O número supera as expetativas, informa a presidente do Comité para o Abandono das Práticas Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança na Guiné-Bissau, em entrevista à DW.
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A lei guineense criminaliza a Mutilação Genital Feminina (MGF) desde junho de 2011. Mas a prática persiste, segundo defensores dos direitos humanos. E há quem insista em revogar a legislação.
Na vila de Quebo, por exemplo, o líder religioso Rachide Djaló anunciou publicamente que lideraria uma campanha de recolha de assinaturas pedindo que o Parlamento anulasse a lei de proibição da MGF, por considerá-la "uma determinação islâmica", noticiou a agência de notícias Lusa, no início de dezembro.
Cerca de 50% das mulheres e raparigas da Guiné-Bissau foram submetidas à excisão, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por tudo isto, é importante que 146 comunidades tenham anunciado agora que vão abandonar a MGF, diz a presidente do Comité para o Abandono das Práticas Tradicionais Nefastas à Saúde da Mulher e da Criança da Guiné-Bissau, Fatumata Djau Baldé.
Em entrevista exclusiva à DW África, a ex-ministra dos Negócios Estrangeiros sublinha que o sucesso nestas comunidades resulta dos trabalhos junto da população rural para uma "mudança de mentalidade". E também do esclarecimento de que, para se seguir a religião islâmica, não é preciso pôr a saúde da mulher em risco.
DW África:A previsão, no início de dezembro, era a de que, até o final de 2016, pelo menos cem aldeias do interior da Guiné-Bissau abandonariam a prática da MGF. Qual é a situação atual?
Fatumata Djau Baldé (FDB): Neste momento, ultrapassámos as expetativas: Ao invés de cem comunidades, até aqui, 146 comunidades declararam o abandono da prática da mutilação genital feminina.
DW África:Onde estão localizadas estas comunidades?
FDB: Por todo o país. Por exemplo, na região na Tombali, 15 comunidades declararam o abandono da prática. Em Quinara, foram 20; em Gabu, 37; em Bafatá, 45 e em Oio, 29 comunidades.
DW África:Na vila de Quebo, local particularmente conhecido pela atuação islâmica, a expetativa de abandono da prática da MGF tem algum simbolismo especial?
FDB: Concretamente, na região de Quebo, o anúncio é feito pela primeira vez.
DW África:Quais foram as reações contrárias?
Guiné-Bissau: 146 comunidades declaram abandono da mutilação genital feminina
FDB: Houve uma petição assinada por alguns [líderes religiosos], dizendo que a prática era recomendação do Corão e que, por isso, a lei que criminaliza a MGF na Guiné-Bissau deveria ser revogada. Mas esse pedido, pelo que se vê, não teve efeito.
DW África:Uma vez anunciado o abandono da prática, há risco de que se continue a MGF?
FDB: Até aqui, entre as comunidades que declararam o abandono, houve um caso. Foi na região leste do setor de Bafatá, onde descobrimos que, depois [de declarado abondono da MGF], houve um ritual. O caso foi denunciado e as pessoas em causa foram conduzidas à Justiça e julgadas.
DW África: Como garantir, então, que a prática da MGF seja abandonada?
FDB: É necessário o acompanhamento, ainda que as comunidades declarem o abandono da prática.
DW África:O que diz, de facto, o Corão sobre a MGF? Poderia mencionar algum trecho ou passagem que explique esta crença?
FDB: Não existe no Corão nenhuma passagem que diga que a prática da MGF seja uma recomendação obrigatória. O livro sagrado menciona que, quando o profeta Maomé estava a passar por Meca, encontrou uma senhora que realizava esta prática e, ao perguntar-lhe o que estava a fazer, a mesma respondeu que era uma fanateca, que fazia a MGF. O profeta, então, teria dito: "Se vais fazer isso que levante o braço". E isso significava cortar a menina superficialmente para não criar maiores danos. Mas o profeta não disse que era obrigatório - aliás, em nenhum momento o Corão diz que a prática da MGF é uma recomendação islâmica e que a mulher deva ser submetida à prática.
Mutilação genital feminina: uma tradição que teima em persistir
A mutilação genital feminina (MGF) persiste em muitos países africanos, apesar de ser proibida oficialmente. Os Pokot, no Quénia, são uma das etnias que continuam a levar a cabo esta prática.
Foto: Reuters/S. Modola
Uma lâmina para todas
Esta lâmina foi usada para mutilar quatro raparigas do Vale do Rift, no Quénia. Para o povo Pokot, o ritual marca a passagem de menina para adulta. Apesar de esta tradição brutal ser proibida por lei, muitas raparigas continuam a ser sujeitas à mutilação genital feminina (MGF), sobretudo em zonas rurais.
Foto: Reuters/S. Modola
Preparativos para a cerimónia
As meninas e mulheres Pokot aquecem-se junto à fogueira às primeiras horas da manhã. Quem não se submete à MGF tem menos hipóteses de casar. A integração das mulheres e a sua sobrevivência económica depende do casamento, principalmente nas áreas rurais. Aquelas que se recusam a participar são renegadas pela sociedade ou até mesmo expulsas.
Foto: Reuters/S. Modola
É impossível dizer "não"
Antes de se proceder ao ritual, as raparigas são despidas e lavadas. Elas sabem de antemão que, tal como as suas mães, vão ter problemas de saúde: quistos, infeções, infertilidade, complicações no parto. A mutilação genital feminina continua a ser praticada em 28 países africanos, na península Arábica e na Ásia. Também há filhas de emigrantes na Europa que são mutiladas.
Foto: Reuters/S. Modola
Espera angustiante
Estas raparigas Pokot esperam pela cerimónia de circuncisão na província de Baringo, no Vale do Rift. O Quénia proibiu a mutilação genital feminina em 2011, 27 por cento das quenianas entre os 15 e os 49 anos foram submetidas a esta prática, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Na maioria das vezes não se usa anestesia e o material não é desinfetado.
Foto: Reuters/S. Modola
Ritual mortífero
Cerimónia de circuncisão: Os Pokot esperam que as raparigas sejam corajosas e não gritem. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% das raparigas morre durante esta cerimónia e 25% morre devido a complicações associadas. Na Guiné-Bissau, metade das mulheres entre os 15 e os 49 anos foi submetida a esta prática, segundo a UNICEF. Na Somália, o número ronda os 98%.
Foto: Reuters/S. Modola
Pedra ensanguentada após o ritual
A forma como se faz a excisão varia de etnia para etnia. Os Pokot fecham a abertura vaginal. A OMS distingue três tipos de MGF: no tipo 1, o clítoris é retirado. No tipo 2, retira-se o clítoris e os pequenos lábios. No tipo 3, a infibulação, os grandes lábios também são retirados e a abertura vaginal é fechada.
Foto: Reuters/S. Modola
Tingir o corpo de branco
Tingir o corpo de branco faz parte do ritual dos Pokot. Em muitos países há campanhas de esclarecimento, para alertar para os perigos da mutilação genital feminina. Mas só lentamente as campanhas dão frutos. No Quénia, há desde 2014 uma unidade da polícia que trata de questões relacionadas com a MGF. Há também uma linha SOS que recebe denúncias.
Foto: Reuters/S. Modola
Trauma para a vida
Após a cerimónia, as raparigas são cobertas com peles de animais e recolhidas para um local onde podem descansar. Na ótica dos Pokot, elas estão prontas para casar e podem receber um dote maior. Alguns povos acreditam que as mulheres submetidas à MGF são mais férteis e fiéis ao seu marido. Quando se faz uma excisão não há volta atrás. Não é possível reverter a mutilação com operações plásticas.
Foto: Reuters/S. Modola
De mãe para filha?
Esta rapariga nunca mais vai esquecer a mutilação. Em alguns países, a excisão é realizada em bebés. Sendo uma prática ilegal, um bebé a chorar dá menos nas vistas do que uma rapariga a sofrer de dores o tempo inteiro.