Guerra na Ucrânia pode provocar crise alimentar mundial
Andreas Becker
16 de março de 2022
Fundo Monetário Internacional (FMI) já alertou que a guerra na Ucrânia pode provocar uma crise alimentar mundial. Também o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que o mundo pode enfrentar um "furacão de fome".
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O preço do trigo sobe todos os dias, atingindo recordes máximos. Na bolsa de mercado futuro de Chicago, a maior praça mundial de produtos agrícolas, o preço aumentou 50% depois do ataque russo à Ucrânia. Ambas as partes em conflito, a Rússia e a Ucrânia, estão entre os maiores exportadores de trigo do mundo.
Segundo o economista agrícola Matin Qaim, diretor do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento, em Bona, na Alemanha; "a Rússia e a Ucrânia, juntas, têm uma enorme participação no mercado de trigo mundial. Chega a ser 33,3% do que é comercializado no mundo."
A Rússia é de longe o maior exportador de trigo, seguido dos Estados Unidos, Canadá, França e Ucrânia, que ocupa, assim, o quinto lugar entre os maiores exportadores do produto.
"Grandes problemas ainda estão por vir"
Agora, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, os maiores impactos ainda estão por acontecer, diz o analista. "A maioria dos cereais da Rússia e da Ucrânia é exportada em meados do ano e no final do ano. Os grandes problemas ainda estão por vir", alerta.
A guerra não dificulta apenas a exportação dos estoques de cereais existentes. Se o conflito se prolongar, pelo menos na Ucrânia, não será possível realizar o plantio e a colheita como habitualmente.
Assim, o preço do trigo deverá disparar ainda mais, representando um enorme problema para os países compradores, particularmente para os países em desenvolvimento, que dependem da importação.
Países como o Líbano ou o Egito, por exemplo, importam a maior parte da sua cesta básica. O mesmo acontece em países como o Quénia, que também está dependente das importações de trigo.
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Mas o trigo não é o único produto alimentar exportado pela Rússia e pela Ucrânia. A fatia destes países no mercado internacional do milho e da cevada corresponde a quase 20%. Quanto ao óleo de girassol, chega aos 80%.
"Notamos aumentos de preços não apenas no trigo, mas também noutros alimentos. Para os mais pobres, nos países em desenvolvimento, o aumento dos preços dos alimentos significa, acima de tudo, mais fome. Não há outra saída que não seja comer ainda menos", afirma Qaim.
Esta foi uma preocupação compartilhada, esta semana, pelo secretário-geral da ONU. "Devemos fazer tudo o que for possível para evitar o furacão da fome e o colapso do sistema alimentar mundial", disse António Guterres.
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Difícil compensar as perdas da Rússia
Neste momento, países como a Índia e a China ainda possuem elevadas reservas de trigo e poderiam abastecer o mercado mundial. "Claro que estes dois países podem reduzir os seus estoques e aumentar a oferta de trigo no mercado internacional. No entanto, isso não é suficiente para compensar a quota da Rússia e da Ucrânia", explica Qaim.
Por outro lado, o trigo e outros alimentos continuam a ser cultivados e colhidos na Rússia. "A questão agora é saber se poderemos encontrar formas de garantir que, apesar da guerra, as exportações de alimentos russos evitem uma catástrofe humanitária. Nomeadamente, os impactos da guerra noutras partes do mundo", diz o especialista.
Pelo menos, por enquanto, isso não deverá acontecer. Devido aos aumentos de preços resultantes das sanções económicas impostas por países ocidentais à Rússia, o Kremlin restringiu as exportações de vários produtos para assegurar o abastecimento da sua população nacional.
As restrições russas à exportação de cevada, centeio, trigo, milho, açúcar e outros produtos começaram esta terça-feira (15.03) e permanecem em vigor até 30 de junho.
As sanções impostas contra a Rússia não só tornam as exportações deste país mais difíceis, como inviabilizam também os pagamentos, já que vários bancos russos foram excluídos do sistema de pagamentos internacionais SWIFT. Neste sentido, o economista Matin Qaim alerta que "é preciso discutir seriamente aqui as isenções para os alimentos".
A Ucrânia, outrora chamada "o celeiro da Europa" devido aos seus solos férteis, está a ser fortemente abalada pelo conflito com a Rússia. Mas não deverá sofrer sozinha os efeitos desta guerra.
Rússia - Ucrânia: Uma cronologia das relações que levaram a guerra à Europa
Ao invadir a Ucrânia, o Presidente Vladimir Putin foi acusado pelos países ocidentais de provocar uma guerra na Europa. Veja aqui a cronologia dos acontecimentos que levaram à guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Foto: UMIT BEKTAS/REUTERS
2004
O candidato pró-Rússia, Viktor Yanukovich (na foto), é declarado Presidente, mas alegações de fraude eleitoral provocam um movimento de protesto. Conhecida como a Revolução Laranja, a iniciativa força uma nova votação, que resulta na eleição do pró-ocidental Viktor Yushchenko.
Foto: Reuters/T. Makeyeva
2005
Um ano mais tarde, o novo Presidente, Viktor Yushchenko, promete retirar a Ucrânia da órbita de Moscovo e conduzi-la em direção à NATO e União Europeia. Durante a sua campanha em 2004, Yushchenko sofreu uma tentativa de assassinato por envenenamento que o deixou desfigurado. Desde então, fez uma recuperação física total.
Foto: picture-alliance/dpa/Sputnik/A. Vitvitsky
2008
Na cimeira de Bucareste, a NATO concorda em iniciar o processo de adesão da Ucrânia e da Geórgia. "Acordámos hoje que estes países se tornarão membros da NATO", lê-se na declaração da cimeira. Na mesma cimeira, o Presidente russo, Vladimir Putin (na foto), avisou que as relações com o Ocidente dependeriam do respeito pelos interesses do seu país.
Foto: Vladimir Rodionov/dpa/picture-alliance
2010
Viktor Yanukovich derrota Yulia Tymoshenko nas presidenciais e torna-se chefe de Estado. As eleições foram consideradas justas por observadores internacionais. Uma semana antes da assinatura do acordo com a UE, Yanukovich suspende o processo e anuncia que a Ucrânia prefere juntar-se à Rússia na União Aduaneira Eurasiática.
Foto: Reuters
2013 e 2014
A decisão de Yanukovich gera uma onda de protestos de apoiantes da integração europeia. O movimento chamado "Euromaidan", por centrar as manifestações na Praça Maidan, em Kiev, tornam-se violentos. Dezenas de manifestantes são mortos, mas o Presidente acaba por ser retirado do Governo, exilando-se na Rússia.
Foto: Tomas Rafa
2014 - anexação da Crimeia
Em março, a Rússia anexa a península da Crimeia, no sudeste da Ucrânia.
Em abril, separatistas com apoio de Moscovo declaram a independência das "repúblicas" de Luhansk e de Donetsk, na região oriental ucraniana do Donbass, iniciando uma guerra que provoca 14 mil mortos em oito anos.
Foto: Imago Images
2019
O ex-ator e comediante Volodymyr Zelensky é eleito Presidente da República em 21 de abril e promete pôr fim ao conflito no leste da Ucrânia. Em 2021, apela ao novo Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, para apoiar a adesão da Ucrânia possa à NATO, colocando o país em novamente nos trilhos rumo à Europa.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Sivkov
2021 - Março até Novembro
O Governo russo estaciona tropas perto da fronteira da Ucrânia, alegando treinos miltares.
A Ucrânia acusa Putin de ter concentrado 100 mil tropas e armamento pesado nas suas fronteiras, o que motiva um pedido de explicação dos EUA ao Kremlin. Putin acusa o Ocidente de exacerbar tensões "entregando armas modernas a Kiev e conduzindo exercícios militares provocatórios" no Mar Negro.
Foto: Maxar Technologies via REUTERS
2021 - Dezembro
Biden adverte que a Rússia será alvo de sanções económicas duras se invadir a Ucrânia.
Moscovo divulga as suas exigências ao Ocidente: tratados a proibir a adesão da Ucrânia e da Geórgia à NATO, o estabelecimento de bases militares no leste e a retirada de tropas aliadas da Roménia e da Bulgária, num regresso à situação anterior a 1997.
Foto: Brendan Smialowski/AFP
2022 - 10 de Fevereiro
Tropas russas e bielorrussas iniciam dez dias de exercícios de combate próximo da fronteira da Bielorrússia com a Ucrânia. A presença destas tropas gera mais preocupação na comunidade internacional, que vê os exercícios como um posicionamento estratégico das tropas russas, dando-lhes mais um ponto de entrada na Ucrânia.
Foto: Alexander Zemlianichenko/AP Photo/picture alliance
2022 - 21 de Fevereiro
Os líderes das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Luhansk pedem a Putin para as reconhecer como Estados independentes. Putin assina os decretos em que a Rússia reconhece a independência das regiões e ordena ao exército russo que envie uma missão de "manutenção da paz" para os territórios no leste da Ucrânia.
A NATO acusa Moscovo de fabricar um pretexto para invadir a Ucrânia.
Foto: Alexei Alexandrov/AP Photo/picture alliance
2022 - 22 de Fevereiro
Zelensky pede ao Ocidente "medidas de apoio claras e eficazes", assegura que os ucranianos "não vão ceder uma única parcela do país" e responsabiliza a Rússia por tudo o que acontecer.
Olaf Scholz, chanceler da Alemanha, diz que tomou medidas para interromper a certificação do gasoduto Nord Stream 2, numa decisão saudada pela UE e pelos EUA.
Foto: Clemens Bilan/Getty Images
2022 - 24 de Fevereiro
Tropas russas entram na Ucrânia e muitos locais são atingidos por mísseis. Vladimir Putin pronuncia um discurso no qual afirma que apenas alvos militares serão atingidos. Mas relatos de civis feridos e vídeos de ataques em zonas urbanas enchem as redes sociais. Várias baixas são reportadas nas primeiras horas do conflito.
Foto: Ukrainian President s Office/Zuma/imago images
2022 - 24 de Fevereiro
Edifícios residenciais civis atingidos durante a operação militar do Kremlin contra a Ucrânia. Relatos, vídeos e pedidos de ajuda surgem nas redes sociais, expondo vários cenários em que zonas urbanas e civis foram apanhados na destruição dos ataques militares.
Foto: UMIT BEKTAS/REUTERS
2022 - 24 de fevereiro
Muitas pessoas utilizaram as estações de metro em Kiev como abrigo durante a operação militar do Kremlin. As sirenes contra ataques aéreos soaram pela primeira vez desde a 2ª Guerra Mundial. As estações encheram-se de pessoas à procura de guarida.
Foto: Zoya Shu/AP/dpa/picture alliance
2022 - 24 de Fevereiro
Protestos contra a iniciativa militar do Kremlin surgem em vários países, incluindo na Rússia. Na foto, uma manifestante russa é detida pela polícia enquanto segura um cartaz que diz "Não à guerra!".