"
Joaquim Rivas Mangrasse (à esquerda) foi empossado chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 16 e março. "É missão das Forças Armadas eliminar todo o tipo de ameaça à nossa soberania, incluindo o terrorismo e os seus mentores, que não devem ter sossego e devem se arrepender de ter ousado atacar Moçambique", declarou o Presidente Filipe Nyusi (centro) na cerimónia de posse, em Maputo.
Foto: Roberto Paquete/DW
Missões constantes para conter os terroristas
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique preparam-se para mais uma missão contra terroristas em Palma. A vila foi alvo de ataques, esta quarta-feira (24.03), segundo fontes ouvidas pela agência Lusa e segundo a imprensa moçambicana. Neste mesmo dia, as autoridades moçambicanas e a petrolífera Total anunciaram, para abril, o retorno das obras do projeto de gás, suspensas desde dezembro.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender o gás natural da península de Afungi
A península de Afungi, distrito de Palma, foi designada como área de segurança especial pelo Governo de Moçambique para proteger o projeto de exploração de gás da Total. O controlo é feito pelas forças de segurança designadas pelos ministérios da Defesa e do Interior. Esta quinta-feira (25.03), o Ministério da Defesa confirmou o ataque junto ao projeto de gás, na quarta-feira (24.03).
Foto: Roberto Paquete/DW
Proteger os deslocados
Soldados das FADM protegem um campo para os desolocados internos na vila de Palma. A violência armada está a provocar uma crise humanitária que já resultou em quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Apoiar os deslocados
De acordo com as agências humanitárias, mais de 90% dos deslocados estão hospedados "com familiares e amigos". Muitos refugiaram-se em Palma. Com as estradas bloqueadas pelos insurgentes em fevereiro e março deste ano, faltaram alimentos. A ajuda chegou de navio.
Foto: Roberto Paquete/DW
Defender a própria comunidade
Soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambqiue estão presentes também no distrito de Mueda. Entretanto, cansados de sofrer nas mãos dos teroristas, antigos militares decidiram proteger eles mesmos a sua comunidade e formaram uma milícia chamada "força local".
Foto: Roberto Paquete/DW
Levar a vida adiante
No mercado no centro da vida de Palma, a população tenta seguir com a vida normal quando a situação está calma. Apesar da ameaça constante imposta pela possibilidade de um novo ataque, quando "a poeira abaixa", a normalidade parece regressar pelo menos momentaneamente...
Foto: Roberto Paquete/DW
Aprender a ter esperança com as crianças
Apesar de todo o caos que se instalou um pouco por todo o lado em Cabo Delgado, a esperança por um vida normal continua entre as poulações. Na imagem, crianças de famílias deslocadas que deixaram as suas casas, fugindo dos terroristas, e foram para a cidade de Pemba. Vivem no bairro de Paquitequete e sonham com um futuro próspero, sem ter de depender da ajuda humanitária e longe da violência.