Guerra na Ucrânia: Preços atingem nível recorde em África
Martina Schwikowski
18 de maio de 2022
A guerra na Ucrânia está a ter um impacto drástico nos preços do trigo, do gás e da gasolina, em África. Especialistas alertam que, se nada mudar, podemos estar perante "uma crise alimentar de proporções inimagináveis".
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Todas as manhãs, os empregados de um pequeno quiosque localizado num bairro da capital do Quénia, Nairobi, preparam chapati fresco, um pão popular de forma achatada.
O chapati custa geralmente cerca de 20 xelins (0,17 euros). Mas os clientes já quase não têm dinheiro para o comprar. “Agora o chapati custa o dobro. A vida tornou-se extremamente cara", queixou-se um cliente do quiosque.
Samuel Mose, que dirige a pequena padaria, disse à DW, que, embora os preços da farinha de trigo e do óleo de girassol estejam a subir há algum tempo, as coisas estão a piorar devido à guerra da Rússia contra a Ucrânia.
"Estamos a seguir a guerra porque precisamos de saber o que está a acontecer. Alguns dos produtos que utilizamos têm origem nesses dois países", disse Mose.
No Quénia, cerca de um terço do trigo importado provém da Rússia e da Ucrânia. Também a padaria Kenafric, em Nairobi, que produz pão para supermercados, sente o aumento dos preços no mercado mundial.
"A situação é preocupante, não só devido ao preço, mas também devido à escassez no fornecimento", disse o gerente do Kenafric, Keval Shah.
O Kenya Economic Survey de 2022 descobriu que a maioria dos quenianos recorre, cada vez mais, às suas poupanças e a empréstimos para fazer face ao aumento do custo de vida.
Teresa Anderson, coordenadora internacional de política climática da organização não governamental Actionaid, disse à DW que muitos países africanos ainda estão a recuperar das consequências da pandemia, das alterações climáticas, das emergências humanitárias, ou da agitação política e económica.
Zimbabué: preços da gasolina triplicam
De acordo com Teresa Anderson, o aumento global dos preços fez-se sentir mais intensamente em África do que no resto do mundo. "As mães estão a renuncioar a refeições e a passar fome. Muitas já não podem pagar propinas escolares. Os flhos estão a trabalhar e abandonam a escola".
"No Zimbabué, o preço da gasolina triplicou, tal como o preço do gás de cozinha. O preço do macarrão duplicou", disse Anderson.
A especialista em política climática explicou que muitos países já se encontravam numa crise de abastecimento, "mas, se nada mudar, podemos estar perante uma fome de proporções inimagináveis", acrescentou.
"A situação é particularmente extrema no Corno de África, onde 20 milhões de pessoas estão a passar fome devido à seca em curso", disse Anderson.
A fome no Corno de África
De acordo com o Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM), a Somália está à beira de uma catástrofe humanitária. A situação de insegurança alimentar aguda afeta já cerca de seis milhões de pessoas, incluindo 1,4 milhões de crianças. Se as agências de ajuda não receberem financiamento adicional, poderá haver uma crise de fome já em meados deste ano, afima o PAM.
Hirsiyow Idolo Mohamed foi muito afetada pela crise. A mulher somali abandonou a sua aldeia com os seus três filhos. Levou 15 dias para atravessar o deserto com pouca água e comida. Dois dos seus filhos não sobreviveram à árdua caminhada até ao acampamento, que foi recentemente construído para pessoas deslocadas perto da cidade de Dollow, na região de Gedo, no sul da Somália.
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Agricultores fogem da seca e dos bombardeamentos
"Caminhámos bastante e o meu filho estava muito exausto. Ele pediu-me várias vezes: "Mamã, água, mamã, água". Ele começou a ofegar, mas não havia uma gota de água que eu lhe pudesse dar", disse Idolo Mohamed.
O menino de 8 anos de idade morreu à chegada ao acampamento. A caminhada enfraqueceu-o, deixando-o com uma tosse grave.
De acordo com o PAM, só este ano mais de 500.000 pessoas deixaram as suas casas, devido à seca.
Na África Ocidental, a falta de segurança também está a dificultar o abastecimento alimentar. Por exemplo, os agricultores não puderam cultivar os seus campos devido aos ataques da organização terrorista Boko Haram.
Alarmes a tocar
Para Assalama Dawalack Sidi, diretor regional da organização internacional de caridade Oxfam no Níger, urge uma ação para evitar uma catástrofe humanitária.
"Este é um sinal de alarme para o mundo. Estamos a testemunhar 27 milhões de pessoas na África Ocidental que estão a ser afetadas pela pior crise alimentar da última década", disse Dawalack Sidi, acrescentando que o número pode aumentar para 38 milhões se nada for feito.
Isto apesar de não haver motivo para a escassez de trigo, uma vez que há reservas significativas.
Os especialistas estimam que a China, por exemplo, tem cerca de metade das reservas mundiais de trigo nos seus armazéns. Contudo, temem que a República Popular possa explorar a crise alimentar mundial, utilizando cereais para obter concessões.
"A China tem reservas suficientes para apoiar os países mais pobres de África com fornecimentos alimentares", disse Hendrik Mahlkow, do Instituto de Kiel para a Economia Mundial. O Partido Comunista poderia assim aumentar a sua influência económica em África.
Marion Betjen, Mariel Müller (Somália) e Flourish Chukwurah (Nigéria) contribuíram para este artigo.
O fardo da Covid-19 para as famílias de Inhambane
Milhares de famílias estão a sofrer na província de Inhambane, no sul de Moçambique, desde que eclodiu a pandemia do novo coronavirus. Há pessoas sem emprego, em isolamento, obras paralisadas e os bens escasseiam.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Famílias sofrem por causa da Covid-19
Muitos habitantes da província moçambicana de Inhambane perderam os postos de trabalho por causa da crise provocada pela Covid-19, outros foram dispensados para cumprirem o isolamento social. Por outro lado, há obras paralisadas e faltam vários produtos, principalmente nas zonas rurais. Muita gente está a migrar para as cidades e vilas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
A culpa é do coronavírus
Dulce Eugénio, mãe de dois filhos e residente no bairro Sarrene, na cidade de Maxixe, disse que antes da pandemia o negócio corria muito bem, mas depois ficou sem dinheiro: "Consegui comprar o meu terreno e já estava a construir a minha casa de blocos com este pequeno negócio de vender tomates, cebola, pepino e cenoura, mas essa doença veio atrapalhar toda a situação."
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Coronavírus trouxe mais fome"
Com o confinamento obrigatório decretado em abril de 2020, a situação da fome agravou em Inhambane. Os cidadãos consideram que a pandemia do novo coronavírus "trouxe mais fome e miséria às comunidades". O desespero continua a imperar.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Viver de hortaliças é para quem pode
Há cada vez mais pessoas desempregadas, muitas famílias tiveram de adaptar as receitas em casa e passaram a consumir mais verduras, por exemplo. Mesmo assim, nem todos conseguem comprar, porque as hortaliças também já começam a escassear. Marta Alberto diz que não foi registada para receber o subsídio da Covid-19, concedido pelo Estado, e pede ajuda.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Produção agrícola em queda
Não é só a pandemia que tem sido um problema. Não tem chovido e muitas pessoas abandonaram a atividade agrícola. Os camponeses pedem ao Estado sementes, que estão cada vez mais caras no mercado. Em Inhambane, nem todos os camponeses vão receber o subsídio de dois mil meticais mensais (cerca de 23 euros) para suprir as suas necessidades durante seis meses.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Abandonada pela família e sem apoio
Joana Cândido foi abandonada pela família. Vivia com os netos, mas, com a pandemia, o filho solicitou aos netos que residissem juntos noutro bairro, deixando assim a idosa à sua sorte. Com problemas na perna e dores constantes na coluna, não lhe é fácil ter três refeições por dia. Afirma que não foi selecionada pelo Instituto Nacional de Ação Social (INAS) para receber o subsídio da Covid-19.
Foto: Luciano da Conceição/DW
"Estamos a sofrer e precisamos de apoio"
Laura Simão foi registada pelo INAS, na cidade de Maxixe, mas ainda não recebeu o dinheiro e afirma não ter comida suficiente. Em situação semelhante estão muitas outras pessoas carenciadas, que foram inscritas mas ainda não receberam os subsídios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Excluída dos apoios, com a panela vazia
Maria João revela que não foi contemplada pelos apoios da Covid-19. Ficou surpreendida, porque não trabalha, tem filhos a seu cargo e a panela vazia. E pede apoio ao Estado.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Enganar a fome
Teresa António trabalhava como doméstica em Inhambane, numa residência, mas, com a pandemia, teve de deixar de trabalhar para os seus patrões. Agora desempregada, diz que é difícil ter arroz na mesa e, muitas vezes, tem de misturar o arroz com tapioca (farinha de mandioca) para conseguir enganar a fome.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Vender mangas para sobreviver à pandemia
Cândida Maurício fazia venda ambulante no centro da cidade da Maxixe, mas - impossibilitada de continuar o negócio na rua por causa da pandemia - teve de se adaptar. Faz agora revenda de mangas na sua residência, mas soma prejuízos e não recebe apoio do Governo.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Perdeu o emprego com a Covid-19
Com o encerramento dos estabelecimentos comerciais em cumprimento do decreto do estado de emergência, João Saul foi demitido do serviço de guarda. Afirma que a pandemia lhe trouxe efeitos negativos que jamais irá esquecer. Sobrevive com o subsídio que recebe por ser desmobilizado - não superior a 50 euros - valor que considera insuficiente.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Sonho perdido?
Nina Cumbe concluiu o 12º ano de escolaridade em Inhambane, em 2019. Antes da eclosão da pandemia, queria concorrer a uma escola técnica profissional, mas não conseguiu, porque muitos estabelecimentos de ensino tiveram que encerrar com a declaração do estado de emergência no país. Agora, tenta ganhar a vida fazendo tranças a amigas.
Foto: Luciano da Conceição/DW
Resta fé e esperança
No meio de tanto sofrimento provocado pela pandemia do novo coronavírus, as famílias estão a lutar para superar a crise. Ilda Joaquim, residente de Inhambane, afirma que o confinamento social agravou a maneira de viver e que está a ser difícil adaptar-se às novas medidas. Reza muito para que consiga ultrapassar esta crise, porque está difícil receber apoios.
Foto: Luciano da Conceição/DW
À espera de dias melhores
Antes da chegada do novo coronavírus, Maria Alberto fazia trabalhos para terceiros e produzia mandioca para fabricar e vender farinha. Hoje, é uma simples dona de casa que deixa as panelas limpas à espera que o marido traga alguma coisa dos seus biscates diários. Lamenta o sofrimento provocado pela Covid-19, mas vive na esperança de que tudo voltará à normalidade.